Capítulo 10

Eu estou realmente enjoada para comer, mesmo assim Astra insiste em colocar o mingau intragável na minha boca. Ele é cuidado, enquanto aproxima a colher, sua mão treme enquanto ele luta para manter a precisão.

- Consegue mais uma? – ele levanta uma sobrancelha\, como se quisesse me influenciar a dizer sim\, balanço a cabeça lentamente – certo\, quer dormir um pouco?

- Não\, por favor – não noto que estou segurando seu pulso até meus dedos doerem\, então sinto minhas bochechas queimarem\, respiro fundo e o solto lentamente – eu não estou cansada.

- Tá – ele olha em volta na sala de jantar\, como se um parque de diversões fosse aparecer magicamente diante de seus olhos – o que quer fazer? Com certeza tem um tabuleiro de xadrez nessa casa.

Mas o que eu quero está lá fora, Jack sempre me mantém longe das janelas, com a desculpa de que os seguranças podem estranhar. Eu sei que é verão por que os dias parecem durar mais.

- Quero tomar sol – minha voz ainda sai pastosa e com dificuldade\, como se eu estivesse bêbada.

Astra assente. Imagino que Jack não tenha dito a ele para me levar para fora, leva um tempo até que ele concorde.

- Acho que o sol pode te fazer bem\, além do mais\, eu estou congelando aqui dentro.

Ele se anima, em um salto, agarra a parte de trás da minha cadeira e me empurra para fora da sala de jantar, as rodas deslizam sobre o piso liso e tenho quase certeza que ele está usando como um skate, para deslizar por aí.

O sol é revigorante, ainda que da sacada, não atinja meu corpo por inteiro. Minha pele pinica sob o suéter de lã. Deve estar fazendo uns vinte e três graus, bem diferente do calor de Los Angeles no verão. Astra se senta nos degraus da escada, na minha frente, ele precisa olhar por cima do ombro para me ver, o sol bate no seu rosto e ele aperta os olhos criando rugas na lateral dos olhos.

- De onde você é? – ele pergunta como se estivesse mesmo interessado.

Eu respiro fundo e abro a boca algumas vezes para responder, as coisas estão acontecendo muito rápido hoje, é difícil acompanhar.

- Quer entrar?

- Não\, eu... Los Angeles.

- Parece legal\, eu nasci aqui\, mas passei alguns anos na capital.

- Onde aprendeu a falar inglês?

- É uma história engraçada\, mas para resumir\, eu tive muito tempo nos últimos cinco anos\, aprendi muita coisa – ele dá de ombros – minha mãe achava que eu era muito inteligente\,

- As mães sempre acham.

Astra me olha mais uma vez por cima do ombro e sorri.

- Isso foi humor\, Madelaine?

Eu sou inteligente, não o suficiente para evitar casar com um psicopata, mas só tinha dois lugares que o dariam muito tempo, talvez fosse assim que aprendeu a cuidar de enfermos, em um hospital. Ou...

- Também aprendeu enfermagem nesses cinco anos?

- Não – sua voz parece mais distante\, é difícil saber com o sotaque tão carregado – isso aprendi muito antes.

Astra fica em silêncio depois disso, mas eu já tive minha resposta. Ele era um ex presidiário. Jack colocou um criminoso perto de mim.

Isso devia me assustar, estar cercada de criminosos, mas não tinha nada que Astra pudesse ter feito que fosse pior do que Jack, assim, se ele não fosse algum plano maléfico de Jack para me atormentar, pelo menos teria mais chances do que eu.

Ao contrário do meu marido, Astra não me medicou o dia todo. Evitei falar sobre Jack e sua atividades, quando me levou para dar uma volta pela mansão, notei que as portas que davam para a estufa estavam abertas, escancaradas.

- Quero voltar – peço quase em desespero\, eu não quero perder a cabeça\, não no primeiro dia relativamente bom que tive em meses.

- Vamos até o jardim\, dizem que a natureza faz bem para a saúde\, você vai gostar.

- Não – minha voz saí em um sussurro abafado pelo som das rodas no piso de madeira.

Astra está andando rápido demais, ele faz uma volta brusca na sala de estar, tenho certeza de que aquele dia foi um respiro antes do fim. Posso visualizar Jack no jardim, me esperando com sua cadeira de dentista reclinada e o avental cheio de sangue, os instrumentos que usará para arrancar meu couro cabeludo, bem afiados.

Estou hiperventilando quando a cadeira passa pelas portas. Jack não está lá, nada além da luz laranja do por do sol entrando pelos vidros do teto e iluminando o verde das plantas, o círculo de pedra no centro vazio como na primeira vez que o vi, mas eu ainda sinto a presença de Jack ali e daquela pobre mulher, de alguma forma eu sei que ela não foi a única.

Podem ter disso dezenas e todas elas estão escondidas nas plantas, olhando para mim, sei que isso está na minha cabeça, mas estou em pânico.

- Ah\, Madelaine – Astra para a cadeira e remexe na bolsa atrás dela\, eu me desespero ainda mais\, tento me levantar\, quero fugir dali\, dele. Mas acabo caindo com os joelhos no chão e não consigo me manter – calma\, eu vou te ajudar.

- Não.

Tento me virar, mas Astra é ainda mais forte que Jack, ele me imobiliza, sua mão gelada sobe minha manga e sinto a agulha penetrar, o líquido arde como fogo, mas quando a agulha é retirada, não tenho mais reação.

Astra me levanta do chão e sinto seu peito contra meu rosto, minha mão bate no encosto da cadeira, ele não me coloca nela, caminha comigo para fora da sala, eu devia ter apagado, mas ainda o ouço falar uma palavra em alemão quando meu corpo é colocado na cama e tenho quase certeza que significa “sinto muito”.

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Comments

Noemia Santos

Noemia Santos

Caramba,,tadinha...😔😔😔

2023-06-21

0

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