Capítulo 19

No dia seguinte, Chacal amanheceu bem melhor e já não apresentava mais febre

ou tantas dores relacionadas aos seus ferimentos a bala e os remédios caseiros

se mostraram muito eficazes. Avó de Ernesto insistia para que o garoto voltasse

a interagir com o resto do mundo, pois desde que Chacal chegou aquela casa o

garoto havia se voltado a integralmente para ele, mas ela sabia os motivos

daquela carência afetiva em relação a uma figura masculina. O pobre garoto

nunca conseguiu superar tudo o que havia acontecido com seus pais, vivia

ajudando os pescadores, pois assim conseguia conversar com aqueles homens,

mesmo que sejam assuntos relacionados ao trabalho.

Ele frequentava uma escola quilombola próxima dali, era um menino muito

inteligente e dedicado aos estudos e ele não queria repetir o mesmo futuro que

o pai teve, sua avó lhe dava todo o apoio e eles vivem da pequena aposentadoria

que ela recebe, além de alguns bicos que ele faz na pescaria e até consegue

vender alguns peixes para serem comercializados na feira local.

— Bom dia vovó, e ele já acordou? —  Ele se aproximou pedindo a bênção

dela.

— Bom dia meu pequeno, sim ele parece estar melhor, quando passei pelo

quarto vi que ele estava de pé olhando pela janela!

— Então eu vou até lá falar com ele!

— Espere menino, você sequer tomou o seu café da manhã...

Ernesto correu para lá.

— Eu posso entrar? — perguntou abrindo devagar a porta de madeira.

— Já é, entra! essa é a sua casa.

— Você fala engraçado.

— Quero te agradecer novamente por ter me trazido para cá e ter cuidado de

mim, de verdade, você foi muito maneiro garoto!

— Mas você pode me dizer o que aconteceu e por que atiraram em você?

Chacal ficou pensativo, temia contar a verdade para aquelas pessoas e que de

alguma forma, eles pudessem ter problemas futuros por saber demais.

— Não fica bolado comigo...como você se chama?

— Ernesto e você?

— Carlos, se eu te contar...você pode ter problemas depois, por isso não

posso falar muito sobre mim mesmo e isso, eu faço para te proteger.

Neste momento, Dona Alzira entra no quarto levando um pouco de comida para

Chacal.

— Você precisa se alimentar bem para poder se recuperar e voltar de onde

veio!

Ela sabia que para que uma situação como aquela ter acontecido a uma pessoa,

certamente ele tinha alguma dívida para ser paga com aqueles homens ou com a

justiça e ela não poderia abriga-lo ali por muito tempo.

— Agradeço por tudo que a senhora fez por mim e o seu neto também, e não se

preocupe minha estadia neste lugar será breve...pretendo meter o pé assim que

eu puder andar.

Ernesto ficou triste ao saber que mal havia ganhado um amigo e já iria

perde-lo novamente.

— Agora vai terminar de comer e pegar as suas coisas para ir até a escola. —

A ordem da avó o deixou triste, queria insistir e saber mais sobre aquele

homem.

Ernesto se despediu de Chacal e então, Alzira e ele ficaram sozinhos para

poderem conversar melhor.

— Eu não quero me envolver em seus segredos e até os temo, mas eu só preciso

saber de uma coisa, você está fugindo da polícia?

— Não senhora, minha bronca é com uma facção carioca, mas eu não posso

entrar em nenhum tipo de detalhe sobre isso.

— Compreendo e até prefiro que fale nada.

— A senhora tem um neto muito maneiro, o coração desse leke é gigante.

Qualquer outro garoto da idade dele certamente ao me ver naquela situação, iria

ir embora sem olhar para trás, até mesmo por medo e isso seria o mais sensato,

mas Ernesto voltou para me dar uma moral e se fosse o meu filho, eu estaria

muito orgulhoso!

Alzira ficou comovida ao ouvir aquelas palavras sabia o quanto o neto

sonhava em ter uma figura paterna em sua vida, muito mais do que sentia a falta

da mãe, pois ela estava morta, mas o pai estava perdido por esse mundo afora e

isso despertava nele ainda mais sofrimento.

