Anastácia não pensou que o verde poderia ser tão viciante, nem que poderia ser onipresente. Por onde andava ele estava lá. Os vestidos nas vitrines, as fachadas das lojas, as folhas nas imponentes copas das árvores, mesmo as ervas secas com as quais sua irmã trabalhava ainda tinham um resquício de verde. Anastácia tinha desejado se aproximar, ela queria provar algo, mas não lembrava o que. Agora, ele precisava correr, Anastácia tinha que correr o mais longe possível daquele verde.
No início, a jovem não pensou em todos os detalhes, ela sequer podia imaginar que sua curta obsessão resultaria no pensamento autodestrutivo que rondava sua mente. Ele era apenas um rostinho bonito, não precisava desse escândalo todo. Logo ela esquecia, mas para isso precisava parar, ou talvez sanar sua curiosidade. A segunda opção parecia melhor.
Com um nome, Anastácia retornou à loja de belas-artes.
— Arthur Montague. — Anastácia bateu as mãos sobre o balcão.
Cautelosamente, o atendente deu um passo para trás. Ele não queria cutucar o ninho de vespas, mas as vespas o perseguiam sem motivo! Deus o ajudasse, ele apenas queria seu ganha pão.
— Quem? — O atendente piscou rapidamente.
Anastácia revirou os olhos. Ela sentou-se sobre o balcão, girando entre os dedos um pincel.
— Me diga quem é Arthur Montague.
Lucien tomou o pincel da mão da jovem.
— Não posso fazer isso, vai me causar problemas.
Os lábios de Anastácia se curvaram em um biquinho de decepção.
— Vamos! Por favor, Luci! Uma mão lava a outra. Eu já te ajudei.
O atendente remexeu o balcão, movendo de local papéis, organizadores e qualquer coisa que pudesse ocultar algo como uma chave. Não encontrando nada além de poeira acumulada, ele revirou os olhos.
— Duque de Bellamonte.
Anastácia sorriu pela satisfação.
— Aquele bicho do mato?
— Anastácia!
— Perdão, Luci. Ele é seu amigo, não? Me corrigirei. Aquele humano que se esconde em sua mansão e tem, veja bem, não estou afirmando são rumores, comportamento de bicho de mato?
— Esse mesmo, agora devolve minhas chaves! — O atendente esticou a mão para Anastácia. — Eu quero ir para casa.
— Que enrolação! — A mulher revirou os bolsos. A chave prateada e velha foi entregue.
Furiosamente, Lucien puxou a chave da mão de Anastácia.
— Que preguiça a sua! Se tem o nome dele poderia achar com quinze minutos de pesquisa, mas decidiu me atormentar? Ou melhor, não deveria saber o mínimo sobre a nobreza?
Ela estava cansada de procurar e com uma pitada generosa de preguiça, mas não poderia dar essa a resposta.
— Eu tentei, mas não achei e não tenho interesse em nobres. Além da erva daninha, devo conhecer de rosto apenas os clientes da minha irmã. — Anastácia deu de ombros. — E pare de tentar fugir de mim! Tenho mais uma pergunta.
— Qual? — Lucien desviou das caixas espalhadas até alcançar a saída. Ele abriu a porta e segurou-a, com a mão livre indicou para que Anastácia saísse.
— Você encomendou o que eu pedi?
— Estão no próximo navio. Não é tão simples assim as coisas que você e suas irmãs encomendam.
Anastácia sorriu cruzando o arco da porta. Tinha demorado, mas finalmente a carga chegaria. A coroa podia impedir a importação, mas o mercado ilegal se regozijava disso. Era arriscado, de todas as formas possíveis, ainda mais com o recente acordo daquele pirata com a marinha. Henry ou Hartley? Enfim, alguma coisa Peregrine era sempre sua maior preocupação. Aquele maldito pirata era uma pedra no sapado de todos! Qualquer carga interceptada por ele, não seria mais vista na face da terra. Uma reputação assustadora para alguém mais jovem que ela.
— Não se preocupe. — Lucien tentava encaixar a chave na fechadura. Ao falhar diversas vezes, ele estalou a língua. — Assim como as últimas, é garantido que a carga chegará ao porto. Após isso, aguarde três dias e cairá em suas mãos.
