Não sei como vim parar no quarto, quando abro os olhos, a última coisa que me lembro é do rosto de um homem desconhecido, a julgar pela luminosidade que vem da janela, agora é manhã. Não dá para saber ao certo, meu cérebro não responde aos estímulos de imediato e tudo o que posso fazer é manter os olhos abertos.
Quando sou surpreendida por um farfalhar de roupas pesadas no canto da sala, Jack nunca usa roupa de frio em casa, no máximo lã, no inverno. A menos que ele esteja com roupa de proteção, para não sujar a camisa Luois Vitton com meu sangue. Será que é agora que ele me mata.
Mas não é, quando a pessoa que atormenta meus pensamentos entra no meu campo de visão, reconheço o mesmo rapaz do dia anterior, ou dias, eu não sei quanto tempo fiquei apagada.
Ele sorri e fala comigo, talvez bom dia, em alemão. Abre a janela e deixa o sol entrar. Eu estava certa, é manhã. Ele se aproxima da cama e abre a caixa na mesa de cabeceira. Ele coloca o termômetro na testa, depois levanta meus travesseiros, quase abraçando meu corpo, sua jaqueta de tactel está gelada, mas o cheiro de chocolate ainda é o mesmo, não sinto o fumo, o que é ainda melhor. O homem me levanta até que eu esteja quase sentada, então se afasta para que eu veja boa parte do seu corpo e fala comigo.
- Bom dia\, Madelaine.
Uso toda minha energia para balançar a cabeça a fim de dizer que eu não entendo, mas eu entendo. Pisco algumas vezes, estou finalmente acorda.
- O que? – minha voz sai pastosa e grave\, de um jeito que me faz odiar.
- Estou falando muito rápido? – seu sotaque é arrastado\, muito carregado de R e um som de click que parece vir do fundo de sua garganta\, o que não impede que eu o entenda perfeitamente – eu sou o Astra\, seu marido atencioso\, me contratou como enfermeiro. Vou cuidar de você enquanto ele trabalha. Como se sente?
Confusa, principalmente. Jack jamais colocaria um estranho perto de mim que soubesse falar a minha língua, apesar de me sentir muito tentada a começar a falar todo o terror que eu estava vivendo naquela casa. O novo enfermeiro podia muito bem ser homem de confiança do meu marido.
Não. Jack não é um mafioso, ele não tem homens de confiança.
- Enjoada – resmungo.
- Deve ser pelos medicamentos. A instrução que eu tenho é que medique você se ficar agitada – ele para novamente na mesa de cabeceira – mais esses da manhã.
Astra coloca dois comprimidos em uma colher e me oferece, eu os mantenho na boca, sei que quando os tomo passo horas dormindo e nunca me lembro de ter sido tirada da cama, então ele traz água e eu bebo.
Não é tão cuidadoso como Jack, nem qualquer outro enfermeiro que eu tenha conhecido, assim que ele se vira de costas, eu deixo os comprimidos caírem no vão entre meus seios.
- Acha que consegue usar o andador ou prefere a cadeira? – ele está perdido.
Jack insulta minha inteligência ao achar que vou acreditar que esse cara é um cuidador. Eu me viro como posso e meus pés ficam pendurados na lateral da cama, não consigo me levantar. Jack me dá alguma coisa que me torna muito fraca e sem sensibilidade.
Astra me coloca na cadeira e me leva até o banheiro, também preciso de ajuda para me sentar no vaso, mas ele se vira de costas depois que me senta. Me limpo e seguro na barra para subir a calcinha.
Ele está imóvel, virado para a porta, alguma coisa nele chama muito minha atenção, Astra não tem postura, mas demonstra respeito e paciência.
- Terminei.
- Ótimo – ele se vira ara mim e me coloca na cadeira antes de me virar para a pia – Jack disse que você dorme boa parte do dia\, então vou arrumar você rápido para conseguir tomar café.
Ele pega minha escova e passa em uma mexa, sentada eu ssó consigo ver os seus olhos no espelho, é suficiente para que eu aja, coloco a mão na pia e ligo a torneira, ele não se manifesta, empenhado em desembaraçar meu cabelo, com a outra mão, pegos os comprimidos no busto, aperto para que eles esfarelem um pouco, só o suficiente para que a água leve os pedacinhos embora.
Então me concentro nele, seus olhos parecem focados, mas ele sorri toda vez que desfaz um nó. Não posso evitar de notar, o quanto Astra é bonito, de um jeito normal, não impactante e avassalador como Jack, mas ainda assim, bonito.
Suas mãos também são cheias de calosidades e há pequenas cicatrizes nelas, de trabalho manual, provavelmente.
Estou absolutamente desconfiada de Astra, mas o que ele vai fazer? Dizer ao Jack que eu estou chamando-o de assassino? Meu marido sabe disso, eu digo o que ele fez a todo mundo que aparece na minha frente, mesmo que não me entendam, qual seria a diferença de Astra é de confiança para meu marido?
Os farelos do comprimido somem no ralo sem que Astra perceba. Uma pequena satisfação cresce no meu peito, um sentimento diferente de toda a apatia e medo que enchiam os meus dias.
De qualquer forma, é bom ter uma companhia diferente para meus dias, depois de tanto tempo nessa casa.
- Esqueceu a torneira aberta mocinha – ele fecha sem se dar conta de que acabei de fazer.
Deixo um pequeno sorriso se erguer nos cantos dos meus lábios, o primeiro em muito tempo.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 63
Comments