Capítulo 4

Freya...

 Olhei mais uma vez para a árvore a poucos metros de distância e o arbusto que cobria suas raízes por completo. Eu tinha certeza de que fora ali que fiquei bisbilhotando o desconhecido enquanto ele mudava de forma e atacava o puma. Olhei novamente para o chão sujo de sangue e minha cabeça esquentou, não era possível. Como alguém o tinha encontrado ali? Tão distante das aldeias, literalmente no meio da floresta. Ninguém além de mim, desafiava a floresta com neve cobrindo os pés, não era possível alguém estar passando por ali e apenas encontrá-lo.

 Estava tão absorta em meus próprios pensamentos que não me dei conta da aproximação até olhar para cima e ver um par de olhos verdes tão intensos, tão carregados de ódio e de dor que me fez pular e me afastar imediatamente. O homem parado ali, continuou me olhando, a capa preta e o capuz cobriam quase que completamente seu rosto e corpo, apesar de ainda não esconder a largura de seus ombros e o brilho sobrenatural daqueles olhos. O homem não se moveu, não falou ou esboçou qualquer reação enquanto me encarava e eu também não havia conseguido dizer nada além de ficar ali, parada como uma estátua, a bolsa em uma mão e a pá na outra encarando aquela figura grande e escura.

— Então foi você a assassina de meu irmão?

Irmão? A palavra me atingiu tão rápido quanto um tijolo voando contra minha cabeça. Eu havia me perguntado mais cedo se o homem tinha família e diante de mim, estava a resposta, um irmão em busca de vingança. Engoli seco tentando pensar em uma forma de fugir, uma forma de conseguir escapar, mas havia algo no homem a minha frente que dizia que não seria tão fácil quanto foi com seu irmão. Limpei a garganta antes de falar:

— Eu não tive a inten... — Ele deu um passo a frente, rápido e ríspido, isso me fez calar a boca imediatamente e dar um passo para trás. O homem parou abruptamente e agachou onde o sangue seco de seu irmão ainda manchava o chão e então olhou para mim novamente.

— Eu não me importo com as razões. Você tirou uma vida, deve pagar por ela — Ele se levanta novamente e se aproxima. Meus pés falharam e meu corpo estremeceu quando o homem chegou a menos de meio metro de mim. As lágrimas já alcançavam meus olhos a essa altura e eu já podia ver meu futuro próximo, já podia imaginar como ele rasgaria meu corpo em pedaços e me largaria naquela floresta, como larguei seu irmão.

Minhas irmãs, quem levaria comida para casa depois que eu fosse morta? Duvido que Laila se arriscaria na floresta para isso, e não consigo imaginar Ingrid matando qualquer ser vivo, elas morreriam também, e nosso pai, todos morreriam. Pensar nisso intensificou minhas lágrimas quando comecei a implorar:

— Por favor, por favor... — Engasguei e me encolhi contra a árvore que agora estava nas minhas costas. O homem parou de vim na minha direção outra vez e semicerrou os olhos.

— Implora por sua vida, mas não teve piedade da vida de meu irmão — As palavras sairam baixa, mas era possível ver a dor que elas carregavam, minha cabeça esquentou ao imaginar a dor que ele sentia pela perda e a culpa me atingiu outra vez.

— Ele ia me matar!

 Praticamente grito as palavras e ele parece pensar sobre isso antes de vim em minha direção. Uma decisão estúpida, provavelmente, mas quando me dei conta dela já estava correndo o mais rápido que eu podia. As árvores passavam por mim como manchas enquanto corria em direção a saída da floresta, olhei para trás e não havia nada me seguindo, mas quando olhei para a frente, ele estava ali, parado como se eu não tivesse me movido. Parei antes de me chocar contra ele e escorregguei no gelo caindo no chão, meus ossos reclamam com o impacto e me afastei dele o encarando.

