Freya...
Vomitei. Depois vomitei bile por falta de qualquer coisa no estômago para colocar para fora. O corpo do homem jogado sobre a neve, os olhos abertos ainda estampando a surpresa e o terror antes de sua morte, as mãos sujas com seu próprio sangue quando inutilmente segurou a flecha que atravessará direto seu peito. Não conseguia olhar para o corpo a minha frente sem sentir meu estômago se revirar repetidamente.
Após longos minutos sem olhar o corpo e após longas lufadas de ar, finalmente deixei que minha cabeça se virasse para ver o homem — ou criatura — que eu havia matado com tanta facilidade. Eu caço desde que era menina, muito antes do meu pai repousar sobre aquela cama e aguardar a morte, muito antes de nossa mãe morrer, mas nunca, em nenhum momento eu senti o que estava sentindo naquele momento.
Aquele homem não era humano, eu sabia disso e talvez por isso eu devesse me sentir menos culpada por tirar sua vida, ainda mais considerando que ele faria o mesmo comigo se eu não o tivesse matado, mas ainda assim...
Olhei mais diretamente para o corpo daquela criatura morta na minha frente e só agora me dei conta do quão lindo ele era, os olhos verdes como as folhas no verão, os lábios carnudos, delineados e sexy, o nariz fino e desenhado perfeitamente para seu rosto quadrado, másculo, mas ainda assim, com linhas sutis que mostravam uma juventude que não existia mais, isso fez meu estômago revirar outra vez, mas não havia nem mesmo a bile para colocar para fora.
Me aproximei do cadáver ainda quente e com um estampido eu arranquei a flecha de seu peito, eu não sabia que madeira era aquela, ou que tipo de flecha era aquela que matara uma criatura como ele, mas eu sabia que não era uma flecha comum de madeira de bétula como eu costumava comprar, havia algo naquela madeira, no aço em sua ponta e eu descobriria o que me fizera matar aquele homem.
Vasculhei seus bolsos em busca de alguma identificação, algum papel com seu nome ou com o da família. Será que ele tinha família? Balancei a cabeça afastando aquela pergunta, eu não poderia entrar nessa ou jamais sairia dessa floresta por culpa e ressentimento. Não havia nada nos bolsos da calça ou do casaco além de um relógio de bolso. Fechei os olhos por breves segundos e coloquei minhas mãos sobre seus olhos ainda abertos.
— Que a mãe te acolha, que o pai de receba, que o guerreiro te acompanhe — Falei baixo fechando os olhos daquele homem. Eu não sabia se ele acreditava nos deuses humanos, eu não sabia se eu acreditava neles, mas se eu tivesse que morrer sozinha em uma floresta, iria gostar da promessa de uma vida depois disso — Sua luta acabou.
Me afastei do corpo do homem pegando sua adaga que ainda estava jogada ao seu lado, assim como o manto, enfiei ambos na bolsa de couro e fui até o puma que ele havia abatido amarrando o animal com cordas e o prendendo as costas para carrega-lo. Olhei mais uma vez para o cadáver prometendo silenciosamente retornar com uma pá para lhe dar o enterro adequado.
...★...
Sai daquela floresta escura e gelada sem olhar para trás, com medo de que o ressentimento me fizesse voltar até o corpo. A luz do dia já havia alcançado o céu apesar de o sol não se fazer presente, o frio estava ficando pior e o céu prometia uma nevasca pior para essa noite. Arrastei a carcaça do puma pela soleira da porta e a puxei com dificuldade até conseguir joga-la em cima da mesa de madeira que separava cozinha e sala.
Minha irmã mais nova, Ingrid olhou incrédula para o animal abatido sobre a mesa, seus olhos correram todo o meu corpo e a expressão de preocupação me dizia que ela verificava se estava machucada, e após se certificar de que não estava de fato machucada, ela finalmente olhou atentamente para o animal, para as marcas em seu pescoço que pouco se assemelhava as marcas deixadas por adagas ou flechas, mas por algum motivo que desconheço, ela não questionou quem ou o que fizera aquilo no animal, ela apenas pegou um pano de prato e tentou limpar o sangue que já escorria para a tapeçaria velha.
— O que diabos é isto? — Minha irmã caçula e eu olhamos ao mesmo tempo em direção a pequena escada que dava para o andar de quartos onde minha irmã mais velha estava parada três degraus acima olhando incrédula para o animal sobre a mesa.
