CAPÍTULO 8 - Memórias Difíceis

...Charles Biancardi:...

Ainda estava empregado, uma boa notícia, sem dúvida. No entanto, no meu primeiro dia de volta à empresa, me deparei com o caos: funcionários correndo, telefonemas incessantes e olhares desconfiados, como se eu fosse o próprio inimigo da nação.

Era óbvio que desconfiavam de mim por ser o filho do dono da empresa rival. Na perspectiva deles, se meu próprio pai não me queria lá, eu não era confiável, e agora após o roubo da ideia do produto, todos imaginam que estou aqui apenas para entregar o trabalho deles de bandeja.

O que poucos sabem é que não foi meu pai quem não me queria em sua empresa; ele não me expulsou. A decisão de deixar tanto a empresa quanto a mansão dos Biancardi foi completamente minha.

Silas, meu pai, me treinou em todos os aspectos para ser o presidente perfeito e ocupar o lugar dele quando finalmente quisesse se aposentar. Isso, na teoria, é claro, porque, na realidade, ele me treinou para ser um trapaceiro igual a ele, um mero fantoche.

Só havia um pequeno problema... ele falhou miseravelmente.

Embora meu caráter não fosse o melhor em relação à comunidade feminina (isso talvez se deva a ele), quando Silas tentou me persuadir a manipular Gael para obter uma informação confidencial sobre a empresa dele, que na época era comandada por Ricardo, eu recusei. Naquele dia, Silas me fez escolher entre a lealdade a ele ou a amizade do meu melhor amigo. Após rir horrores da cara dele, simplesmente dei as costas e saí da empresa.

Não preciso dizer quem escolhi, certo?

Quando deixei a Empresa dos Biancardi para ingressar na Mancini Enterprise, a imprensa enlouqueceu. Tenho certeza de que a única razão pela qual não me acusaram de ser gay foi minha longa lista de 'conquistas amorosas'. Então, passaram a me chamar de Ex-Herdeiro.

É interessante que, ao deixar de ser o herdeiro de uma empresa para me tornar um simples secretário, a imprensa parou de falar sobre mim, ou pelo menos com menos frequência do que antes. Agora é de certa forma raro ouvir notícias sobre mim.

A última vez que meu nome esteve em destaque na TV e nos jornais foi quando surgiram boatos de que eu havia tido relações sexuais com quinze mulheres em uma única festa.

Não preciso dizer que isso era mentira, preciso? Na verdade, foram só sete.

Por causa desses boatos, fui colocado em primeiro lugar no Ranking dos mais rodados de 2020, pela revista Celebrity Scoop.

Eu poderia ter ficado chateado? Sim. Fiquei? Não.

Não que eu me orgulhe de mostrar a todos que estive com várias mulheres, mas pelo menos assim fica claro que não sou adequado para relacionamentos, e aquelas que quiserem compartilhar minha cama por alguns minutos não vão esperar compromissos de minha parte.

...[...]...

Após me estressar com as acusações e insinuações de algumas pessoas da empresa, decidi encontrar provas da minha inocência por conta própria.

Onde eu fui?

"Oi, Désirée, sabia que você está muito sexy com esse vestido?", cumprimentei a secretária do meu pai, que observava atentamente seu notebook.

"Quem é vivo sempre aparece", deu um grande sorriso e se levantou rapidamente me abraçando. "Vai voltar?", pareceu animada.

"Nem se tivesse uma arma apontada na minha cara".

"Credo, Charles", fez uma careta. "Por que está aqui então?", perguntou pensativa.

"Silas está aí?", negou com a cabeça, mas lançou um rápido olhar para a sala, e isso foi o suficiente para que eu constatasse que ela mentiu. "É claro que sim", murmurei entediado, mas antes que eu começasse a caminhar até lá, ela segurou meu braço com força.

"Charles, se você fizer confusão, eu posso ser demitida", implorou com os olhos.

"Relaxa, se isso acontecer, saiba que eu te fiz um favor", me desvencilhei do seu aperto, seguindo caminho até a sala dele.

Abri a porta sem dificuldade.

E lá estava ele, sentado em sua cadeira com duas mulheres ajoelhadas à sua frente; ambas pareciam empenhadas em fazer seu órgão genital ficar ereto.

