Freya...
Era quase fim de tarde e eu ainda não tinha visto Apollo ou Andreas, também não havia saído do meu quarto desde a explosão de Apollo durante o café da manhã. Eu entendia seu ponto de vista, forasteiros na cidade e uma humana andando para cima e para baixo poderia de fato ser perigoso para mim, mas não se eu estiver acompanhada do rei ou do príncipe, duvido que qualquer um ousaria questionar porque o rei mantém uma humana em seu Reino. Não via motivos para a forma como ele falou comigo, não entendia porque estava tão bravo, o que eu fiz ontem a noite foi estúpido, mas no fim tudo deu certo de qualquer forma.
Estava lendo um livro na poltrona próxima à janela quando alguém bateu na porta do quarto e então a abriu. Andreas me analisou de cima a baixo e se recostou no batente da porta com aquele sorrisinho faceiro no rosto. Olhei para ele por um tempo me certificando de que estava inteiro depois dos gritos que Apollo deu contra ele e então voltei minha atenção para o livro em minhas mãos.
— Você gosta de provocar a raiva dele — Ele por fim falou enquanto limpava as unhas. Fechei o livro e me levantei o colocando sobre a cama.
— Ele sabe ser estúpido quando quer — Falei voltando para a poltrona enquanto olhava para ele.
— Ele está tentando te proteger...
— Do que, Andreas? O que tem na cidade que seria capaz de atacar o rei? — Eu estava aqui a tempo o bastante para ver como todos, até mesmo o irmão o temia e vi a criatura que ele matou na floresta, não tem como nenhum deles ir contra todo o seu poder.
— Existem criaturas muito mais perigosas que ele nesse lugar, criaturas que ficariam felizes em pôr as mãos em uma criatura tão adorável quanto você — Ali estava o tom de ironia que ele sempre usava quando queria fugir de um assunto sério, ou quando queria me ameaçar.
— Tipo o homem que me atraiu até a floresta ontem?
Eu não havia pensando no homem até esse exato momento. Embora sua voz ainda ecoasse em minha mente como ontem a noite e durante o sonho. Uma parte minha queria saber quem ele era e a outra me dizia para ficar o mais longe possível. Não sei qual parte escutar.
— Não havia ninguém diferente no Rito, as Sentinelas e eu nos certificamos disso — Neguei olhando pela janela na direção da floresta, na direção do lugar onde aquele homem estava parado me olhando.
— Talvez ficar presa aqui esteja me deixando louca — Olhei para ele que riu para mim, negando, fiz o mesmo preferindo não discutir mais sobre isso.
— Coloque roupas para cavalgar e um casaco. Vamos sair em dez minutos — Ele falou por fim saindo do quarto — Ele também vai — Olhei para ele que apenas deu de ombros e saiu fechando a porta atrás de si. Fechei os olhos e respirei fundo levantando e indo até o armário.
...★...
Andreas e Apollo estavam prontos e esperando por mim nos estábulos quando cheguei, Apollo não me olhou, embora eu soubesse que ele havia notado minha presença. A égua branca já estava celada e um dos homens me ajudou a montar. Olhei para Andreas que respirou fundo com um olhar de precaução para mim antes que Apollo seguisse adiante na nossa frente. Não me incomodei em falar com ele ou perguntar para onde estávamos indo e Andreas estava distraído demais observando o irmão que não se importou em falar também.
Não demorou para que a estrada de terra cercada pela floresta desse em uma espécie de vila. Havia algumas casas de pedra pequenas, construídas uma ao lado da outra dos dois lados da estrada, mais a frente uma enorme fonte e então a cidade se abria diante de nós. Diversas lojas e vendedores ambulantes ocupavam as ruas, pessoas andavam de um lado a outro com sacolas e algumas, a cavalo como nós. Todos nos olhavam e alguns até fazia reverências para Andreas e Apollo conforme eles passavam, outros olhavam para mim curiosos e com desprezo.
— Consegui convencê-lo a trazê-la aqui para comprar seja lá o que precisa — Andreas por fim falou chamando a minha atenção. Sorri para ele com sinceridade e voltei a olhar as construções ao nosso redor.
— Todos os Reinos são assim? — Perguntei observando as roupas nas vitrines e a variedades de temperos que os vendedores ofereciam a quem passasse.
— Não exatamente, mas se parecem com exceção do Reino de Inverno — Olhei para ele quando percebi o tom sombrio na sua voz. O analisei por um tempo notando que seus olhos haviam se perdido em algum pensamento distante.
— O que tem lá?
— Morte, dor e desespero — Havia raiva em seus olhos quando ele me olhou novamente, uma raiva gélida e genuína que fez meu corpo estremecer, nunca havia visto ele tão furioso em toda a minha vida — O Rei de Inverno é um monstro do tipo que se deve ser evitado — Foi tudo o que disse e seu tom deixava claro que não iria entrar em mais detalhes.