Minhas irmãs em muito se assemelhavam comigo, os olhos azuis-claros que também eram os olhos de nossa mãe, a pele branca embora estivesse ultimamente pálida pela falta de nutrientes. A única coisa que nos diferenciava era o formado de nossos rostos. Ingrid, a caçula possuía cabelos castanhos longos até o meio das costas, assim como eu e nossa mãe, o corpo apesar de magro não deixava escapar as curvas acentuadas que faziam ela parecer mais adulta do que de fato era, mas seu rosto jovem e inocente revelava que apesar do corpo e da postura, ela era apenas uma menina de 17 anos.
— Algum felino. Freya quem trouxe — Ingrid disse enquanto lutava para evitar que o sangue chegasse a tapeçaria, por fim ela desistiu e apenas enrolou o pesado tapete para debaixo da mesa de forma que a possa de sangue não o alcançasse.
— É um puma.
Minha irmã mais velha olhou para o animal e então para mim e sutilmente verificou todo o meu corpo como sempre fazia quando voltava de alguma caçada. Diferente de Ingrid, minha irmã Laila não era tão aberta e receptiva, e se não fosse pelas raras ocasiões onde demonstra o mínimo de preocupação mascarada, eu poderia dizer que ela não gosta muito de mim.
Laila tinha os olhos igualmente azuis, assim como todas as mulheres da família, mas diferente de mim e de Ingrid, ela herdou os cabelos mais escuros de nosso pai, assim como as feições frias e inexpressivas. Era difícil saber quando ela estava sentindo algo, era difícil saber qualquer coisa sobre ela. Minha irmã desceu os degraus restantes e torceu o nariz para o animal morto enquanto dava a volta na mesa se certificando de que nenhuma parte de seu vestido de linho fino azul-céu tocasse o sangue que descia pelas laterais da mesa.
— Vai retirar a pele para vender?
Ela questionou fazendo questão de não olhar o animal mais uma vez. Concordei enquanto caminhava até o armário tirando de lá uma faca e um alicate e voltei até o animal respirando fundo antes de enfiar a faca em sua extremidade e começar a recortar a pele de forma que saia por completo.
— A pele, os dentes e o que der para vender — Falei forçando a faca o mais fundo possível, minhas irmãs desviaram o rosto junto enquanto faziam uma careta para a cena — Depois podemos comprar farinha e fermento e com o que sobrar, podemos ver o que dará para comprar.
— Acha que vai sobrar?
— Talvez sim, pele de puma é requisitado no inverno — olho para Ingrid quando respondo e seus olhos se arregalaram quando puxei para cima um grande pedaço da pele do animal já extraída.
— Como conseguiu abater essa fera?
Olho para Laila quando a ouço. Eu não tinha resposta para aquela pergunta, não podia contar do homem — da criatura — que agora esperava pelo enterro descente que lhe prometi. Não podia contar do perigo que corri ao enfrentar ele cara a cara ou do fato de que minha bolsa possuía um relógio de ouro bastante caro que se vendido corretamente nos renderia dinheiro para o inverno inteiro e ainda sobraria.
— Já estava ferido, provavelmente algum lobo — Falei deslizando a pele por inteiro para fora do animal e jogando-o sobre a pia da cozinha, Ingrid franziu a testa mais ainda assim foi até a pele limpando o sangue e o resto de carne que tinha ali — Eu apenas dei o golpe de misericórdia.
Mentirosa. Eu era uma mentirosa e uma assassina. Matei alguém a sangue-frio, não exitei em fazê-lo, nem mesmo me dei ao trabalho em pensar se era a coisa certa ou não a fazer, eu apenas disparei a flecha que correu direto para um ponto fatal.
Havia muitas histórias sobre aqueles que moravam do outro lado da muralha, lendas sobre sua magia maldita, sobre seu estilo de vida e sobre como mata-los ou feri-los, nenhum deles falava sobre uma flecha de madeira e aço em seu coração, mas eu havia visto em primeiro mão que funcionava, ou talvez aquela não fosse de fato apenas uma flecha de bétula e aço. Eu descobriria.
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Atualizado até capítulo 39
Comments
corrinha
a julgar pela leitura sobre lobos ele não morreu pois todos os ferimentos se regenera só não sei pois segundo ela acertou o coração 💓 e dependendo da arma também não sei torcendo para que ele esteja bem e vivo e quando ela voltar para esterra- ló ele não esteja mais lá 🙏🏻🙏🏻🙏🏻🙏🏻🙏🏻🙏🏻🙏🏻🙏🏻🙏🏻🙏🏻🙏🏻🙏🏻🙏🏻🙏🏻
2023-11-12
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Marcia Gomes muchny
ele não morreu né kkk
2023-11-02
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mulher que escrita maravilhosa e enredo impressionante. parabéns. amei a retirada do macho. kkkkkk nossa ficou muito mais gostoso de ler. /Heart//Heart//Heart//Heart//Heart/
2023-10-06
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