Anastácia sentiu seu interior preencher-se de felicidade, mas não foi duradouro. O sentimento dissolveu-se assim que notou o tremor na mão do amigo. Com as sobrancelhas caídas pela tristeza, ela prontamente ajudou-o a firmar a mão ao repousar a sua sobre a dele. Enfim, a porta da loja foi fechada. Lucien guardou a chave no bolso da sua calça e suspirou. Posteriormente, ele apertou com força o pulso trêmulo.
— Não pode fazer isso! — Anastácia afastou com força a mão que Lucien usava para apertar.
O atendente abaixou a cabeça e os fios do cabelo castanho caíram sobre seu rosto, sua voz tornou-se carregada de pesar.
— Eu sei. Mas…
— Vai passar, Lucien. — Anastácia interrompeu.
— E se não?
Música, pintura e uma certa ilegalidade, os três ramos de sua família eram submetidos a essas artes. Hoje, Lucien realizava o que conseguia: dirigia a antiga loja de belas-artes e cuidade de uma ou outra encomenda. No entanto, esse não era seu sonho.
Um deslize tinha sido o suficiente para destruir parte da sua vida. Para muitos, uma fratura no pulso seria algo semelhante a nada. O tremor podia irritar, mas a pessoa ainda poderia seguir sua vida. Contudo, não um músico. Um violinista precisava de precisão em suas notas, mas ele não a tinha. Lucien tocara por toda sua vida, era seu sonho, seu tudo e seu respirar. As técnicas estavam gravadas com ferro em brasa na sua mente, mas seu corpo se recusava a aplicá-las.
Lembrava-se da época da academia como se fosse o dia anterior, um tempo difícil, mas de uma ou outra forma proveitoso. Não esquecia do seu hábito de competir incessantemente com outros.
Anastácia reforçava infinitamente sua esperança.
Ela era sua curandeira, talvez fosse a melhor da capital real. A morena com seu sólido conhecimento tinha dito-lhe que meses passariam e, com certos exercícios e tempo, seus movimentos retornariam ao comum. De fato ele movia os dedos de melhor forma, mas não o suficiente. Nos últimos dois meses nada havia mudado. Ele passou a duvidar da esperança, estava paranoico, tinha medo.
Preocupada com a alienação do amigo, Anastácia caminhou sem rumo, apenas seguindo Lucien. Ela desejava garantir que estivesse bem, não somente do corpo, mas da mente. De uma forma ou outra, ele era alguém especial.
Lucien conhecia o segredo das irmãs, ajudava-as com certas questões ilegais, era confiável e divertido. Sua relação com Lucien era estranha, eles gritavam e discutiam, mas ele a respeitava, assim como ela respeitava-o.
— Espere — Buscando esconder sua melancolia, Lucien virou-se de para Anastácia, impedindo-a de fugir. — Por que está tão curiosa sobre o Duque?
— Sabe aquele dia? — Anastácia desviou seu olhar para baixo, uma pequena pedra estava entre ela e Lucien — Aquele babac… aristocrata disse com toda aquela pompa! — Assim como fez para sua irmã, Anastácia encheu o peito de ar, então disse: — Se vai salvar algo ou alguém, trate de garantir que não vai precisar envolver terceiros.
— Vou agradecê-lo da próxima vez que vier até a loja. — Lucien deu de ombros.
— Por que todo mundo fala isso!?
— Você tem costume de envolver outras pessoas em suas questões. Eu, como fez agora pouco, suas irmãs e, aparentemente, o Duque de Bellamonte. — Sentindo-se realizado por ter dito o óbvio, Lucien retornou seu caminho.
Anastácia abriu e fechou sua boca. Então, a revolta tomou conta de si. Com toda a força que pode e mirando na nuca do atendente, Anastácia chutou a pequena pedra. Ela não soube dizer se foi o vento, ou talvez o formato do seu sapato, mas o alvo foi diferente do esperado: com a velocidade de um raio, a pedra atingiu o rosto de um homem alto e ranzinza.
A princípio, Anastácia pensou ser engraçado a cena do brutamontes com uma pedra em meio as sobrancelhas. Porém, não tardou para que entendesse a gravidade da situação.
Anastácia não pensou duas vezes antes de correr. Ela segurou o pulso de Lucien e puxou-o com força, fazendo o atendente acompanhá-la.
— Corre!
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Atualizado até capítulo 48
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