— Vamos, temos que voltar antes do anoitecer — Apollo falou se aproximando de onde Andreas e eu cavalgávamos calmamente.
Não me demorei a achar tudo o que eu precisava. Andreas e Apollo ficaram no meu pé como dois cães farejadores o tempo inteiro, até mesmo enquanto comprava coisas íntimas. Não questionei o porquê e nem reclamei da presença dos dois — já foi um milagre Andreas ter conseguindo convencer Apollo a me deixar vir — não queria provocar a raiva dele uma segunda vez no dia.
Já estávamos prontos para voltar quando uma loja de tintas chamou minha atenção. Fazia muito tempo desde a última vez que eu havia pintado. Se bem me lembro, a última vez foi no inverno do ano passado quando Laila me deu tintas de presente no meu aniversário. Não perguntei como ela as conseguiu, era tão raro minha irmã demonstrar qualquer afeto por mim, que eu apenas escolhi agradecer e pintei um lago de inverno naquela mesma noite.
— Freya, você está bem? — Apollo questionou se aproximando e olhando para a loja. Olhei para ele e balancei a cabeça que sim.
— Eu só estava pensando na última vez em que pintei. Parece que foi a anos atrás — Dei de ombros e subi na égua com dificuldade. Ele olhou mais uma vez para a loja e montou seu cavalo.
— Prova isso aqui — Andreas que eu não notei ter sumido surgiu ao meu lado com um espetinho de alguma carne com batata assados, olhei para aquilo e ele mordeu o dele se desmanchando logo em seguida.
— Sabe que se eu morrer a culpa será sua, não é? — Ele riu com um divertimento felino e então mordi um pedaço da carne arregalando os olhos para ele com a explosão de sabores — Isso é divino — Falei lambendo os dedos e ele apenas concordou.
Seguimos de volta para a mansão, Apollo ainda em silêncio a alguns metros a nossa frente. Andreas estava me contando da vez que ele visitou o Reino de verão e de como as pessoas lá estão sempre semi nuas por causa do calor escaldante e constante do Reino. Mas enquanto ele falava, a minha mente estava distante — ou melhor — estavam no homem à poucos metros na nossa frente. Olhei suas costas largas que repuxavam a camisa azul-marinho que ele usava, os cabelos caindo sobre os ombros como uma cascata de ouro e antes que eu pudesse controlar as lembranças do sonho me invadiram, e imaginei qual seria a verdadeira sensação das suas mãos me tocando ou da sua respiração tão próxima.
Despertei dos meus devaneios quando a mansão apareceu no meu campo de visão. A volta foi tão rápida que nem me dei conta que já estávamos em casa. Tentei afastar aqueles pensamentos e afogar a vontade de sentir todas as sensações que aquele sonho me prometeu e foquei apenas no que Andreas falava.
— Andreas, pode levar as coisas de Freya lá para dentro por favor? — Apollo falou assim que desci da égua. O irmão olhou para ele por uns segundos, não consegui identificar nada sobre aquela conversa silenciosa, mas quando Andreas me olhou, pude notar algum sentimento que ele lutava para não demonstrar. Raiva.
— Obrigada, Andreas — Falei assim que ele pegou as bolsas ao meu lado. Ele apenas fez uma referência e olhou para o irmão uma última vez saindo em direção a mansão. Olhei para Apollo que apenas indicou o caminho para o coreto próximo ao rio.
Caminhamos em silêncio um ao lado do outro. O sol já havia se posto quase que por completo e o céu agora estava tingindo com tons de laranja, vermelho e violeta. Apollo estava com os braços para trás, a posição de um cavalheiro, mas a postura de um soltado pronto para a guerra, seus olhos estavam fixos no caminho a frente e sua respiração calma. Olhei para ele pelo canto dos olhos incapaz de abrir a boca e perguntar o que estávamos fazendo ali.
Chegamos pôr fim ao coreto e subi no mesmo me apoiando em uma das pilastras que se erguiam até o teto de madeira, olhei para o rio que refletia a cor do céu e as sombras das árvores e então para ele novamente analisando sua postura. Ele então me olhou e aqueles olhos verdes me fizeram perder o fôlego.
— Feliz aniversário — Arqueei uma sobrancelha para ele e fiz as contas mentalmente me dando conta de que de fato era meu aniversário.
Com tudo que aconteceu e ainda está acontecendo, me passou completamente despercebido o meu aniversário. Não que eu comemorasse essa data em especial. O dia do meu aniversário geralmente de passava como qualquer outro dia, comigo na floresta em busca de comida ou na cidade tentando trocar alguns trocados por algo útil. A única que se importava em lembrar desse dia era Ingrid que sempre me recebia com um abraço e um beijo. Eu sempre admirei a capacidade dela de sorrir genuinamente mesmo com tudo que passávamos. Suspirei ao pensar nelas, nas minhas irmãs. Eu tentava manter elas longe da minha mente a todo momento agora que eu sabia que elas não estavam de fato passando necessidade e que minha presença não era exatamente necessária na vida delas, porque pensar nelas me fazia sentir dor. Mas não era isso que eu sentia nesse momento e embora a saudade apertasse, eu sentia alívio em saber que a situação delas está melhor agora do que quando eu estava lá.
