Freya...
Apollo me acompanhou até os estábulos onde dois cavalos esperavam por nós celados e prontos para cavalgar. Um dos homens que cuida dos cavalos me ajudou a subir no meu, uma égua puro sangue branca com a crina trançada, ela era linda. Quando nova eu tinha um cavalo, um alazão de raça, negro como a noite. Ele era meu melhor amigo. Mas como tudo que tínhamos, ele também foi vendido quando meu pai perdeu tudo, nunca o perdoei por aquilo.
Seguimos para a floresta além do rio em silêncio, não havia o que ser dito entre nós dois. Observei a vegetação ao nosso redor, as árvores de diferentes cores e tons de verdes, a grama coberta por folhas caídas dos galhos, o jeito como a luz do sol iluminava pequenos filetes por entre as folhas das árvores que cobriam todo o céu. Estava maravilhada com as flores que adornavam todo o caminho quando ele falou:
— Como é a primavera no lado mortal? — Olhei para ele, a forma como seus ombros pareciam relaxados, bem diferente de toda aquela tensão que eu vi quando cheguei e essa manhã. Seus olhos estavam ainda mais verdes com toda aquela claridade. Dei de ombros antes de responder.
— Não é tão bonito quanto aqui. As flores surgem e a vila ganha cor, alguns vendedores montam suas barracas com tintas e tecidos de cores variadas, a rua está sempre com música e crianças brincam em meio aos cavalos passando de um lado a outro — Respirei fundo imaginando meu vilarejo durante a primavera e me dando conta de como parecia triste e escuro em comparação com esse lugar — Mas o que eu mais gosto na primavera é ver minha irmã caçula cuidando do jardim que ela mesma plantou, é a estação preferida dela — Sorri com a lembrança de minha irmã cuidando das hortências que ela plantou na primavera passada. Mas o meu sorriso se desfez assim que lembrei de tudo que aconteceu.
— As suas irmãs estão bem, me certifiquei de que não passassem necessidades — Parei a égua e olhei para ele quando ouvi o que disse. Ele também parou e seus olhos encontraram o meu, não havia traços de mentira em sua expressão.
— Porque? — Foi a única coisa que consegui pensar naquele momento.
— Suas irmãs não deveriam pagar por algo que você fez — Engoli seco e abaixei a cabeça, olhando para as minhas mãos que seguravam as rédeas com mais força do que era necessário. Fechei os olhos respirando fundo e olhei para ele novamente, seus olhos ainda estavam atentos em mim.
— Eu realmente sinto muito pelo que fiz. Eu não tinha idéia de que ele tinha família e fiquei apavorada quando o vi se transformar...
— Não precisa se explicar pra mim — Ele me interrompeu e voltou a cavalgar, fiz o mesmo ficando a uma distância razoável ao seu lado — Ao longo dos séculos, muitas histórias surgiram sobre nós do outro lado da muralha, algumas nós ouvimos e outras... Bom, não imagino que sejam melhores — Seu tom era calmo enquanto ele falava olhando para a frente, como se falasse consigo mesmo — A verdade é que nossos ancestrais deixaram uma imagem sobre o meu povo durante a guerra e mesmo que muitos de nós tenham lutado ao lado dos humanos, ainda não foi o suficiente para desfazer essa imagem — Ele por fim me olhou com um sorriso sem humor.
— Você estava durante a guerra? — Era uma pergunta estúpida, mas a guerra aconteceu a mais de mil anos e eu sabia que eles eram muito mais velhos do que aparentavam, mas ainda assim, não sabiam o quão mais velhos eram.
— Meus irmãos e eu estávamos na guerra, mas infelizmente não lutamos pelos humanos. Nosso pai era um dos que deixou uma imagem ruim sobre nós e naquela época não queríamos contestar o que ele acreditava — Ele desviou o olhar e vergonha tomou conta da sua expressão — Se naquela época eu fosse o homem que sou hoje, as coisas não aconteceriam do mesmo jeito.
Ouvi uma vez sobre a guerra. Minhas irmãs e eu tínhamos ido ao centro comprar alguns temperos e vimos um grupo de pessoas ao redor de um senhor que aparentava ter vivido muitas décadas e que contava sobre a guerra, histórias que seus antepassados que lutaram contaram para seus filhos e para os filhos destes até que seu pai contasse para ele.