Eles se assustaram com o som da porta, e logo os olhos dele se voltaram para mim, mas em seguida retornaram para as mulheres que haviam se levantado, aparentemente envergonhadas, ou não.

"Continue, querida", mandou, e a mulher se ajoelhou novamente.

Adentrei a sala e me sentei no sofá preto, assistindo seu espetáculo ridículo.

Lembra que eu falei que o fato do meu caráter não ser o melhor em relação à comunidade feminina poderia ser por culpa dele? Pois é.

Essa não é a primeira vez que presencio isso, ou seja, que ele trai minha mãe. Sim, eu tenho uma mãe, apesar de não parecer na situação atual, mas ela aparentemente não se importa com essas 'brincadeirinhas' do meu pai.

É errado fazer isso na frente do próprio filho, certo? Sim. Ele se importava? Não, arrisco dizer que é até normal, ao menos para mim.

Momentos assim eram comuns desde os meus... oito anos, quando ele disse que estava na hora de eu virar homem. Lembro-me perfeitamente de não entender por que minha babá estava usando uma roupa tão curta e estranha.

Mas não quero falar sobre isso agora.

"Por que não participa?", perguntou ofegante. "Kristen, dê as boas-vindas ao meu filho", a outra mulher nua começou a caminhar na minha direção. Mas fui rápido ao erguer a mão e dizer:

"Dispenso seus serviços. Você deveria ajudar a sua amiga; ela parece estar tentando realizar uma missão impossível", zombei.

"Estou assim porque é broxante te ver aí", rosnou Silas.

"Sem ofensas, mas isso ai não ia levantar de qualquer maneira", ele me olhou irritado. Notei que Kristen segurou a risada.

"Esqueça, você não é boa o suficiente", ele empurrou a mulher e fechou as calças. "Saiam", mandou, e elas começaram a se vestir rapidamente, em seguida saíram, nos deixando a sós. "A que devo a honra do meu filho pródigo estar de volta?", perguntou, abrindo um sorriso. "Quer pedir perdão e voltar?"

"Você roubou o produto da Mancini Enterprise por esse motivo?", ele me olhou com diversão, e ali estava a resposta. "Está com tanta saudade de mim que quer me forçar a voltar?"

"Pare de ser burro, você sabe que pode ganhar mais aqui do que lá", dei risada.

"Você admite então?", tentei faze-lo confessar.

"O que?", se fez de desentendido.

"Que roubou o produto da Mancini com a intenção de fazer eles pensarem que eu te ajudei".

Ele pareceu pensativo e logo se inclinou sobre a mesa e falou:

"Por que não desliga o gravador primeiro", merda, ele descobriu.

Apenas dei o meu melhor sorriso falso.

"Não sei do que você tá falando."

"Claro que sabe", abriu uma gaveta e retirou um charuto. "Você é igualzinho a mim, Charles", murmurou, acendendo-o.

Senti um nó se formando na minha garganta.

"Não, eu não sou", ele abriu um sorriso e deu uma gargalhada como se eu houvesse contado uma piada.

"É mesmo é", debochou.

"Como está a mamãe?", me vi na obrigação de mudar de assunto, caso contrário, entraria em uma terrível crise existencial.

"Já faz mais de dois anos que você não a vê, por que está preocupado agora?", dei de ombros. "Ela deve estar gastando meu dinheiro a essa hora", comentou colocando as cinzas do charuto no cinzeiro.

"Você ainda não a matou, que bom", eu gostaria de dizer que era uma piada legal a se fazer, mas não era, a fiz sentindo um gosto amargo na boca.

Enquanto morei naquela casa, a vi apanhar várias vezes, e me meti em todas elas desde os meus seis anos. Não adiantava muita coisa, já que, no final, nós dois apanhávamos. Quando completei doze anos, Silas tentou me ensinar que aquilo era normal, assim como as relações sexuais precoces. Essa foi a primeira vez que me recusei a aprender a lição; ver minha mãe chorar era doloroso, e eu não queria causar aquilo a ninguém.

"Se quer ter uma conversa sincera, deveria parar de gravar", comentou, e eu bufei entediado, vendo que vim até aqui em vão.

"Vou provar que não tenho nada a ver com isso", avisei , me levantando do sofá.

"Já vai?", ironizou, mostrei o dedo do meio, e ele gargalhou. "Boa sorte lá... onde todos te odeiam", saí da sala dele e bati a porta com força.

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