— Como sabe que é meu aniversário? — Ele não precisava saber que eu mesma havia esquecido esse dia, embora eu acredite que minha cara de surpresa tenha deixado claro que sim.
— Estava marcado no calendário da sua casa — Como era possível ele lembrar disso? Nem eu me lembrava desse dia marcado no calendário.
— Obrigada — Foi tudo o que consegui dizer antes de olhar para o rio outra vez. Senti ele me observando até que senti ele se aproximar.
— Isso é para você — Ele estendeu uma caixa retangular para mim forrada em veludo preto. Olhei surpresa para ele e para o presente em sua mão o pegando com cuidado.
Além das tintas que Laila me deu no aniversário do ano passado, essa era a primeira vez que eu de fato ganhava um presente e embora estivesse envergonhada por eu mesma não ter lembrado da data, eu estava feliz por ele lembrar e estava feliz por ter se dado o trabalho de comprar algo, mesmo eu não sabendo o porque se preocuparia.
Abri a embalagem com cuidado revelando um colar de ouro fino e delicado, acompanhado de uma pedra vermelha em formato de coração, pequeno e igualmente delicado. Eu nunca fui amante de joias, nem mesmo quando tínhamos condições de ter quantas quiséssemos, diferente das minhas irmãs que amavam andar adornadas com ouro e pedras preciosas. Mas aquele colar era tão lindo que meus olhos apenas se encheram de lágrimas.
— É lindo — Sorri para ele e tirei a joia da caixa a colocando em um dos sofás acolchoados ao meu lado — Pode colocar por favor? — Perguntei e ele apenas concordou pegando a joia.
Me virei e segurei meu cabelo alto o suficiente para revelar meu pescoço. Seus braços me rodearam e seus dedos tocaram levemente meu pescoço fazendo todo o meu corpo se arrepiar. Sua respiração pareceu mudar o ritmo quando ele fechou o colar e senti seus dedos deslizarem pelo meu braço traçando um caminho quente por onde eles me tocaram.
Minha garganta ficou subitamente seca e meu coração acelerou. Eu sei que ele podia ouvir meu coração ou senti a mudança no meu cheiro, mas eu não me importava. Sua respiração tão próxima me fez lembrar do sonho e quando finalmente virei na sua direção, seus olhos estavam fixos em mim, mais brilhantes do que eu já havia visto, como duas safiras lapidadas. Não desviei os olhos dos dele, embora meu corpo estivesse agitado pela proximidade. Ele ergueu a mão e colocou meu cabelo para trás dando mais visão ao meu colo adornado pela joia.
— Está linda — Sua voz estava baixa e rouca como no sonho e novamente eu senti meu estômago leve. Passei a língua no lábio inferior incapaz de dizer algo ou me mover.
As luzes ao nosso redor se acenderam com magia e só então me dei conta de que o sol havia se posto. Olhei novamente para ele que ainda me observava, aqueles olhos fixos em mim, como se fosse capaz de ler meus pensamentos, a minha alma. Em um ato de coragem ou talvez loucura, dei um passo a frente cobrindo o pouco espaço que havia entre nós dois, e agora estávamos tão próximos que qualquer tomada de fôlego mais profunda faria meus seios tocarem seu peitoral semi exposto pela camisa.
— Tem algo que eu quero fazer a algum tempo — Ele falou quase que em um sussurro olhando para os meus lábios que se abriram levemente automaticamente.
— O quê?
Ele não respondeu, ao invés disso ele apenas cobriu o restante de espaço entre nossos lábios quando os uniu tão rápido que mal notei o movimento até sentir o calor dos seus lábios contra os meus. Suas mãos subiram até meu rosto tomando as laterais enquanto ele aprofundava o beijo mais e mais. Subi minhas mãos pelos seus braços musculosos parando em seus bíceps e meu corpo se chocou contra a pilastra levemente enquanto ele pedia passagem com a língua.
Foi como uma explosão de cores em minha cabeça, nossos corpos próximos, o calor passando de um para o outro e nossas línguas dançando juntas em nossas bocas. Suas mãos segurando minha cintura e me puxando para si enquanto as minhas se emaranhavam em seus cabelos intensificando ainda mais o beijo. Era como se tudo ao nosso redor tivesse sumido, as luzes, os sons e tudo que existe tivesse simplesmente deixado de existir e naquele momento eu não queria nada além dele.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 39
Comments