— Ernesto sente muita falta de uma figura paterna e ele sofreu muito desde

pequeno, o pai dele, e meu filho, se chama Marcelo. Ele se casou com uma jovem

e foram viver no Rio de Janeiro, pois ele havia conseguido um trabalho e estava

muito feliz, mas o que nenhum de nós sabíamos era que aquilo envolvia coisas

erradas. Logo a esposa dele descobriu que estava grávida, ela também era

usuária e nem sei como meu neto conseguiu nascer saudável, mesmo que ela

levasse uma vida tão desregrada. Certo dia, eles simplesmente apareceram aqui

na minha porta e disseram que o menino precisava ficar comigo pela sua própria

segurança, pressionei o meu filho para que dissesse toda a verdade e então ele

confessou que tinha uma grande dívida com o crime e por isso não poderia ficar

circulando por lá com um bebê nos braços. Perguntei quanto era aquela dívida,

que eu os ajudaria mesmo que não tivesse muito dinheiro e eu daria um jeito.

Faria até um empréstimo no banco, mas ele não quis saber disso e ainda disse

que não poderiam ficar muito tempo, pois podiam vir atrás deles aqui.

— Eu já vi muitas histórias semelhantes a essa, acontecerem no morro de onde

eu vim.

— Meu filho e a esposa voltaram para lá, a última vez que ele me deu

notícias foi para dizer que a mulher havia sido morta e ele conseguiu fugir

para um lugar onde ficaria de agora em diante. Os anos foram passando e ele

nunca mais voltou, essa é a grande dor que eu carrego na vida, mas eu sei que

quem sofre ainda mais do que eu é Ernesto. Ele não consegue pensar que o pai

fez tudo isso para protege-lo e se sente muito rejeitado por tudo e todos.

Chacal

A história daquela família me deixou triste, pois era semelhante a muitas

que eu já havia acontecido no morro do Éden, temos acolhido muitas pessoas com

aquela realidade e que estavam fugindo da morte. Se eu pudesse encontrar o pai

desse garoto e assim, retribuir tudo que ele fez por mim salvando a minha vida

naquela situação terrível.

Não posso pensar nisso agora, tudo que preciso é entender onde estou e como

vou fazer para voltar para o morro do Éden e resgatar Maria Victória...se é que

ela quer ser salva.

Eu já conseguia caminhar, perguntei para Dona Alzira onde eu poderia

conseguir um telefone.

— Você precisa ir até a vila mais próxima e pagar para fazer uma ligação.

Eu não tinha sequer um centavo, tudo havia ficado no Hotel Fazenda e a essa

altura, aqueles putos já deveriam ter limpado tudo que estava no quarto.

— Vou dar a você o dinheiro para que possa telefonar, não fica muito longe

daqui, mas procure não se esforçar muito!

— Valeu mesmo Dona Alzira!

Ela me entregou o dinheiro, mas eu agora tinha um probleminha um pouco maior

para resolver, minha camisa estava com os buracos das balas e ainda suja de

sangue. Pouco tempo depois, ela voltou com umas roupas nos braços.

— Tome aqui ainda existem algumas roupas que eram do meu filho e eu sei que

elas serviram para você então eu já me preparei e lavei algumas para que você

pudesse usar.

Eu nem soube o que dizer naquele momento, o que é aquela família estava

fazendo por mim era demais, eu apenas dei um beijo em sua mão em um gesto de

gratidão, tomei um banho e me arrumei. Sai caminhando na direção que ela me

indicou e em poucos minutos eu já vi a vila ao longe, entrei em uma vendinha

pequena.

— Bom dia meu camarada, preciso usar o seu telefone!

Entreguei o dinheiro para ele e disquei o número e eu iria conversar com um

dos meus homens de confiança, espero que ele ainda esteja vivo e possa me falar

um pouco sobre o que está acontecendo naquele lugar. Baratão não atende à

ligação por nada e isso me deixou preocupado, então eu tive que ligar para

outro.

— Não faça nenhuma expressão ou diga algo que possa denunciar que sou eu

falando com você ao telefone, entendeu meu brother.

— Si...sim!

[...]

Ele estava no depósito de armas, os homens de confiança de Meia-noite

 os vigiavam o tempo inteiro, então ele precisou sair dali da frente deles

disfarçadamente para poder entrar em um dos banheiros e falar com um pouco mais

de privacidade.

— Chefia eu não acredito que o senhor está vivo...santa cacetada! Mas não se

preocupe, estou falando de um lugar onde eles não podem me ouvir.

— Certo, então preciso que me diga tudo que está acontecendo nessa bagaça,

por favor me fale de Maria Victória!

