Perdas

Marina recalcula os conselhos de Júlia e pensa a respeito. Chega a conclusão que será melhor assim, dividir crianças lhe parece mais sábio a se fazer.

_ Vocês irão cuidar bem dele?

_ Claro mãe! Eu quero ir com tia Júlia. Ela sabe dirigir bem! Preciso aprender, ela já tinha dito que me ensinaria.

_ Disse mesmo! Faz tempo isso! De qualquer forma vou ficar devendo a prática, ficará na observação até chegarmos lá.

_ Tudo bem! Vamos Roberto, Maria, Paula, dona Eliana, e Eu.

_ Obrigado mãe!

_ Agora vamos falar sobre segurança! Não temos armas de fogo. Isso é um problema? Sim! Temos que nos defender de possíveis tentativas de furtos entre outras coisas piores. Já separamos algumas ferramentas.

    Júlia coloca uma bolsa com algumas ferramentas e Natália abre as gavetas afim de coletar mais opções.

_ Minha filha? Melhor deixar que os adultos cuidem disso!

_ Mas Marina! Sua filha já é uma adulta! Ela precisa estar pronta para o que vier.

_ Eu sei Paula! Mas acho perigoso. Ela pode se ferir.

_ Ela irá aprender! Questão de segurança e necessidade. Ajudo em tudo que ela precisar, temos que contar com todos. Se ela estiver preparada será uma ajuda a mais e uma preocupação a menos.

_ Ainda não tenho certeza!

_ Marina! Vem aqui um minuto!

    Júlia pega Marina pela mão e a leva para sala para uma conversa em particular.

_ Diga!

_ Pessoas ruins aguardam ansiosas pela queda do governo para expor seus desejos mais obscuros. Sem leis não há punições e sem punições não haverá mais limites para crueldade. Sua filha é presa fácil para muitos delinquentes por ser bonita, jovem e principalmente inocente. Não acredito que os infectados seja nossa única preocupação. Olha esses anjinhos dormindo e me diz se não teremos que fazer qualquer coisa para deixar eles seguros?

_ Mais uma vez tenho que te dar razão! Está vendo o porquê preciso de você aqui? Agora me diz o que vamos fazer quanto a Roberto? Ele não responde. Juro que não sei mais o que pensar!

_ Primeiro vamos nos preparar aqui! Tenho certeza que ele tá chegando. Assim que ele chegar teremos que estar prontas.

    Elas se abraçam e voltam para cozinha.

_ Então mãe! O que faço?

_  Siga as instruções da sua tia! Vou traçar o trajeto com Paula.

_ Não precisa! Já organizei nossa rota. Agora preciso mostrar a vocês um coisa.

    Paula tira da cintura uma pistola Taurus 9mm

_ Agora as coisas estão melhorando! Quer trocar pelo pé de cabra? Eu atiro muito bem!

_ Paula? Nunca passou pela minha cabeça que você tinha porte de arma!

_ Nunca te contei, mas... No último ano da faculdade conheci um cara. Saímos algumas vezes até que descobri que ele era casado. Ele não aceitou que eu não queria mais, um dia ficou me aguardando chegar em casa, assim que fechei a porta ele empurrou e entrou. Ele me agrediu fisicamente, verbalmente e até sexualmente. Depois desse dia nunca mais fui a mesma, você sempre me questionou sobre eu não ter ninguém. Eu busquei a justiça, mas ele alegou que foi legítima defesa e que o sexo havia sido consensual, acreditem ou não ele ganhou em sua defesa. Desde que isso aconteceu eu tenho ela por perto. Tenho spray de pimenta  no porta luvas por via das dúvidas. No final, saí como a amante despeitada. Não poder fazer nada me deixou uma estaca no peito, como se ainda quisesse ir até ele e descarregar o pente todo na cara daquele filho da puta.

_ Por que você nunca me contou isso?

_ Achei que se eu não falasse a respeito esqueceria mais rápido. Depois de todos esses anos sei que nunca irei esquecer.

_ Se fosse comigo teria dado um jeito de arrancar o pinto desse filho da puta! Por menos eu paguei um conhecido para dar uma surra no Adriano!

_ Não foi assalto Júlia?

_ Assalto? Claro que não! Eu que pedi pra eles fazerem parecer um assalto. Queria que ele levasse umas porradas, o celular caro, o carro e os computadores foram um bônus.

 _ O que ele fez tia?

_ Peguei ele com a secretária aos amassos. Quando fui tirar satisfação com ele recebi um tapa no rosto.

_ Sinto muito que vocês tenham passado por isso! Me sinto abençoada por Deus ter colocado Roberto na minha vida. Ele sempre me respeitou.

    Roberto liga o celular. Mensagens, ligações perdidas e recados na caixa postal  bombardeiam seu telefone ao mesmo tempo. A primeira coisa que pensa é mandar mensagem para Marina avisando sua situação afim de acalma-la. Um homem passa correndo do lado de fora, seguindo ele mais um, outro e outros. Antes mesmo de seus próprios pensamentos o questionarem sobre o que está ocorrendo, um deles grita:

_ Tem infectados vindo lá trás! Corram!

    Roberto saí do carro e olha para trás.

_ Vamos mãe! Precisamos correr.

_ Como? Você acha que consigo atravessar a ponte correndo?

_ Precisamos tentar, não podemos ficar parados. Anda mãe, é agora ou nunca!

_ Tá! Maldita hora que eu...

_ Vamos!

