O bar fecha um pouco mais cedo e sou forçado a esperar do lado de fora, aperto o corpo com os braços cruzados e escondo o rosto sob um capuz, torcendo para não ser abordado pela viatura policial que passou por três vezes na rua.
A garçonete saí na porta alguns minutos depois, acende um cigarro e aperta o casaco de pelos falsos em torno da cintura, ela me procura até me ver encostado no ponto de ônibus.
- É amigo da Ceci ou está cobrando dinheiro? – ele pergunta rispidamente.
- Amigo.
- É você parece bem o tipo de gente que ela costumava andar.
- Sabe onde ela está?
Ela balança a cabeça, dá uma longa tragada no cigarro e o joga pela metade no meio fio.
- Ela vinha aqui ás vezes\, mas sumiu tem um tempo.
- O que quer dizer com sumiu?
- Você não é o primeiro procurando por ela. O senhorio do prédio em que a gente mora colocou mais de uma ordem de despejo na porta dela e o Coyote\, um cara que vende maconha por aqui – ela dá de ombros – entrou no apartamento dela e quebrou tudo.
- Acha que ela foi embora para não pagar as dívidas?
- O que? Não – a garçonete ri – Ceci era um pouco irresponsável\, mas não tinha problemas com dinheiro\, ela sempre pagou o que devia. Além disso\, ela não abandonaria a avó.
- Então ela não morava sozinha.
- Não foi o que eu disse\, a vó dela está no asilo do governo\, Alzheimer ou algo assim. Talvez Ceci fosse embora quando ela morresse\, mas antes disso... não\, Cecil não era assim.
- Posso dar uma olhada no apartamento dela? – eu levanto uma sobrancelha\, estou tentando ser gentil e menos esquisito.
- Por quê? Se tivesse algo de valor lá\, Coyote teria levado.
- Talvez eu ache alguma pista.
- Ok\, Sherlock – ela ri e levanta as mãos – qualquer um pode entrar no prédio\, não temos portaria. South Madem\, 857\, o apartamento é 34A.
Ela acende outro cigarro e acena para um grupo pequeno na frente de outro bar.
- Eu preciso ir\, boa sorte.
- Espera\, você não disse seu nome.
- Nem você – ela sorri ao soltar a fumaça e corre para o outro lado da rua.
Preciso parar duas das poucas pessoas na rua a fim de encontrar a rua que ela informou. O prédio não foi difícil encontrar, cinco andares, sem portaria. Nenhuma segurança além de uma lista de visitantes a ser assinada na entrada. Eu olho as datas, nenhum registro nos últimos oito meses. Subo direto até o terceiro andar.
O lugar é sujo e úmido, principalmente no chão, mas está vazio, eu ouço uma briga de casais no andar de cima e vizinhos reclamando, mas nada próximo de onde estou. Na porta há duas ordens de despejo com data de vencimento próxima, a maçaneta está arrombada e parte da madeira trincada. Trabalho do Coyote, provavelmente.
Eu empurro a porta com o pé, puxo as mangas para cobrir as mãos e acendo a luz, agradecendo por ainda não ter sido cortada. O cheiro de comida estraga e lixo é forte, levanto a blusa cobrindo o nariz e boca como uma máscara. É nojento.
O lugar é pequeno, uma sala com um espaço no meio para uma mesa de antar e cozinha apertada, duas portas no fundo, provavelmente quarto e banheiro.
Os moveis estão mesmo todos quebrados e jogados para qualquer lado. Eu não sei ao certo o que estou fazendo aqui, mas sei que não posso ficar tocando nas coisas a toa, garanto que minhas mãos continuarão cobertas pelas mangas da blusa e pulo o lixo em direção ao quarto.
Também está uma zona, preciso tirar o colchão do caminho para entrar, só então noto algo familiar. Não há nada nos armários ou gavetas da cômoda. Sapatos, roupas, acessórios, documentos. Parece que Cecil simplesmente arrumou as malas e foi embora.
Assim como Prya.
Meu estomago revirou, senti suor frio descendo pelas minhas costas. Não, eu não posso entrar em pânico.
Eu me desespero para sair, acabo tropeçando em um cabideiro tombado e caio no chão, bato com o rosto no carpete, a dor me faz ficar alguns segundos no lugar, viro o rosto e coloco a mão sobre o lugar da batida. Então vejo algo debaixo da cama, estico a mão para alcançar e quando pego percebo que é um celular. Não é moderno e estava com a tela quebrada. Enfio no bolso mesmo assim.
Preciso de um carregador para aquele celular, mas não posso ficar vasculhando o apartamento e deixando DNA em toda parte.
Consigo pegar a balsa das quatro da manhã de volta para a ilha, mas só chego em casa quando o sol já nasceu. Sei que não tem carregadores na cabana e como é domingo, não há muito que eu possa fazer. Passo o dia de folga vasculhando o perfil de Cecil, envenenando minha mente com os delírios de Madelaine.
Quando percebo, estou pesquisando o nome dela, não encontro nada, mas encontro Jack, um perfil no Instagram com apenas doze fotos, com datas muito distantes entre si, nada significativo, ela em um iate de luxo com quepe de capitão e uma taça de champagne, um prato com uma miséria de comida de um restaurante chique, um casamento.
Demoro alguns segundos para reconhecer Madelaine, ela está rindo e de cabeça baixa, segurando a mão de Jack enquanto são atingidos por uma chuva de arroz.
Não parece em nada com a Maddy que eu conheço, vejo o primeiro comentário “eu te amo tanto”. Clico no perfil e sou levado a vida antiga de Madelaine. É tão diferente do perfil de Jack. Mas a última postagem foi há quase dois anos.
Antes disso era tão cheio de fotos dela sorrindo, com amigos, com os pais. E muitas fotos de exposições de arte e pinturas dela.
Paro em uma foto linda, seu sorriso amplo, uma felicidade que passa atráves da lente da câmera.
- O que houve com você?
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Atualizado até capítulo 63
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