Vamos olhar para fora

     Natália não contém a emoção e começa um choro desenfreado. As duas famílias não sabem o que dizer. Uns choram em solidariedade, outros comem como se nada se passasse.

_ Olha! Então vamos fazer umas bolsas e dar um jeito de entregar. Só não podemos sair. Estamos entendidos?

_ Tudo bem senhor! Amanhã iremos achar uma  forma.

_ Tudo certo! Deixo você encarregada de ver tudo isso, sob sua supervisão. Fiquem à vontade para falar sobre o que precisarem. Sempre vou pedir para que leiam os manuais e regras. Nunca saiam e nem deixem estranhos entrar. Ontem pedi ao piloto que fosse ao Rio para ver como se encontravam as coisas. Ele me trouxe filmagens. Belizário liga o projetor e abre o computador.

_ Gustavo? Se importa de levar sua irmã para fora por um instante?

_ Eu quero ver mãe!

_ Te conto tudo como...

_ Não mãe! Não vem com essa conversa de criança não. Eu já sei o que está acontecendo a muito tempo. Eles vão precisar de mais pessoas nos drones e não posso por causa da idade. Mas sei que posso ajudar!

_ Eu sei Gustavo! Mas agora não é hora de discutir.

_ Depois passa lá e pegue um drone para você menino! Mas obedeça sua mãe, você não vai querer ver isso.

    Gustavo obedece Belizário e leva Maria.

_ Eu pedi para que ele sobrevoasse o centro e principais vias.

    Ele inicia o vídeo.

    O piloto sobrevoa baixo, filmando e aumenta o alcance da lente até chegar nas ruas. A maioria dos carros estão com portas abertas e muitos deles fora das ruas ou batidos. Muitos infectados que surgiam de todos os lados pareciam olhar para câmera, estavam acompanhando o barulho do helicóptero. A câmera segue mais a frente e um grupo de pessoas abanam três toalhas brancas na janela de um pequeno edifício. Mais a frente um infectado anda até a sacada e pula tentando alcançar o helicóptero. O vídeo continua a mostrar mais sobreviventes e muito mais infectados enquanto todos observam sem saber o que dizer.

_ O Rio já era!

    Fala Júlia.

_ Não consigo nem pensar se estivéssemos lá! Com três filhos então! Não daria conta. 

    Acrescenta Marina.

_ Viram quantos infectados juntos? Será que algum dia virão para perto de nós?

    Pergunta Natália

_ Se vierem tenho certeza que não fará diferença! Temos tudo que precisamos aqui.

    Responde Belizário.

_ O Belizário sempre foi assim. Gosta de exageros no trabalho. Sabe quantas viagens prometidas foram canceladas? Perdi as contas. Mas sempre foi um bom marido, isso não posso negar.

_ Obrigado querida!

    Todos passaram mais uma noite tranquila. Saíram para observar o céu. A calma vinda das estrelas os ajuda a manter uma perspectiva melhor. Focar no que importa sempre será uma forma de esquecer os problemas e seguir a diante. Mesmo que esses problemas estejam por todos os lados.

    Natália acorda mais disposta. Ajuda como pode com os irmãos, tem se mostrado empenhada a todo tempo. Ela joga umas bolsas de pano nos ombros que achou na dispensa e vai correndo para casa da defesa. Ao chegar entra na sala de equipamentos, pega uma caneta e uma folha. Vai para o gramado, anota algo e liga o drone. Ao iniciar a partida sente alguém se aproximar pelas costas, ao virar se depara com Gustavo.

_ O que você faz aqui?

_ Ué! Vim ajudar!

_ Ajudar? O pai e a mãe sabem que você está aqui?

_ Não!

_ Assim não dá Gustavo! Vai para casa antes que descubram. Vai logo!

_ É que eu quero te ajudar! Quero dizer, ajudar os vizinhos!

_ O que faz você pensar que não consigo?

_Eu sei pilotar melhor!

_ Isso não quer dizer nada! Já venho treinando, sei como chegar em uma das casas. Agora deixa eu levar o bilhete para eles.

_ Que bilhete?

_ Coloquei esse bilhete para avisar que venham para o muro. Assim conseguimos descer umas bolsas.

_ Melhor você pendurar! Eles não vão entender que está colado aí debaixo!

_ Verdade! Como não pensei nisso?

_ Tá vendo? Duas mentes pensam melhor que uma.

_ Vamos fazer do jeito que você sugere! Pode me ajudar, mas assim que resolvermos isso aqui você volta!

    Eles refizeram a ideia. Agora estão pilotando fora dos perímetros do muro. Ao chegar na casa Natália percebe que a menina brinca no quintal como antes. Os pais saíram para tentar bater no drone, mas percebem o papel e resolvem pegar para ler. Natália espera para saber como serão suas reações. A mãe se ajoelhou junto a filha a abraçando e o pai juntou as mãos como quem reza, pedindo repetidas vezes obrigado. No bilhete está marcado para às quatorze horas na parte de fora do portão. Dizendo o seguinte:

“ Provavelmente vocês estão com dificuldades para conseguir alimentos. Caso precisem, colocaremos algumas bolsas na parte de fora do portão às quatorze horas.”

    Natália e Gustavo estão radiantes. Ela entrega o controle e os óculos para Gustavo pilotar de volta. Após guardar os aparelhos nos devidos lugares, seguem até o armazém.

_ Olá! Bom dia? Tem alguém aí?

_ Só um minuto.

    Um homem responde por detrás dos armários.

_ Desculpem! Estava arrumando algumas prateleiras. Vieram conhecer o espaço?

_ Viemos para pegar alguns alimentos.

_ Mas as provisões foram distribuídas essa semana. Faltou alguma coisa?

_ Não senhor! O senhor Ferraz me...

