Capítulo 6

Freya...

Não sei exatamente quanto tempo fiquei sentada naquela cama chorando, mas a senhora simpática de cabelos quase crisalhos e olhos afetuosos esperou com paciência até eu estar bem o suficiente para entrar na banheira.

Eu não me importei quando ela lavou meus cabelos, também não me perguntei de onde tinha vindo o vestido azul-céu que esperava por mim sobre a cama e nem muito menos quando ela penteou meus cabelos e arrumou em uma trança única. Eu estava cansada, fisicamente e psicologicamente e tudo que eu queria era deitar para dormir e acordar em minha cama apertada em meu chalé isolado com minhas irmãs reclamando de qualquer besteira que tenha acontecido, mas isso não seria possível e pelo que a senhora — Analice, como ele a chamou — disse, ele estava aguardando por mim na sala de jantar e eu era obrigada a ir.

— Não se preocupe menina. Sua majestade pode parecer bravo, mas não é, ele é um bom homem e não lhe tratará mal — Analice disse conforme déssemos as escadas juntas.

— Seu bom homem ameaçou minhas irmãs e me trouxe contra a minha vontade para me fazer prisioneira nesse lugar — Minha voz estava sem emoção, eu estava cansada demais para demonstrar qualquer coisa além de minha total falta de ânimo para qualquer coisa, incluindo aquele jantar.

— Você matou o senhor Philip, ele também era um bom homem e não merecia o fim que teve — Apesar do tom baixo e doce, havia alguma pontada de raiva no que ela dizia para mim — Tem sorte por estar viva e devia ser grata por ele tratá-la como convidada. Se tivesse sido outro Rei, eu duvido que lhe cederia tal cortesia — Parei de andar e analisei a mulher a minha frente parando em seus olhos, cor de mel, não havia nenhum traço que demonstrasse que ela não era humana, a não ser pelas orelhas alongadas e pontudas, assim como todos desse lado da muralha tinham. Continuei andando sem responder ao que ela disse.

Analice me guiou até duas enormes portas de madeira que se abriram antes que eu pudesse encostar em suas maçanetas, ela não entrou comigo, apenas fez um gesto para eu ir e seguiu pelo corredor lateral em direção ao que eu acredito ser a cozinha. Respirei me preparando para o que quer quê aconteceria naquele jantar e entrei na enorme sala.

Assim como na entrada, essa sala também possuía um piso de um verde-escuro e brilhante, as paredes em tons de verde esmaecido, a única diferença era a enorme janela que tomava toda a parede e que proporcionava uma vista para todo o jardim da frente, e a enorme mesa de madeira vermelha que se estendia com mais de dez lugares.

— Está mais apresentável do que antes.

 Olhei para o homem que nos recebeu mais tarde e ele riu para mim, mesmo que o humor não tenha alcançado seus olhos. Ele havia mudado de roupa, usava agora um casaco verde-escuro e calças bege, seus cabelos estavam presos na metade de cima e alguns fios lhe caiam pelo rosto. Assim como o homem que me trouxe. Ele agora está sem a capa e os cabelos loiros compridos caiam ao lado de seu rosto como uma moldura de ouro e só então me dei conta de sua beleza, da beleza sobrenatural, assustadora e infinita de todos eles. Ambos seguravam uma taça de vinho nas mãos e só agora notei o tanto de comida sobre a mesa.

O simples cheiro da comida fez meu estômago reclamar de fome, eu nunca havia visto tantas coisas de uma única vez, frangos, carnes, saladas e até algumas frutas estavam espalhados sobre a mesa em meio a pratos, talheres e algumas velas. Estremeci quando a fome apertou, mas eu estava com vergonha demais para me sentar e comer. Vergonha por não conhecer esses homens, vergonha porque tinha medo de comer e parecer uma esfomeada, vergonha porque estava diante da família do homem que matei.

— Andreas, sejamos cavalheiros com nossa convidada — O homem que me trouxe fala apontando para a cadeira na ponta da mesa, de frente para ele — Sente-se e coma — Olho para ele e engulo seco sem conseguir forças para andar.

— Olha para ela, parece um animal afugentado, como conseguiu matar Philip? — O homem de cabelos vermelhos, Andreas, ri novamente se divertindo em me humilhar, meu sangue ferve quando olho para ele, para aquele sorriso e antes que eu possa me controlar a minha boca dispara:

— Apontei uma flecha e atirei — Os dois homens me olham, Andreas parou de rir e podia ver a raiva dançando em seus olhos, o outro homem me olha de cima a baixo por um tempo e aponta novamente a cadeira.

— Sente-se e coma, agora — Ele não deixa espaço para discussão em seu tom de voz autoritário e ríspido. Andreas ainda me encarava com aquele ódio e decido obedecer antes que ele troque a hospitalidade por hostilidade.

Caminhei até a mesa e me sentei enquanto todo o meu corpo estremecia. Magicamente um prato surgiu a minha frente com uma porção de tudo que havia sobre a mesa e uma taça de vinho também, isso me faz dar um pequeno salto na cadeira, então percebo que foi o homem a minha frente quem fez aquilo surgir.

Timidamente seguro o garfo e revirei a comida de um lado a outro, parecia tão gostosa e eu estava com tanta fome, ainda assim, tinha tanto medo que algo me acontecesse se eu a comer. Parecendo notar isso, Andreas falou:

— Não está envenenado, garota — Olho para ele assim que ouço sua voz, ele bebeu um pouco do vinho e limpa o canto da boca com um lenço antes de falar novamente — Somos muitas coisas, mas não somos assassinos, não a traríamos a nossa casa para mata-la — Eu podia sentir a alfinetada em seu tom de voz e embora isso tenha me feito estremecer e, ao mesmo tempo, tenha instigado minha raiva eu não respondi.