— Acha que pode fugir? Assassina —

Ele praticamente cospe as palavras em mim antes de se aproximar e me puxar para cima. Tento protestar conforme ele me puxa pelo colarinho do casaco até me colocar em pé, mas é em vão lutar contra seu aperto forte.

— Por favor, eu tenho irmãs. Elas não vão sobreviver se você me matar — Imploro outra vez, mas ele apenas me solta e se afasta alguns passos, o bastante para eu poder vê-lo por completo, todo o seu tamanho intimidador e aqueles olhos bestiais e selvagens que me olhavam com tanta raiva.

— Não posso mata-la, o Acordo diz que não podemos matar os humanos — Alívio corre por minhas veias tão rápido quanto o sangue e logo depois acaba quando ele continua — Mas ele diz que posso reivindicar a vida de um assassino ou de um familiar em troca.

— Não vou deixar que leve minhas irmãs. — Ele riu. Uma risada alta e gutural, como a de um animal, mas não havia humor ali, apenas raiva e o som se dissipou tão rápido quanto começou.

— Então levarei você...

 Uma luz brilhou a poucos metros de distância e só agora me dei conta do quanto eu tinha corrido, do quão próximo ao fim da floresta estávamos. Do quão próximo ao chalé, nós estávamos. Ele notou a luz que parecia se aproximar mais e mais da entrada da floresta e um grito me fez reconhecer a voz rapidamente. Ingrid. Ela chamou meu nome outra vez e mais uma antes que aquele homem olhasse para mim novamente e sorrisse.

— Uma vida por outra.

 Ele sumiu da minha frente tão rápido que só me dei conta quando o grito de Ingrid se tornou alto e cheio de terror. Corri em direção ao som tão rápido que minhas pernas protestaram conforme me aproximei de onde a luz agora havia se apagado. Minha irmã não gritou outra vez e só quando cheguei a saída da floresta eu soube o porquê.

 O homem que estava comigo a alguns minutos, agora havia dado lugar a uma besta, algum tipo de animal parado sobre às duas patas, os olhos verdes animalescos olhavam para mim enquanto suas presas enormes estavam expostas, as mãos enormes seguravam minha irmã que parecia tão aterrorizada que não emitia som algum enquanto olhava a criatura que a segurava a alguns centímetros do chão.

— Por favor, eu estou te implorando. Não há machuque — Falo tentando manter minha voz calma, mesmo que meu coração esteja batendo rápido e descompensado. A besta me encarou por um tempo e então a colocou no chão com calma, minha irmã correu rapidamente até mim e se agarrou a minha cintura como uma criança trêmula e apavorada. Ela não olhou para ele novamente que agora se colocava na minha frente.

— Então levo você — Ele falou como um rugido mostrando os dentes, minha irmã tremeu mais em meus braços e eu não soube distinguir o meu tremor do seu.

 Não havia como fugir disso. Eu tirei uma vida. A vida de um irmão, e o tratado é claro, uma vida por outra e se não fosse a minha, seria a vida das minhas irmãs. Eu não vou permitir que minhas irmãs paguem por meu erro. A minha irmã parece ter percebido o que eu estava prestes a fazer, o que estava prestes a aceitar e ela se agarrou ainda mais a mim, me esmagando com seus finos braços enquanto chorava.

 Elas ainda têm duas semanas de suprimentos, não consigo imagina-las caçando, mas sei que Laila fará o possível para que Ingrid não morra de fome, ela morreria por nossa irmã e eu tinha que contar com isso para fazer o que eu ia fazer, o que precisava fazer. Segurei o rosto de minha irmã com às duas mãos e olhei em seus olhos limpando as lágrimas que caiam por seu lindo rosto.

— Vai ficar tudo bem — Assegurei a ela, mesmo que eu não acredite nisso, mesmo que eu estivesse apavorada, mesmo que cada parte do meu corpo implorasse para eu fugir. Ela chorou mais, sem conseguir dizer qualquer coisa. Olhei para a besta — Me deixe despedir das minhas irmãs — Pedi com a voz embargada pelo choro, ele não falou, apenas concordou e seguiu a mim e a minha irmã quando passamos por ele em direção ao chalé.

