Capítulo 17

A noite, meus pensamentos tumultuados me privaram do sono. Refleti sobre tudo, e, para ser honesto, estou cansado dessa farsa também. Cansado de estar ao lado dela sem realmente estar. Ela teria todo o direito de revelar a verdade para o Senhor Garcia agora, e eu entenderia completamente. Enquanto ponderava, sua respiração profunda indicava que ela estava em um sono pesado. Levantei-me cuidadosamente da cama para não acordá-la e dirigi-me à cozinha em busca de algo para beber. Desci as escadas em passos silenciosos e encontrei a Senhora Marcia amassando uma massa. A cozinha estava iluminada apenas pelo brilho suave da luminária sobre a bancada, criando uma atmosfera acolhedora. O aroma reconfortante de pão recém-assado pairava no ar, misturando-se com o cheiro do café fresco que estava pronto para ser servido. A Senhora Marcia estava concentrada em sua tarefa culinária, suas mãos habilidosas trabalhando a massa com destreza. Ao me ver entrar na cozinha, ela sorriu gentilmente, seus olhos transmitindo uma mistura de calor e compreensão.

- Perdeu o sono, senhor Coldwell? - perguntou a Senhora Marcia com gentileza.

- Sim, senhora Marcia, perdi o sono. - Respondi com um suspiro.

- Venha, sente-se. Vou te dar um chá que é tiro e queda. - Ela se dirigiu ao fogão com determinação, e eu obedeci, ocupando uma cadeira próxima ao balcão. Vi-a acender o fogo e preparar o bule com as ervas, o aroma reconfortante começando a se espalhar pela cozinha.

- Você e a Fernanda estão bem? - indagou ela enquanto servia o chá.

- Estamos bem, obrigado. - Respondi, tentando parecer otimista.

- Não me parece isso. Notei a Fernanda muito pensativa. - Ela me olhou com perspicácia, como se conseguisse ler meus pensamentos.

- Eu acho que não estamos prontos para casar. - confessei.

- Está com medo de que isso dê errado? - perguntou ela, demonstrando sua habitual sabedoria.

- Talvez... - murmurei, refletindo sobre meus próprios receios.

- Eric, meu filho, preciso dizer que nem tudo nesta vida é um mar de rosas, e que para saber se o amor é certo, haverá sim dificuldades. - A voz da Senhora Marcia era serena, mas carregava uma profundidade reconfortante. Enquanto ela mexia a massa, acrescentou. - Ela elogiou muito você enquanto fazíamos o jantar. Não queria dizer isso a você, mas ela o admira muito.

Permaneci em silêncio, atormentado pela sensação de que Fernanda talvez me odiasse.

- Eu sei que o Garcia quer que ela vá para fora do país. Acho essa ideia um tanto absurda, mas ele disse que ajudaria vocês dois, inclusive a Fernanda. - ela prosseguiu, dando continuidade ao assunto.

- Você acha que seria egoísta da minha parte não deixá-la ir? - perguntei, buscando sua opinião.

- Eu não sei. Acredito que não. Isso mostra que você a ama. - ela respondeu, com um sorriso gentil no rosto.

Suas palavras me atingiram profundamente, trazendo à tona um turbilhão de emoções. Enquanto eu lutava para processar tudo o que estava acontecendo, a gentileza e a sabedoria de senhora Marcia se tornavam mais evidentes para mim.

- É difícil saber o que é o melhor em situações assim. - Confessei, me sentindo grato por sua perspectiva. - Mas eu quero que ela faça o que for melhor para ela, mesmo que isso signifique ir embora por um tempo.

- E isso é um sinal de amor verdadeiro, meu caro. - Ela respondeu, com uma expressão serena. - Às vezes, amar alguém significa deixá-lo ir para que possa crescer e se desenvolver.

- Você acha que ela vai? - indaguei, preocupado com a possibilidade.

- Ela só irá se souber que tem o apoio do noivo nessa difícil decisão. - ela respondeu, agora olhando diretamente para mim. - Não existe nada melhor do que apoiar um ao outro.

Refleti sobre as palavras da senhora Marcia, enquanto tomava o chá calmante. Ela tinha razão; se Fernanda decidisse ir, eu precisava estar ao seu lado, apoiando-a em suas escolhas, mesmo que isso significasse enfrentar meus próprios medos e incertezas. Após agradecer pelo chá, retornei ao quarto onde Fernanda ainda dormia tranquilamente. Sentei-me na beirada da cama e fiquei refletindo sobre sua partida. Concluí que era necessário que ela fosse, para que eu pudesse finalmente seguir em frente e deixá-la para trás. As palavras de dona Marcia sobre o chá sendo "tiro e queda" ecoaram em minha mente enquanto adormecia profundamente. Quando finalmente despertei, notei que Fernanda já não estava mais na cama. Levantei-me e caminhei pelo quarto, até que percebi sua presença no jardim, onde estavam tomando café. A cena me trouxe uma sensação de resignação misturada com um leve pesar, mas eu sabia que era o momento certo para ela seguir seu próprio caminho.

Desci as escadas e me aproximei deles.

- Bom dia. - cumprimentei, sentando-me na cadeira ao lado de Fernanda.

- Dormiu bem, Eric? - perguntou Marcia.

- Bem que a senhora disse, o chá é tiro e queda mesmo. - respondi, reconhecendo o efeito relaxante do chá.

- Que bom. - ela sorriu.

- Eric, Fernanda já deu a resposta. - Garcia disse animado. - Ela vai aceitar o projeto.

- Sério? - minha surpresa era evidente. Olhei para Fernanda em busca de confirmação.

Ela assentiu com um sorriso, parecendo mais tranquila do que nos últimos dias.

- É uma oportunidade incrível, não poderia recusar. - explicou ela.

- Estou muito orgulhoso de você, minha querida. - disse Garcia, colocando a mão sobre a dela.

- Obrigada, senhor Garcia. - respondeu Fernanda, visivelmente emocionada.

Enquanto eles conversavam animadamente sobre os detalhes do projeto, meu coração se apertava com a decisão que ela havia tomado. Era o melhor para a carreira dela, mas e nós dois? Como ficaríamos?

- Ela só aceitou ir daqui a um mês. - disse Garcia.

- Mas por que daqui a um mês? - perguntei confuso.

- Precisamos resolver algumas coisas, meu noivo. - ela respondeu animadamente.

- Entendo. - respondi, ainda processando a notícia. Olhei para Fernanda, buscando algum sinal de explicação em seu olhar, mas ela apenas sorriu de volta, deixando-me ainda mais intrigado.

- Bom, então temos tempo para nos preparar. - comentei, tentando manter a calma.

- Exatamente. - concordou Garcia. - E faremos de tudo para que esse projeto seja um grande sucesso.

Enquanto a conversa continuava, eu me perguntava o que realmente estava por trás desse mês de espera.

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