Anastácia não deveria estar ali, ou talvez Arthur não. O Duque parecia o único desconfortável.
Arthur pensou que seguir apoiado sobre o mastro do navio enquanto esperava o momento que Roderick sairia do porão era mais do que torturante. Ele estava inquieto, batendo seu pé sequencialmente sobre o piso do convés.
Anastácia não. Apesar da parte inferior do vestido estar molhada e noite fria, ali ela estava, agindo como uma rainha no seu trono improvisado. A curandeira estava sentada de pernas cruzadas sobre a balaustrada de madeira velha, segurando o pé de cabra se fosse um cajado de ouro cravejado de diamantes. O vento soprava forte arrastando as ondas dos frios escuros, fazendo-as flutuar no ar.
Repetidamente, Anastácia levava a mesma mecha de cabelo para trás da orelha, mas os fios teimavam em escapar. Os ruídos e falatórios dos marinheiros se tornaram abafados, tudo que Arthur escutou foi o suspiro de Anastácia, marcado pela condensação do ar que deixou seus lábios. Mais do que o comum, as bochechas da mulher estavam levemente coradas.
Arthur não piscou. Ele não ousaria perder um segundo Anastácia da sua vista. Então, trazido pelos ventos do tornado que se formava na mente do Duque, aquele pensamento teimou a retornar: adorável. Não havia o mínimo sentido no quão bela a cena formara-se nos seus pensamentos, que, na sua maioria, costumavam ser mais claros que isso.
Ele se atraía por pessoas, sanava ou não sua curiosidade, mas recusava-se a permitir que permeassem os seus pensamentos infinitamente. Anastácia estava tirando-o do sério, pois, assim como ver um elefante dançar valsa num salão de baile - o que pensou ser um péssimo exemplo -, ela era inesquecivelmente única. Era sua aparência? Inegavelmente poderia ser um dos fatores, ele se arriscaria dizer que Anastácia era a mulher mais bela que conheceu. Mas não era só isso. A personalidade? Poderia. A forma com que, aparentemente, apenas para provocar ela adorava contrariar mesmo a mínima sugestão de uma ordem, em partes era interessante. Ou, porque ela era uma mistura de todas essas pequenas e imperfeitas perfeições, resultando em dois atributos que admirou por toda a sua vida: liberdade e honra. Aquela pequena criatura tinha corrido atrás de um brutamontes apenas para ajudar uma amiga, gritara aos quatro cantos do mundo sem se importar, mesmo entrar num navio transbordando mercadoria ilegal para salvar alguém.
Anastácia era seu oposto, mas capaz de cessar a sua inquietação. Ele não notou quando o seu pé parou ou quando os seus lábios se curvaram num sorriso sincero e demorado. Infelizmente, o Duque não notou a curvatura dos seus lábios desaparecer assim que, enfim, Roderick surgiu das escadas atrapalhando-o como sempre fazia.
— Vazio? — Os lábios do capitão contorceram-se em descrença e desgosto. — Não confundiu o termo com “lotado”? — Roderick encarou os arredores, sentindo-se inundado por decepção.
Anastácia sentiu os pelos de seu braço se arrepiarem. Ela observou atentamente o cais: os marinheiros, antes distantes, estavam logo abaixo da escada. Um deles, Anastácia reconheceu com facilidade.
— Cunhado!? — Anastácia exclamou.
— Ana? O que está fazendo aqui?
Arthur riu, desacreditado ao reconhecer a voz.
— Ele é seu cunhado?
Anastácia mordeu os lábios em desgosto.
— Infelizmente, minha irmã mais velha se casou com esse traste um tempo atrás. Não precisa dele aqui em cima, não é? — Anastácia seguiu encarando a escada pela qual Desmond subia rapidamente e com exímia facilidade os degraus bambos. — Se não precisar…
— Ei! — Roderick gritou. — Vocês dois estão sempre grudados, desde o serviço. Eu deveria saber.
Desmond alcançou a balaustrada do navio, mas não subiu. Os pés do Visconde permaneceram nas escadas, somente os seus braços, que serviram de apoio para o queixo, alcançaram a madeira. Anastácia seguia com sobrancelhas franzidas, segurando com força o pé de cabra e mais do que pronta para cumprir seu posto.
— Coloque um pé aqui em cima e eu acabo com seu rosto horrendo, Visconde.
Desmond inclinou a cabeça e um sorriso de satisfação surgiu em seus lábios.
— Sua irmã não tem a mesma opinião. — Anastácia levantou o pé de cabra, sentindo-se ainda mais irritada quando Desmond riu e desviou seu olhar para o Duque. — Arthur, eu ia te ajudar a prendê-lo, mas minha cunhada tem um temperamento forte. Por favor, use suas artimanhas e arraste ele para o cais.
Fazia sentido ele não saber. A Viscondessa era reservada demais, aquém do comum, ele poderia dizer. As poucas vezes que a viu tinha sido por breves segundos. Se estivesse presente no casamento do amigo, teria conhecido-a melhor, assim como provávelmente encontrado-se com Anastácia. Ele sequer sabia que a Viscondessa tinha irmãs. Todos eram próximos demais, mas completamente afastados.
— Pode parar de pensar, Arthur? — Desmond reclamou — Quero ir para casa!
Arthur sinceramente desejou cortar a escada na qual o amigo se segurava, mas pode espantar esse pensamento quando o pé de cabra alcançou com força o topo do cabelo do Visconde. Anastácia merecia o frasco de medicamento por aquela ação.
Balançando a sua cabeça, Arthur focou no importante e imediato.
— Capitão Harris Roderick, você está sob custódia da Marinha Real pelos crimes de traição, insubordinação e tentativa de assassinato. — A cada palavra, Arthur aproximou-se.
— E quem eu tentei matar, Vossa Graça? — Roderick cerrou o olhar enquanto sorria cínico.
— William Montague. — A resposta caiu instantaneamente sobre o Capitão.
Como resposta, Harris Roderick riu como um louco na frente de Arthur. Dentre as possíveis, a pior reação. A única que poderia ainda afetar o Duque e deixá-lo pasmo, controlando até seu último músculo para não lançar o capitão ao mar. Ele ficou tentado a calar a boca daquele louco no mesmo instante, mas não o fez. Seu último resquício de autocontrole foi usado para esperar e esperar, até que pode imobilizar Roderick. Deveria estar tudo acabado, ou não. Talvez aquele fosse apenas o início de seus problemas.
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Atualizado até capítulo 48
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