O ar condicionado está ligado no escritório do agente da condicional, o que me faz mudar de lugar três vezes na recepção a fim de fugir do ar gelado. Quando a recepcionista idosa me olha por cima dos óculos arredondados, sei que exagerei.
É verão na Áustria, o que significa que alguns dias o termômetro marca o número astronômico de vinte e cinco graus. Mas, com certeza, aquele é o único ar condicionado ligado em toda a ilha.
- Vamos lá\, Astra?
Dimitri é um cara legal, o tipo que não olha apenas para a ficha criminal extensa, na verdade, quando entro na sala, o arquivo sobre sua mesa nem está aberto.
Eu espero até que ele aponte a cadeira, então me sento, está tão frio que logo meus dentes vão começar a bater.
Dimitri ajeita o terno e se senta, a cadeira range com seu peso. Imagino que ele não esteja com tanto frio como eu estou.
- Alguma novidade? – ele pergunta seriamente\, não é uma conversa entre amigos.
- Comecei naquele curso que você indicou.
- Que ótimo – ele sorri genuinamente.
- Mais ou menos – tento disfarçar o incômodo que essa conversa me causa\, mas só torno mais evidente ao coçar a nuca – não tinha mais vagas para logística nem marketing. Tive que escolher entre administração ou enfermagem.
- Escolheu administração? – ele pergunta esperançoso e balanço a cabeça em resposta – Astra\, combinamos que você ia pensar mais antes de agir. Por mais que seja uma área muito nobre\, fazer um curso de enfermagem online\, não me parece muito promissor. Como vai aprender a achar uma veia ou aplicar uma injeção...
Ele para, sabe que sei bem como aplicar uma injeção.
- Eu tenho uma entrevista hoje – corto o assunto porque não suporto ser outra decepção.
- Era isso que eu estava esperando – ele fala alto e ri abertamente – espera\, é honesto?
- Vou ser piloto de fuga em um assalto a banco – a ideia era que fosse uma piada\, mas com os dentes batendo e o corpo encolhido\, pareceu muito mais sério que era.
- Astra\, você já tem vinte e cinco anos\, precisa tomar jeito na vida. O chefe Calligan fez vista grossa por um tempo depois que sua mãe morreu\, mas... tem que tomar jeito.
A menção da minha mãe na conversa fez meu sangue esquentar mais rápido do que um copo de Whiskey faria. Por mim, eu teria me levantado e ido embora, mas eu precisava pensar em Prya, fazer com que me levassem a sério não seria tarefa fácil.
- Desculpe\, meu humor ainda precisa ser corrigido – eu uso meu melhor sorriso\, aquele que me dava mais batatas na prisão – é um trabalho de cuidador\, um paciente psiquiátrico.
- Eu espero que se encontre\, Astra. Vai ser bom para você\, depois de tudo.
Ficamos em um longo silêncio depois disso, nenhum de nós tem muito o que falar um para outro, depois das instruções para não me envolver com coisas erradas e evitar a todo custo sair para lugares suspeitos, eu estou finalmente livre para ir.
Olho no relógio para garantir que tenho tempo suficiente para mais uma parada.
A delegacia é um lugar conhecido desde os meus doze anos, quando comecei roubando chicletes da loja de conveniência. Não que eu precisasse, na época, minha mãe tinha acabado de ficar doente e o antigo patrão dela, ainda pagava o salário semanalmente, mesmo que ela não fosse trabalhar todos os dias. Mas a quimioterapia era muito mais cara do que ela e minha irmã podiam pagar, afinal, ser atendente de uma agência de turismo não pagava tão bem á Prya e quando você descobre que a única coisa te separando do que você quer é um velho aleijado atrás do balcão, tudo fica tão tentador.
Assim que entro, vejo o chefe Calligan ao lado da máquina de café, ele torce o nariz para mim, claro que não está satisfeito em me ver, mas disfarça ao me dar um sorriso forçado.
- Chefe Calligan? Tem um minuto?
- Não mais que isso – ele resmunga por trás do seu amplo bigode.
- Eu só queria saber se tem novidades sobre o caso da Prya.
Ele respira profundamente, sei que não há um caso aberto, mas quero que ele saiba que eu levo mais a sério do que ele.
- Senhor Winkler\, a sua irmã é uma mulher adulta\, Você não vê ela há o que? Cinco anos?
- Sim\, desde que fui preso.
- Ela deve ter ido tentar a vida em uma cidade maior\, não temos motivos para acreditar que ela está desaparecida.
- Prya não iria a lugar nenhum sem me avisar.
- Ela te visitou? Na cadeia? – ele encarra a frase dando um grande gole em seu café.
- Não\, mas ela me escrevia todo mês. Parou há cerca de oito meses.
- As roupas dela ainda estão no guarda-roupas? Sapatos\, joias\, documentos?
- Não\, senhor – abaixo a voz\, sentindo todo o desanimo que sua pergunta me causou.
- A menos que tenha um bom motivo para acreditar que Prya Winkler está com problemas\, não podemos dedicar pessoal e recursos. Devia estar feliz que ela tenha seguido a diante. Agora\, se me der licença\, preciso voltar ao trabalho.
- Isso é trabalho – resmungo\, mas ele já está longe para ouvir.
Eu sei bem que as coisas da Prya sumiram e não há malas na casa. Porém, se alguém conhece minha irmã, sou eu. Ela jamais iria a lugar nenhum sem me avisar e jamais deixaria de me escrever, ainda mais tão perto da minha reunião de condicional. Tinha algo muito errado acontecendo e pelo visto ninguém se importava.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 63
Comments
Noemia Santos
Parabéns,,que enredo maravilhoso 🤗🤗🤗👏👏👏👏👏
2023-06-21
0