Novo rumo

_ É tanta palhaçada que esse povo inventa pra ganhar dinheiro. A gente que é trabalhador não pode perder tempo com essas coisas. Acabei de saber que estão deixando os carros na ponte...

_ Quer um conselho? Vá para casa e fique com sua família. Hoje é sexta-feira, dia de reunir os amigos.

_ Pode ser! Estou precisando dar uma relaxada mesmo! Semana que vem minha filha mais nova irá se casar. Sabe como é né? Estão todos na flor da pele e sobra sempre para o pai da noiva. Tenho pegado mais horas de corridas a três meses.

_ Minha filha mais velha tem quinze ainda. Não a vejo casando, agora muito menos!

 

    Não demora muito e Roberto chega em casa. Ele agradece e entrega todo dinheiro que havia na carteira. Corre até o portão e entra.

_ Cheguei!

_ Graças a Deus! Como você está? O que foi isso na sua testa?

_ Estou bem amor! Isso foi apenas um pequeno incidente. Não disse que chegaria?

    Roberto olha para Júlia que devolve seu olhar de tristeza. Ambos sentem a perda da mãe, Júlia porém, sente a perda da oportunidade de reconciliação pesar mais que a perda em si.

_ E agora? O que vamos fazer?

_ Não sei Paula! Eu preciso de um celular emprestado, tenho que falar com Flávio e passar o endereço.

_ Mãe? Já coloquei as bolsas no carro... Pai!

    Natália corre até o pai e lhe dá o abraço mais apertado de sua vida.

_ Sabia que iria conseguir chegar!

_ Eu também minha filha!

_ Estamos prontos! Os carros estão abastecidos. Natália, por favor, vá acordar seus irmãos. Paula e Júlia, esperem um pouco, preciso conversar com Roberto em particular. Preparem-se para sair!

    Marina segura na mão de Roberto e o leva para o quarto.

_ Meu amor! Não sei o que você está sentindo, sinto muito pela perda que você acaba de passar. Mas quero que me diga se consegue manter a força que precisamos até chegarmos lá.

_ É justamente depois desse ocorrido que tenho cem por cento de certeza que preciso proteger minha família. Num instante eu pedi para minha mãe esperar, tinha uma menina presa na cadeirinha no banco de trás de um carro, foi horrível. Cheguei tarde demais. Quando voltei para continuar correndo com ela, um desses monstros a jogou no chão e arrancou parte do pescoço dela. Eu devia...

_ Não poderia ter feito nada! Não se culpe por nada! Você fez o melhor que pôde, como sempre pensou em todos nós. Não foi sua culpa! Consegue entender isso?

_ Mas se eu não tivesse deixado ela...

_ Ainda assim não foi sua culpa. Você queria ajudar a criança, tenho certeza que sua mãe sente tanto orgulho por essa atitude que não pediria nada de diferente do que se passou. Agora preciso que seja forte por todos nós. Consegue?

_ Sim!

_ Me dá um abraço. Te amo muito! Tenho muito orgulho de você.

    Depois de um longo abraço eles voltam a se juntar aos demais.

_ Estamos todos prontos? Parem por um minuto e me digam se não estamos esquecendo de nada!

_ Não mãe! Eu coloquei tudo que me pediu nos carros.

_ Roberto! Acho melhor ficar com isso.

    Paula entrega a pistola.

_ Tem certeza? Nunca usei uma arma antes. Acho mais prudente deixar com Júlia, ela sempre teve uma mira excelente.

_ Eu disse!

_ Então fica com ela.

    Júlia pega a arma com muita intimidade.

_ Agora vamos! Roberto e eu vamos com Maria.

_ Eu me arrependo de dizer que não gostaria de ir com a minha mãe. Me perdoa onde a senhora estiver. Gustavo e Natália, tudo que eu disser vocês devem obedecer a risca. Ouviram?

_ Sim tia!

   Responderam juntos.

    Todos seguem para os carros e se olham com medo, Júlia é a única que não demonstra nenhum tipo de angústia. Algo dentro dela faz com que sua coragem seja maior, não é o álcool. Ela sempre encara tudo que chega até ela com facilidade. Seu ponto fraco é a família e amigos, sempre comprou brigas para defender os que não mexiam com ninguém.

_ Vamos na frente! Não se preocupem, vou cuidar muito bem dos meus sobrinhos!

 

    Todos seguem como o combinado. Passado algum tempo a viagem segue normalmente. No carro da frente, Júlia conversa sobre coisas do dia a dia. Ela tenta manter Natália e Gustavo calmos. No carro de trás Marina tenta a qualquer custo se manter tranquila, mas seu nervosismo se nota fácil.

_ Gustavo! Tudo bem aí atrás?

_ Sim tia!

_ Uma vez quando eu tinha mais ou menos sua idade! Sua avó levou seu pai e eu para uma festa de aniversário de uns parentes nossos do interior. Eles tinham uns estilingues  maneiros. Seu pai e eu apostamos quem acertava mais nas latas de óleo. Quem perdesse teria que dar todo doce que pegamos no dia de São Cosme e Damião. Naquele ano ele havia pegado muito mais doces que eu. Marcamos a distância e começamos os arremessos. De dez pedrinhas que cada um tinha, acertei oito. Seu pai não acertou nenhuma. Fiquei muito feliz, eu teria então todos os doces que guardamos na geladeira. Depois que chegamos em casa e finalmente eu ganharia meu prêmio, descobrimos que dona Eliane havia dado um fim neles. Disse que muitos doces fariam mal. Fui para o quarto e chorei muito. Seu pai foi na vendinha perto de casa, comprou uns doces e me entregou escondido. Acho que esse dia foi um dos mais importantes da minha vida, eu e ele comemos tudo juntos. Mas foi ali que entendi o valor de Roberto na minha vida.