— Sinto muito patrão, sua mina agora está com Meia-noite, os dois estão

vivendo na sua casa junto com o irmão dela e a cachorra dele. Acho que o senhor

foi traído de dentro do seu próprio barraco.

— Isso não tem o menor fundamento, ela era vigiada por mim o tempo inteiro

como poderia estar tramando algo assim? Puta que pariu...

— Mas tem o arrombado do irmão dela, se o senhor pudesse ver a forma como

ele pegue fielmente os passos de Meia-noite...a parada é o seguinte, todos aqui

no morro do Éden se curvaram a ele no mesmo instante e o noiado disse que

pretende se casar em breve com a novinha e transformá-la na primeira-dama do Morro

do Éden.

As palavras dele fizeram o coração de Chacal se quebrar em mil pedaços,

Maria Victória poderia fugir se não quisesse se casar com ele, ainda assim,

Chacal preferia acreditar que ela estava sendo coagida de alguma forma e isso,

ele só poderia saber se chegasse até lá.

— Eu preciso de dinheiro para voltar!

— Pô Chacal, o senhor sabe que tudo que eu quero é que volte e tome logo o

morro de volta, a parada é que esses miseráveis tiraram todo o nosso dinheiro,

limparam as nossas contas para garantir que seremos seus fiéis escravos...e no

momento, eu não tenho nem um puto.

— Cacete! Eu vou dar um jeito, mas quero que vigie a mansão até que eu possa

chegar e que faça exatamente como eles fizeram...estudar o seu ponto fraco para

me passar todas as coordenadas.

Os dois desligaram, Chacal ficou pensando na possibilidade de Maria Victória

se casar com aquele assassino, ela havia relutado tanto para se entregar a ele,

não podia acreditar que faria isso tão facilmente para um monstro como

Meia-noite .

Os ribeirinhos da comunidade já começaram a sondar Dona Alzira sobre quem

era aquele homem que estava vivendo com eles. Naquele lugar tão pequeno as

noticias se propagavam feito rastilho de pólvora.

— Ele é meu sobrinho e veio de longe para passar uns dias aqui.

— Que estranho Alzira, nunca te ouvimos falar sobre ele!

— Deve ser porque eu nunca gostei de fofoca. — E pegou sua trouxa de roupas

e saiu de lá.

Ernesto voltou da escola e a primeira coisa que fez foi procurar por Carlos

(Chacal), ele ainda estava muito triste pelo que havia escutado e estava

sentado rente à margem do rio que passava praticamente na frente da casa e

assim que ouviu os passos do garoto, ele tentou mascarar sua própria dor.

— E aí meu camarada, como foi a sua aula?

— Não muito boa, eu acho que os números nunca vão conseguir entrar na minha

cuca...provavelmente a minha cabeça é feita de pau!

Chacal sorriu.

— Nada disso garoto, pode parecer caô, mas sempre fui muito bom com os

números, eu precisava fazer algumas continhas sobre o que entrava e saía do

nosso negócio...acho que eu posso te dar uma responsa nessa disciplina.

Os dois entraram em casa e Chacal passou toda a tarde ensinando matemática

para Ernesto, assim que voltou, Dona Alzira os viu tão juntos e mesclou

felicidade e um pouco de tristeza por saber que o neto estava se apegando a uma

pessoa que estava prestes a deixá-los.

Chacal

Não posso acreditar que a minha joia esteja nos braços de outro, eu nunca

havia entregue o meu coração para nenhuma outra mulher, pela primeira vez na

minha vida eu me senti fraco e vulnerável a um sentimento. Acho que o amor é

mesmo uma grande aposta e eu perdi absolutamente tudo o que eu tinha, mas nem

que seja para morrer nas mãos daquele miserável, eu tenho que voltar aquele

lugar e ouvir dos lábios dela que nunca me amou e tudo aquilo que nós vivemos,

foi uma grande mentira.

E se ela de verdade o escolheu, então os dois sentirão o peso da minha mão e

a minha vingança voltará ainda mais forte e severa do que antes...eu não a

perdoarei jamais.

Quando eu me lembro dos nossos beijos, juras de amor e o sexo deliciosamente

incrível que tínhamos...

— Tudo isso não pode ter sido apenas um sonho meu...mum sonho de vagabundo

regenerado!

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Comments

Anna Cristina

Anna Cristina

estou amando kd capítulo

2023-10-12

0

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