 Laila não notou que entramos, não até que Ingrid me soltasse e corresse até seus braços, ainda chorando, ainda tremendo. Minha irmã olhou para mim e então sua atenção se desviou para o que estava atrás de mim, para a besta que cobria completamente a porta, a criatura que precisou abaixar e se espremer para entrar em nosso chalé que parecia ainda menor com ele ali.

 Antes que minha irmã entrasse em pânico eu fui em sua direção e parei a sua frente, mas ela ainda olhava por cima dos meus ombros enquanto empurrava Ingrid ainda mais para trás dela, minha irmã mais nova chorou mais alto e eu já podia ver as lágrimas nos olhos de minha irmã mais velha enquanto ela olhava apavorava para a criatura esperando, fiz ela me olhar contra a sua vontade.

— Laila olhe para mim. Eu preciso que você cuide das coisas, que cuide do papai e de nossa irmã — Ela não esboçou reação alguma, apenas me olhou como se buscasse uma explicação para o que estava acontecendo em meus olhos — Preciso que confie em mim, por favor... — Lentamente. Muito lentamente ela balançou a cabeça e novamente sua atenção se voltou para a besta atrás de mim.

— Eu não tenho a noite toda — A criatura esbravejou e nos três estremecemos diante da sua voz animalesca. Olhei para aquela coisa por cima dos ombros e olhei para minha irmã novamente.

— Dentro da minha gaveta tem algumas moedas para emergência, quando a comida acabar, pegue e arranje mais. Peça ajuda a Joseph se não conseguir comida, venda o que sobrou da prataria. Faça o que for preciso para sobreviver — Minha irmã ainda olhava para a coisa atrás de mim, ela não parecia estar me ouvindo, mas olhou para mim por fim e negou levemente — Eu vou me virar, só me prometa — Implorei, minha voz saiu mais baixa do que eu pretendia enquanto as lágrimas começam a rolar pelo meu rosto.

— Não temos mais tempo.

 Antes que a minha irmã pudesse responder, a criatura me segurou pelo braço e me arrastou até a porta do chalé e então para fora onde a tempestade já caia com força, havia um cavalo a espera. Um que não estava ali antes. O animal não pareceu se assustar com a criatura monstruosa que me arrastou até ele, já estava acostumado com aquilo. Quando ele por fim me jogou para cima do cavalo e amarrou minhas mãos com cordas invisíveis, minha irmã mais velha surgiu na porta com lágrimas em seu rosto.

— Eu prometo.

 Foi a única coisa que ela disse antes que aquela coisa puxasse o cavalo pelas rédeas e nos arrastasse floresta adentro. Continuei olhando para trás, para as minhas irmãs que se encolhiam e choravam na porta do pequeno chalé. Para aqueles rostos que provavelmente eu nunca mais veria, para aquela floresta que eu nunca mais caçaria, para aquela aldeia por onde eu nunca mais andaria.

 Deixei que as lágrimas descessem pelo meu rosto e me permitir chorar enquanto era arrastada por aquela floresta escura em direção aquele lugar desconhecido com criaturas monstruosas para ser escravizada como meus antepassados foram, me permitir colocar para fora tudo que estava sentindo, até minha cabeça pesar, até um cheiro metálico como sangue invadir minhas narinas e aos poucos a consciência me deixou. Apaguei.

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Comments

corrinha

corrinha

que história maravilhosa 😍😍 super top amando viciada até

2023-11-12

1

corrinha

corrinha

poxa agora fiquei triste tinha esperança que estivesse vivo muito triste 😭😭😭😭🤬🤬🤬🤬😪😪😪

2023-11-12

1

essa historia é top/Ok//Ok//Good//Good/

2023-10-06

2

Ver todos

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