_ Meu pai disse que na escola, uns meninos estavam perturbando ele todos os dias. Que ele chegou em casa chorando, você perguntou o que aconteceu e ele disse. É verdade que você levou um socador de alho para escola e ameaçou quebrar a cabeça deles?

    Júlia solta uma gargalhada.

_ É verdade! Os meninos nunca mais mexeram com ele. Mas eu não ameacei não! Eu dei neles. Bati nos três com o socador. Eu levei um mês de suspensão!

 

    No carro de trás o clima é bem diferente.

_ E se não deixarem entrarmos?

_ Querida! Tenha calma, com certeza conseguiremos. Você precisa se acalmar. Respira e solta.

_ Mas e se não conseguirmos? Você tem outra coisa em mente?

_ Como assim?

_ Outro lugar!

_ Marina! Concordo com ele. Você está muito nervosa. Tenha calma, verá que iremos chegar.

    Acrescenta Paula.

 

    Os carros passam rápido pela avenida. Um homem os observa, pega seu celular e manda uma mensagem para alguém anunciando que dois carros estão prestes a passar. Mais a frente dois homens estão aguardando para roubá-los.

_ Tia! Olha lá na frente.

    Júlia força a visão e enxerga os homens no meio da rua de armas em punho.

_ Duas vezes num só dia não! Abaixem! Vamos passar.

    Júlia acelera mais. Um deles pula e o outro continua na rua com a arma mirada para o carro. Ele atira duas vezes, antes do terceiro disparo tenta pular mas já é tarde. Júlia o atropela, jogando seu corpo a metros de distância, já sem vida. Apesar da velocidade o impacto danificou pouco o carro, apenas parte da lateral do para choque e alguns amassos no capô.

_ Tia você matou ele!

_ Tô sabendo!

 

    No Carro de trás todos entendem o ocorrido. Marina sente uma gratidão sem tamanho, sabe que a segurança dos seus filhos vêm em primeiro lugar. Apesar de ouvir os disparos, sabe que no carro da frente estão todos bem, consegue ver a todos facilmente.

_ Roberto! Você acha melhor parar e checar se eles estão bem?

_ Não! Todo mundo está caindo na real! Daqui em diante as coisas serão piores! Não quero te desanimar, mas do jeito que as coisas estão, melhor não dar bobeira parando por aqui. Temos que seguir o combinado.

_ Verdade amiga! Depois que as pessoas caírem em si, tudo será muito mais difícil.

_ Vou ligar para Natália!

    Natália sente o celular vibrar e puxa do bolso.

_ Mãe?

_ Eu quero saber se estão todos bem!

_ Gustavo está um pouco nervoso! Mas explicamos para ele sobre o que aconteceu. Eu estou bem e tia Júlia também!

_ Graças a Deus! Coloca no viva voz!

_ Pronto!

_ Oi Júlia. Está me ouvindo?

_ Sim! Pode falar.

_ Como você está se sentindo?

_ Muito bem! E vocês aí atrás?

_ Acho que sou a única que me sinto péssima! Gustavo?

_ Oi mãe!

_ Está tudo bem! Daqui a pouco vamos chegar, não fica preocupado. Ouviu?

_ Sim mãe! Tia Júlia disse que o homem queria levar o carro...

_ Isso meu filho. A mãe estava preocupada, é isso! Vou desligar então , mas qualquer coisa liga.

Marina desliga o telefone. Segura com força o choro. Roberto nota, coloca a mão direita sobre a mão esquerda de Marina.

_ Calma! Vai ficar tudo bem! Respira!

    Nas estações de rádio as músicas dão vez as informações:

“Países como Portugal, Reino Unido, Estados Unidos, Rússia e Alemanha apresentam casos em suas metrópoles. Todos os seus governantes estão tentando criar meios de conter o avanço do novo vírus. Alguns planejam bombardear suas áreas mais afetadas. Estão pedindo para que a população fique em casa, que todos os países inclusive o Brasil estão disponibilizando suas tropas e pedem a colaboração de cidadãos armados.

_ Desliga o rádio!

_ Não tia! Temos que saber...

_ Na internet, rádio, televisão estão falando as mesmas coisas! Eles querem saber os porquês dos fatos. Quer saber de uma coisas? Não irão descobrir, não agora. Eles deviam estar ensinando aos civis a se defenderem, isso sim!

_ Talvez eles nem saibam.

_ Exatamente! Já reparou que em todos os lugares que passamos até agora, os moradores estão com medo? Reclusos em casa. Deviam estar todos juntos, planejando formas de defesa. Mas como sempre, estão cagando de medo. Juntos, juntos, como se fosse dia de festa junina. Com uma fogueira bem grande pra queimar todos o infectados que cruzassem por eles.

_ Talvez eles estejam resguardando as pessoas que amam. Sei lá!

    Júlia não responde. Ela sabe que sem provisões não existe uma saída, que o medo é o pior inimigo. Apenas acena com expressão de possivelmente.

_ Sabe de uma coisa? Acho melhor desligar o rádio.

    Júlia desliga.

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Comments

pauliane belga

pauliane belga

o melhor desse capítulo foi a naturalidade da Júlia kkkkk

2023-12-25

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