    Eles saem do carro e seguem a pé. Roberto tenta ligar para Marina enquanto corre, o telefone está sem área. Outras pessoas em seus carros entendem o movimento e abrem as portas de seus carros, fazendo muitos esbarrarem. Outros gritam desesperados. Roberto olha para um senhor subindo na barreira de proteção e olhando para a água. Roberto pensa em se aproximar, antes que pudesse, o senhor pula.

_ Mãe! Tenta ir mais rápido!

_ Meu filho! Não vou conseguir.

    Ela para de correr, segura Roberto pelos ombros e olhando nos olhos dele diz esbaforida:

_ Vai! Eu não tenho forças para correr isso tudo isso!

_ Não vou deixar a senhora aqui!

    Roberto a pega no colo. Não consegue correr, mas anda apressadamente. A adrenalina munida do medo faz com que ele mantenha o foco. Pouco tempo se passa e Roberto para brevemente para descansar quando percebe um carro com uma menina, idade parecida com sua filha mais nova, chorando de soluçar. No banco de trás presa ao cinto de segurança. A mãe na frente parece desmaiada.

_ Mãe! Espere aqui! Tenho que ajudar essa menina.

    Roberto corre desviando de todos que tentam escapar. Um homem que vinha correndo esbarra violentamente contra ele que cai ao chão batendo a cabeça no tanque de uma moto caída. Ele perde parte do raciocínio com a pancada, levanta atordoado e segue cambaleante. Chegando finalmente no carro percebe que não pode fazer nada. Antes que pudesse abrir a porta entende que é tarde. A mãe estava sobre o corpo de sua filha já sem vida, mastigando seu pescoço. Roberto se ajoelha ao lado do carro sem acreditar, em choque. Ao retornar a realidade busca por sua mãe, seus olhares de desespero se cruzam  sendo interrompidos por um infectado que a joga no chão e começa sua série de mastigação.

_ Mãe!

    Ele sabe que não tem mais o que ser feito. Em seus pensamentos pede perdão repetidas vezes enquanto corre desesperado.

 

    Marina coloca umas fotos de família em uma das bolsas. Natália chega e a abraça pelas costas, fazendo a mãe cair no choro.

    _ Está tudo bem mãe! Ele está chegando. Com certeza o pai está tão focado em chegar que não está parando para verificar o telefone. Não se preocupe.

_ Eu sei minha filha! Minha maior preocupação são vocês três, nunca me perdoaria se algo acontecer com vocês.

_ Vamos ficar bem! Além do mais temos a tia Júlia. Ela é a pessoa que eu conheço que mais me assusta.

    Ambas riem quando Júlia se aproxima.

_ E no que depender de mim, assusto, mordo, arranho qualquer um que ousar mexer com minha família.

    O telefone toca.

_ Há! Graças a Deus! É o seu pai.

    Júlia atende

_ E aí cara! Vai demorar muito?

_ Oi Júlia! Está tudo bem com vocês?

_ Aqui tá tudo nos conformes. E aí?

_ Estou a caminho! Na descida da ponte vou tentar achar um carro, moto... Qualquer coisa. Está uma loucura isso aqui. Tentem deixar tudo pronto para quando eu chegar sairmos mais cedo do que o planejado.

_ E dona Eliane? Duvido ela subir numa moto. Essa eu quero ver.

    Roberto não responde. Fica aquele silêncio por um breve momento.

_ Vou pegar um celular aqui pra gravar vocês chegando.

_ A mãe não conseguiu. A ponte está cheia de infectados, a mãe é um deles agora.

_ Como assim? Vocês não estavam a caminho? Juntos?

_ Sim! Mas ela foi atacada por uma daquelas coisas. Tive que seguir.

    Júlia fica sem resposta. Passa o telefone para Marina e agacha no chão.

_ O que foi tia?

_ Sua vó.

_ Que tem?

_ Morreu!

    Júlia fica olhando para o nada. Dentro dela sente que ainda voltaria a falar com sua mãe, que em algum momento as duas seriam amigas novamente. Esse desejo acaba de ser cortado pela lâmina mais afiada. Ela não sabe como lidar com isso no momento.

    Paula e Natália abaixam junto dela e ambas a abraçam.

_ Amor! Você tem certeza que consegue chegar? Podemos sair daqui e pegar você!

_ Tenho certeza que conseguem. Mas prefiro que fiquem todos juntos aí em casa!

_ Eu vou!

    Júlia se levanta decidida.

_ Júlia disse que vai! Espera por ela em algum lugar de...

 _ Não! Já disse! Ninguém sai de casa. Confie em mim que vai dar tudo certo, chego logo. Até!

_ Roberto?

    Ele encerra a ligação e acelera mais o ritmo da corrida e em pouco tempo consegue chegar ao centro. Avista um táxi e pede uma corrida. O motorista acena com a cabeça que sim e inicia o taxímetro. Roberto entra dizendo o endereço.

_ O senhor está bem?

_ Sim! Me perdoe entrar assim apressado. Boa noite primeiramente. Estou com muita pressa, se o senhor puder ir mais rápido eu lhe pago o dobro da corrida.

    O motorista fica feliz da vida.

_ Opa! É pra já! O senhor está com pressa por causa dos boatos que estão rolando?

_ De que boatos o senhor está falando?

_ Desse surto! Pessoas perdendo a cabeça! Sinceramente, o povo acredita em cada uma que vou te contar! Minha esposa acabou de pedir para eu ir para casa.

_ Entre a dúvida e a certeza, fico sempre com a dúvida até ter certeza.

Roberto não diz nada demais. O que ele precisa é de um motorista ambicioso para o levar até em casa em segurança.

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!