Se eu quisesse sobreviver a este lugar, teria que aprender a não reclamar ou discutir. Eu matei o irmão daqueles homens, talvez eu mereça que ele faça piadas e me humilhe, talvez eu mereça ser arrastada para esse lugar e ser tratada como o que eu sou, uma assassina, eu não reclamaria ou questionaria, talvez assim ele se canse de me ver em sua casa e me mande embora.

Juntei um pouco da comida no garfo e sem pensar muito levei até a boca fechada os olhos ao sentir todos aqueles sabores explodirem em minha língua como uma sintonia de alguma orquestra famosa. Me desquiciei com o sabor e o aroma de cada tempero que agora dançavam em minha boca. Eu nunca comi algo tão bom, nem mesmo quando tínhamos condições, era um sabor diferente e, ao mesmo tempo, tão igual, algo novo e velho, surpresa e nostalgia, eu não sabia explicar, apenas sentir. Com isso, não consigo controlar e apenas começo a devorar toda a comida enquanto os homens me encaram como se eu fosse aquilo que eu aparentava, e o que eu era, uma morta de fome.

— Eu nunca comi nada tão bom assim — Falei levando mais um pouco das batatas grelhadas até a boca me desfazendo diante do sabor esplendido. Uma risada irônica ecoou pelo cômodo e o homem de cabelos pretos não se deu o trabalho de disfarçar seu humor diante da cena. Senti meu sangue de acumular em meu rosto e tenho certeza de que estou vermelha como um tomate.

— Tudo desse lado da muralha tendi a ser melhor que do lado mortal — O homem que me trouxe disse e não havia arrogância em seu tom de voz, apenas sinceridade. Voltei minha atenção para o prato e quando finalmente terminei, olhei para os homens que ainda me observavam comer.

— Me diga Freya. O que vocês comem do outro lado da muralha? — O homem de cabelos pretos perguntou enquanto cruzava os dedos sobre a mesa e me olhava com genuína curiosidade. Pensei em apenas não responder, não dá a ele motivos para me humilhar mais do que já fez. Mas esses homens, sejam eles o que for, poderiam me jogar em uma masmorra e esquecer que eu existo pelo que fiz ao seu irmão, mas não, eles me deram um quarto, roupas e um jantar, o mínimo que eu posso fazer é responder e matar a curiosidade de um completo idiota.

— Minha família não tem muitos recursos, então no geral comemos aquilo que consigo caçar, coelhos, esquilos ou corsa, se tivermos alguma sorte. Também fazemos pão ou caldos, e quando sobram algumas moedas nos damos ao luxo de comprar alguns grãos para plantar nas estações quentes. — Os homens me encararam por alguns segundos antes que ambos desviasse os olhos para seus pratos.

— Sinto muito que tenha passado por essas coisas — O homem que me trouxe, do qual eu ainda não sabia o nome e nem me importava, falou com um tom afetuoso, engoli seco e olhei para ele, nenhuma expressão em meu rosto.

— Sinta pelas minhas irmãs e meu pai que passarão fome sem eu estar lá para levar o que comer para casa — Meu tom saiu mais cortante do que pretendia, mas parece ter causado o efeito desejado, pois ira, correu seus olhos quando ele largou o garfo no prato com um tilintar alto.

— Acha que eu sou um monstro por fazer isso? Preferiria que eu tivesse trago uma das suas irmãs em seu lugar ou...

— Preferia que não tivesse trago nenhuma de nós — Rebati alto o bastante para fazer o homem ao seu lado me olhar com surpresa. Não desviei os olhos do homem a minha frente, embora cada parte do meu corpo implorasse para eu correr o mais rápido possível.

— E eu preferia ter meu irmão a mesa de jantar essa noite.

Silêncio se fez na sala. O homem ao seu lado não esboçou reação alguma, embora tivesse desviado os olhos de seu irmão para o seu prato. O homem a minha frente ainda me encarava e a dor que eu havia visto momentos antes, dançava novamente em seus olhos. Engoli seco e meu corpo estremeceu diante das suas palavras.

Eu amava minhas irmãs, mesmo que não demonstrasse, eu as amava e seria capaz de matar ou morrer por qualquer uma delas, então, de uma forma ou de outra eu entendia sua dor, sabia que estar aqui era uma consequência mínima considerando o que eu havia tirado deles. Desviei meus olhos daquele homem e me levantei devagar.

— Eu vou me deitar. Com sua licença, majestade — Ele não respondeu, mas balançou a cabeça e me dispensou com um aceno desinteressado.

Sai da sala de jantar em passos lentos e ainda podia sentir os olhos deles em minhas costas, não me importei em verificar. Subi as escadas correndo e fui direto ao quarto que Analice me trouxe mais cedo, fechei a porta atrás de mim e sentei no chão frio cobrindo o rosto com minhas mãos. Não me permiti chorar, no entanto, me permiti pensar em como minhas irmãs estariam nesse momento, se elas ainda estavam tremendo e chorando pelo que aconteceu a algumas horas atrás. Fechei os olhos e encostei a cabeça na parede me permitindo chorar novamente.

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Comments

corrinha

corrinha

não se preocupa vai ficar tudo bem por lá

2023-11-12

1

corrinha

corrinha

talvez agora o pai acorde para a realidade pra vida real ou trabalha ou morre e mata o restante da família de fome essa saída dela vai fazer a irmã arrogante e pai inútil se virarem eles estavam muito confortável

2023-11-12

2

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