_ Há sim! Para casa principal não tem problema. Anota o que você precisou pegar aqui nessa folha e guarde ali na pasta. O que teremos no almoço de hoje?

_ Não sei! Saí mais cedo para resolver uma coisa. O senhor é pai do Wanderson?

_ Sim!

_ Estudo com ele.

_ Ele é um bom menino. Mas fizer alguma coisa errada pode vir me falar!

_ Então vou pegar umas bolsas e anotar aqui.

    Desculpe atrapalhar seu trabalho.

_ Que nada! Fiquem a vontade.

    Gustavo e Natália andam entre as prateleiras, pegam e jogam dentro das bolsas o que acham necessário. Sem notar enchem as bolsas até que percebem o exagero do peso.

_ Já chega Gustavo. Agora vamos levar tudo para casa, na hora marcada entregamos.

    Paula começa a se sentir sozinha. Pensa que todos estão em companhia de alguém próximo, menos ela. Pensa com certa frequência em pegar sua arma de volta e dar um fim em sua vida. Até o momento tem se auto declarado uma inútil, seu trabalho no hospital era na emergência. Lá os pacientes chegavam a todo momento, o tempo passava rápido. Agora sente que não está no lugar que deveria ou queria.

_ Vânia? Você se incomodaria se eu fosse em casa um minuto?

_ Tá bom! Mas vai logo que tem muitos paciente para atender.

Ambas riem da resposta de Vânia. Marina a vê sair e corre em sua direção.

_ Paula? Aconteceu alguma coisa?

_ Na verdade não está acontecendo nada. E esse é o problema! Para quê um hospital todo equipado sem pacientes?

_ Também me sinto assim Paula. E olha que fazem duas semanas apenas que estamos aqui!

_ Ainda bem que não sou só eu que penso assim então. Estou cansada, mas pela primeira vez posso dizer que não é de tanto trabalhar.

_ Você sempre foi a melhor enfermeira que conheci nesses anos que estou na medicina. Quando aparecia um problema, você resolvia tão rápido que todos achavam que tinha feito de qualquer jeito. Mas sempre teve essa perspicácia invejável.

_ O que quer dizer?

_ Você sempre foi boa em resolver problemas. Já os seus nem tanto. No particular sempre foi reservada até comigo. Não sei se posso dizer isso, mas se você achar que essa função não está funcionando aqui, peça para mudar. Queria você perto de mim como antes, mas nada será como era. Então não posso te pedir que fique. Mas sinto que quer mudar de função, sair daqui! Estou certa?

_ Não sei! Você acha que posso me encaixar em outro nicho? Enfermagem sempre foi minha vida.

_ Você precisa descobrir! Tenho notado você muito cabisbaixa e pensativa. Não gosto de te ver assim! Quero que se sinta a vontade caso queira me falar algo.

_ Tudo bem amiga! Eu ia para casa agora, mas darei uma volta por aí! Daqui a pouco volto.

_ Tudo bem! Vai pela sombra.

    Paula vai até a floresta. Senta em um tronco grande de uma árvore tombada. Fica olhando tudo a sua volta se perguntando o porquê de tudo que tem acontecido. Ela lembra de sua mãe falecida, do abandono do seu pai por outra esposa e filhos. Lembra de ter procurado ele depois da morte de sua mãe, foi quando recebeu a resposta mais dolorida de sua vida:

“E daí? Não estou mais com ela. Ela não foi capaz de gerar nenhum filho homem.”

Depois desse dia nunca mais o viu. Essa resposta ecoa quase que diariamente em seus pensamentos. Paula sempre foi reservada por ter passado por muitas coisas difíceis. Acredita que todos passam por situações semelhantes e que ela não é ninguém para deixar se abalar. Sem saber esse comportamento a levou para um lugar reservado para ela e seus monstros. É como se tivesse entrado em uma sala com eles, fechado a porta e engolido a chave. Passado alguns minutos ela toma uma decisão. Entrou no lago lentamente, continuou em frente até que seus pés não tocam mais o chão e resolveu que seria melhor dar um fim a sua própria vida. Esvaziou o máximo que pode seus pulmões e afundou.

    Roberto e Júlia tentam entender como foi a construção do muro e o porquê de tantas armas cobrindo suas extensão para tão poucas pessoas. Júlia chega a pensar que é como se Belizário soubesse que tudo isso estava para acontecer.

No manual estudado por todos eles diz que as câmeras identificam movimentos e reconhecem a face humana. Todas as armas que fazem parte da proteção do muro foram ajustadas para disparos automáticos assim que localizam o alvo. Na primeira semana de estadia um dos colaboradores que fez parte do desenvolvimento desse sistema, ajustou para deixar ligado a pedido de Belizário. O mesmo pediu para não avisar aos demais afim de não deixar ninguém mais preocupado.

_ Vou em casa pegar um casaco! Aqui venta muito.

_ Avisei que faria frio. Aproveita da uma olhadinha no Bartolomeu. Se achar ele triste pode trazer ele pra cá.

_ Tá! Mas tenho certeza que estará com a cara de emburrado de sempre. Gato sem graça!

_ Tadinho! Não fala assim dele.

    Os dois disfrutam de um momento mágico. Primeiro por serem esses pequenos momentos que levarão para vida toda e segundo por ser um dos poucos momentos felizes que estão por vir.

    César decidi averiguar um dos medicamentos das raposas, vai para perto da caverna para observar as dosagens na água. Observa tudo com muita calma como de costume. Ao perceber Paula entrando no lago achou estranho seus passos lentos e roupas fora de contexto para um banho matinal. Esperou ela imergir, percebendo a demora corre para ajudar. Depois de puxar seu corpo para a margem, inicia uma combinação com compressão torácica e respiração boca a boca.

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