Arthur tinha se apressado para garantir que chegaria a tempo e, de fato, falhou. Enfim estava em casa, mas tarde. Ele não poderia chamar a construção de mansão, ela não era extensa. Arthur desejava o mínimo de pessoas por perto, bem como William.
A preferência dos irmãos Montague implicava muitas coisas: casas menos luxuosas; menos funcionários; mais proximidade e segurança. Pelo fim da noite, com exceção dos guardas, restavam na casa somente o mordomo, que pacientemente esperava Arthur, a equipe da cozinha e uma única empregada. Alguns diriam que era inaceitável considerando sua posição, o Duque diria que era inevitável considerando sua criação conturbada.
Arthur apressou seu passo até a entrada.
A porta foi aberta pelo mordomo enquanto tomava a peça verde em suas mãos.
— O Lorde William está na sala de jantar.
— Ótimo. — Arthur entregou as compras para o mordomo. — Leve para o quarto do meu irmão.
O Duque apressadamente subiu o primeiro lance de escadas. Segurando-se no corrimão dourado ele parou no último degrau, franzindo seu olhar ao observar o quadro em sua frente. Ele não se importava com decorações, ignorava-as, mas aquela era demais.
— Joshua.
O mordomo virou-se, seus pensamentos estáticos com tom de Arthur.
— Pois não, Vossa Graça.
Arthur não olhou para o mordomo abaixo das escadas, o olhar severo do Duque estava concentrado naquele retrato. Uma família feliz. O tio e tia que amorosamente cuidaram dos sobrinhos após um trágico acidente e as crianças criadas com amor. Ridículo. Aquele quadro era uma mentira.
— Queime isso.
O Duque não esperou a resposta do mordomo. Ele virou-se para a direita subindo o segundo lance de escadas. Seu humor estava péssimo, ele reconhecia isso. Em um longo suspiro, ele se forçou a colocar seus pensamentos em ordem.
Utilizando seu reflexo na maçaneta dourada, ele jogou os fios ruivos para trás na tentativa de esconder seu cansaço.
Diferente do corredor, a sala de jantar estava clara. A luz dos candelabros recaiu sobre Arthur quando a porta foi aberta.
— Você demorou. — As palavras o fizeram pensar que, realmente, seu irmão caçula não era bom com recepções.
A mesa retangular ao centro do cômodo estava posta para duas pessoas. Ela comportava, no mínimo, dez, mas a solidão permanecia nas oito cadeiras nunca usadas. Arthur circundou a mesa. Antes de tomar seu típico lugar, a cadeira da ponta, ele repousou a mão sobre o ombro do irmão.
— Te deixei esperando, não?
William levou à boca o último pedaço de carne, limpando por completo o prato. Após engolir a comida ele repousou o talher.
— Vinte e sete minutos.
Arthur desviou seu olhar para o objeto acima da porta: seis e cinquenta e três. Os ponteiros do relógio, seu pior inimigo, não paravam de correr.
— Tive um imprevisto.
Diferentes pessoas encontram diferentes formas de lidar com a dor. Essa frase corria pela sua mente. Arthur não permitia que suas ações fossem afetadas por ela. Ele engolia a dor. Precisava ser forte, por si mesmo e por William. Muitas vezes, o Duque chegava a se perguntar se sentia dor, não sabia mais como identificá-la, era como se fosse uma parte inseparável de si e cravada no seu âmago. Seu irmão mais novo controlava ela a todo o tempo, assim como a batida sequencial e repetitiva de um tambor. William não se permitia desesperar-se ou gritar, ele escapava para as telas.
— De que tipo? — William olhou para o prato vazio do mais velho. Então, acrescentou: — Eu pedi que o chefe preparasse sua comida quando chegasse. Não deve demorar.
— Do tipo longo e cansativo. — Arthur suspirou, seu olhar retornou ao relógio: seis e cinquenta e nove.
William virou a taça repleta de vinho. Nesses vinte e nove minutos, ele tinha perdido a conta de quantas havia bebido, suas sardas espalhadas pela bochecha e rosada graças ao álcool, eram como constelações. O Duque não as tinha, apenas uma acima da sobrancelha direita.
Pensando a fundo, eles eram realmente parecidos, apesar da divergência de idades, as feições eram quase idênticas. William tinha vinte e seis, Arthur trinta. Os sutis detalhes caracterizavam os irmãos. Diferentemente de Arthur, o cabelo do mais novo tocava seus ombros e, por mais parecido fossem, a aparência de William era mais suave, mais amigável.
— Sequer entendo o que estamos fazendo aqui. — William levantou-se. O tom do mais novo era gentil, mas suas palavras diretas. — Está fugindo de casa a essa idade?
Arthur, com um sorriso torto em seu rosto, observou o irmão se afastar da mesa.
— O que quer dizer?
— Há lugares mais interessantes que a capital para evitar as lembranças daquela casa. Poderíamos fazer uma viagem de navio, mas creio que seja tão traumático quanto. — William sorriu cínico, mas seus lábios carregaram tristeza. — Esqueça-os e viva sua vida.
— William. — Antes que seu irmão pudesse deixá-lo, Arthur chamou-o. Ele pensou em rebater, mas não tardou em mudar seu pensamento. — Suas coisas estão em seu quarto.
William acenou e fechou a porta, deixando o Duque a sós exatamente às seis e meia. Arthur esfregou as palmas de sua mão sobre o rosto. A escuridão quando a luz não chegou mais a suas pupilas foi reconfortante. As palavras do irmão tinham lhe atingido como uma faca afiada. Sim, ele estava evitando memórias. Fugindo de casa como um adolescente.
As lembranças da morte de seus pais eram claras como água limpa, mesmo que com o tempo devessem ter tornado-se como barro. As lembranças dos seus tios ele não poderia esquecer, um simples espelho era o suficiente para lembrá-lo das cicatrizes. A casa principal do Ducado, marcada por seus traumas, não era exatamente agradável. Todos os dias olhar pela janela e observar o mar… tudo em Bellamonte parecia querer destruí-lo. A capital era nojenta e odiosa, mas um refúgio.
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Atualizado até capítulo 48
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