O velho homem contou sobre o banho de sangue que se seguiu durante cinco anos. Salandrianos e humanos lutando lado a lado antes da muralha ser erguida, tentando libertar os humanos que eram escravizados a séculos. No fim, não houve um lado vencedor, todos se renderam e um acordo foi feito, a muralha foi erguida, os reinos separados e nossos povos nunca mais tiveram contato. Eu não sabia nada sobre guerras ou os efeitos delas, mas podia imaginar o quão terrível foi para todos.
— As vezes não podemos escolher qual lado estar, mas sempre podemos escolher a qual lado apoiar — E era verdade, eu não o culpava por não ter lutado pelos humanos, mesmo que fosse o certo a se fazer, mas o simples fato dele apoiar o lado certo, já o fazia melhor que seu pai.
— Tem razão
Me permitir esboçar um sorriso de compreensão antes que parassemos a beira de uma clareira cheia de dentes de leão. O lugar era magnífico, cercado por árvores com variadas cores e tons, a grama verde e os dentes de leão balançavam com a leve brisa que entrava por entre as árvores.
Suspirei sentindo aquele cheiro de folhas e casca de árvore, sentindo a brisa balançar os fios que se soltavam na trança que Analice fez em meu cabelo pela manhã. Deixei que a brisa e a tranquilidade do lugar me invadisse. Agora que eu sabia que minhas irmãs não morreriam de fome e frio, podia aproveitar a beleza desse lugar.
— Vamos, temos que voltar — Olhei para ele ao notar um tom de alerta em sua voz, seus olhos percorriam a floresta ao nosso redor e eu fiz o mesmo na esperança de ver algo, mas não havia nada.
— O que está vendo?
— Tem algo se aproximando — Seu tom agora estava baixo e ele estava alerta enquanto descia do cavalo, uma brisa suave me rodeou e um cheiro forte de lavanda tomou conta. Estava prestes a fazer o mesmo quando ele me parou.
— Eu não ouço nada — Sussurrei olhando para ele que apenas olhou na minha direção com olhos alertas.
— Seus sentidos humanos não podem sentir, mas eu o ouço espreitando — Ele segurou as rédeas da minha égua — Escuta, essas florestas podem abrigar criaturas capazes de acabar com você em um piscar de olhos. Comigo você está segura, mas não saia da minha vista — Concordei rápido sem ao menos absorver o que me dizia. Ele então tirou da bainha uma faca e a colocou na minha mão.
— O que quer quê eu faça? — Eu estava assustada, seja lá o que estivesse próximo, era perigoso o bastante para arrepiar os pelos dos braços dele. Não imagino o que faria comigo. Ele me olhou novamente e dessa vez seus olhos se suavizaram.
— Vou atrai-lo para o outro lado e você vai cavalgar o mais rápido que puder de volta a casa, Andreas vai encontrar você no caminho...
Eu iria perguntar a ele como, mas antes que eu pudesse fazer, uma criatura surgiu do outro lado da clareira. Era como uma sombra com forma, alto e esquio, os braços que terminavam em lâminas como espadas eram compridos até os pés que possuíam garras, no que parecia a cabeça, uma fileira de dentes compridos e afiados brilharam amarelo quando ele os expôs antes de rugir alto fazendo as árvores ao nosso redor estremecer.
Senti meu coração parar e então saltar como se fosse fugir do peito quando a criatura gritou outra vez vindo em nossa direção com passos largos. Segurei a adaga com força, mesmo sabendo que aquilo não me livraria de ser retalhada pelas lâminas que aquela criatura possuía no lugar dos braços. Minha boca secou quando a criatura parou a poucos metros e gritou novamente.
— Vai!
Levei alguns segundos para entender o comando antes de virar a égua e bater com meus calcanhares fazendo ela correr em disparada para dentro da floresta. Olhei uma última vez para trás a tempo de ver a criatura se atirar em minha direção e ser parada por ele que a jogou para o outro lado da clareira novamente. Outro rugido gutural, tão alto que parecia ter feito o chão tremer ecoou pela floresta e eu sabia que não era a criatura.
Continuei cavalgando, forçando a égua a correr mais e mais sem ousar olhar para trás novamente. As folhas batiam em minhas pernas e por duas vezes quase dei de cara com um galho baixo. Minha visão estava turva pelas lágrimas de medo que surgiram em meus olhos. Estava a meio caminho quando a égua parou de repente e levantou as duas patas da frente. Antes que eu atingisse o chão, mãos fortes me seguraram e me colocaram de pé novamente. Olhei para o homem de cabelos pretos a minha frente que agora acalmava a minha égua.
— O que aconteceu? Ouvi o chamado do meu irmão — Ele me perguntou olhando na direção em que eu vim, na esperança de que Apollo aparecesse.
— Uma coisa. Uma criatura surgiu das árvores e ele me mandou fugir, disse que você me encontraria — Minha voz estava esganiçada e aguda devido ao pânico — Você precisa ir lá ajudar ele — Falei para Andreas que subiu na égua e me observou atentamente.
— Seja o que for, ele da conta. Venha, vou levá-la de volta — Ele estava calmo embora seu irmão e Rei estivesse agora lutando com um monstro que parecia ter saído de algum conto de terror. Ele estendeu a mão para mim e quando a segurei, ele me puxou de uma única vez para cima do animal começando a galopar. Olhei para trás uma última vez.
...★...
Já era noite e Apollo ainda não havia voltado. Depois de me deixar no castelo e de dar ordens aos guardas que não me deixassem sair, Andreas saiu a cavalo em direção a floresta. Eu estava andando de um lado a outro diante da janela do meu quarto que me dava uma vista direta para a floresta, esperando que um dos dois surgisse das árvores, mas não houve sinal nenhum deles. Ouvi a porta atrás de mim abri e me virei sobressaltada vendo Analice com uma bandeja com um prato e um cálice. Me virei novamente para a janela quando ela o colocou no criado mudo.
— Coma menina, ficar nessa janela não ajudará em nada — Analice falou vindo até mim, olhei para ela e então para o prato que exalava um cheiro maravilhoso, minha barriga reclamou em resposta e por fim me rendi indo até a cama.
— Eles voltaram?
— Não. Mas não precisa de preocupar, sua majestade está acostumado a lidar com as criaturas da noite e o senhor Andreas é um guerreiro habilidoso. Os dois ficarão bem — Ela cruzou os dedos diante do corpo observando enquanto eu destampava o prato revelando um ensopado de carne e alguns pedaços de pão.
— Não estou preocupada, só estou curiosa para saber o que era aquilo.
Mentirosa. Eu sabia disso e Analice também, por isso apenas sorriu e saiu do quarto. Eu não queria admitir para ela, não queria admitir em voz alta, mas eu estava preocupada com eles, ou melhor, com ele. Apollo tem sido muito gentil não últimos dias, embora eu não mereça essa gentileza e mesmo com meu mal humor e respostas curtas e secas, ele está sempre tentando ser o mais gentil possível e uma parte de mim não queria que ele se machucasse. O mesmo valia para Andreas, mesmo com suas piadas de mal gosto e suas indiretas humilhantes, ele não parecia ser uma pessoa ruim, e foi o único que me apresentou a biblioteca, para me fazer passar o meu tempo, e também era gentil quando queria, eu também não queria que ele se machucasse.
Estava quase terminando minha comida quando ouvi som de cavalos. Larguei o prato na cama e corri até a janela vendo os dois se aproximarem da entrada, eles pareciam bem, pelo menos estavam inteiros, embora estivessem encharcados com algum líquido escuro que eu imagino ser sangue. Suspirei aliviada e me apoiei na janela olhando para Apollo e me perguntando quando eu comecei a me importa com ele. Ou melhor, o que aquilo significava para mim.
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Atualizado até capítulo 39
Comments
corrinha
aí que capítulo lindo 😍😍 será que ela está se apaixonando por ele 🙏🏻🙏🏻
2023-11-13
1
corrinha
autora o Andreans tem cabelos vermelhos
2023-11-13
2