No dia seguinte, Chacal amanheceu bem melhor e já não apresentava mais febre
ou tantas dores relacionadas aos seus ferimentos a bala e os remédios caseiros
se mostraram muito eficazes. Avó de Ernesto insistia para que o garoto voltasse
a interagir com o resto do mundo, pois desde que Chacal chegou aquela casa o
garoto havia se voltado a integralmente para ele, mas ela sabia os motivos
daquela carência afetiva em relação a uma figura masculina. O pobre garoto
nunca conseguiu superar tudo o que havia acontecido com seus pais, vivia
ajudando os pescadores, pois assim conseguia conversar com aqueles homens,
mesmo que sejam assuntos relacionados ao trabalho.
Ele frequentava uma escola quilombola próxima dali, era um menino muito
inteligente e dedicado aos estudos e ele não queria repetir o mesmo futuro que
o pai teve, sua avó lhe dava todo o apoio e eles vivem da pequena aposentadoria
que ela recebe, além de alguns bicos que ele faz na pescaria e até consegue
vender alguns peixes para serem comercializados na feira local.
— Bom dia vovó, e ele já acordou? — Ele se aproximou pedindo a bênção
dela.
— Bom dia meu pequeno, sim ele parece estar melhor, quando passei pelo
quarto vi que ele estava de pé olhando pela janela!
— Então eu vou até lá falar com ele!
— Espere menino, você sequer tomou o seu café da manhã...
Ernesto correu para lá.
— Eu posso entrar? — perguntou abrindo devagar a porta de madeira.
— Já é, entra! essa é a sua casa.
— Você fala engraçado.
— Quero te agradecer novamente por ter me trazido para cá e ter cuidado de
mim, de verdade, você foi muito maneiro garoto!
— Mas você pode me dizer o que aconteceu e por que atiraram em você?
Chacal ficou pensativo, temia contar a verdade para aquelas pessoas e que de
alguma forma, eles pudessem ter problemas futuros por saber demais.
— Não fica bolado comigo...como você se chama?
— Ernesto e você?
— Carlos, se eu te contar...você pode ter problemas depois, por isso não
posso falar muito sobre mim mesmo e isso, eu faço para te proteger.
Neste momento, Dona Alzira entra no quarto levando um pouco de comida para
Chacal.
— Você precisa se alimentar bem para poder se recuperar e voltar de onde
veio!
Ela sabia que para que uma situação como aquela ter acontecido a uma pessoa,
certamente ele tinha alguma dívida para ser paga com aqueles homens ou com a
justiça e ela não poderia abriga-lo ali por muito tempo.
— Agradeço por tudo que a senhora fez por mim e o seu neto também, e não se
preocupe minha estadia neste lugar será breve...pretendo meter o pé assim que
eu puder andar.
Ernesto ficou triste ao saber que mal havia ganhado um amigo e já iria
perde-lo novamente.
— Agora vai terminar de comer e pegar as suas coisas para ir até a escola. —
A ordem da avó o deixou triste, queria insistir e saber mais sobre aquele
homem.
Ernesto se despediu de Chacal e então, Alzira e ele ficaram sozinhos para
poderem conversar melhor.
— Eu não quero me envolver em seus segredos e até os temo, mas eu só preciso
saber de uma coisa, você está fugindo da polícia?
— Não senhora, minha bronca é com uma facção carioca, mas eu não posso
entrar em nenhum tipo de detalhe sobre isso.
— Compreendo e até prefiro que fale nada.
— A senhora tem um neto muito maneiro, o coração desse leke é gigante.
Qualquer outro garoto da idade dele certamente ao me ver naquela situação, iria
ir embora sem olhar para trás, até mesmo por medo e isso seria o mais sensato,
mas Ernesto voltou para me dar uma moral e se fosse o meu filho, eu estaria
muito orgulhoso!
Alzira ficou comovida ao ouvir aquelas palavras sabia o quanto o neto
sonhava em ter uma figura paterna em sua vida, muito mais do que sentia a falta
da mãe, pois ela estava morta, mas o pai estava perdido por esse mundo afora e
isso despertava nele ainda mais sofrimento.
— Ernesto sente muita falta de uma figura paterna e ele sofreu muito desde
pequeno, o pai dele, e meu filho, se chama Marcelo. Ele se casou com uma jovem
e foram viver no Rio de Janeiro, pois ele havia conseguido um trabalho e estava
muito feliz, mas o que nenhum de nós sabíamos era que aquilo envolvia coisas
erradas. Logo a esposa dele descobriu que estava grávida, ela também era
usuária e nem sei como meu neto conseguiu nascer saudável, mesmo que ela
levasse uma vida tão desregrada. Certo dia, eles simplesmente apareceram aqui
na minha porta e disseram que o menino precisava ficar comigo pela sua própria
segurança, pressionei o meu filho para que dissesse toda a verdade e então ele
confessou que tinha uma grande dívida com o crime e por isso não poderia ficar
circulando por lá com um bebê nos braços. Perguntei quanto era aquela dívida,
que eu os ajudaria mesmo que não tivesse muito dinheiro e eu daria um jeito.
Faria até um empréstimo no banco, mas ele não quis saber disso e ainda disse
que não poderiam ficar muito tempo, pois podiam vir atrás deles aqui.
— Eu já vi muitas histórias semelhantes a essa, acontecerem no morro de onde
eu vim.
— Meu filho e a esposa voltaram para lá, a última vez que ele me deu
notícias foi para dizer que a mulher havia sido morta e ele conseguiu fugir
para um lugar onde ficaria de agora em diante. Os anos foram passando e ele
nunca mais voltou, essa é a grande dor que eu carrego na vida, mas eu sei que
quem sofre ainda mais do que eu é Ernesto. Ele não consegue pensar que o pai
fez tudo isso para protege-lo e se sente muito rejeitado por tudo e todos.
Chacal
A história daquela família me deixou triste, pois era semelhante a muitas
que eu já havia acontecido no morro do Éden, temos acolhido muitas pessoas com
aquela realidade e que estavam fugindo da morte. Se eu pudesse encontrar o pai
desse garoto e assim, retribuir tudo que ele fez por mim salvando a minha vida
naquela situação terrível.
Não posso pensar nisso agora, tudo que preciso é entender onde estou e como
vou fazer para voltar para o morro do Éden e resgatar Maria Victória...se é que
ela quer ser salva.
Eu já conseguia caminhar, perguntei para Dona Alzira onde eu poderia
conseguir um telefone.
— Você precisa ir até a vila mais próxima e pagar para fazer uma ligação.
Eu não tinha sequer um centavo, tudo havia ficado no Hotel Fazenda e a essa
altura, aqueles putos já deveriam ter limpado tudo que estava no quarto.
— Vou dar a você o dinheiro para que possa telefonar, não fica muito longe
daqui, mas procure não se esforçar muito!
— Valeu mesmo Dona Alzira!
Ela me entregou o dinheiro, mas eu agora tinha um probleminha um pouco maior
para resolver, minha camisa estava com os buracos das balas e ainda suja de
sangue. Pouco tempo depois, ela voltou com umas roupas nos braços.
— Tome aqui ainda existem algumas roupas que eram do meu filho e eu sei que
elas serviram para você então eu já me preparei e lavei algumas para que você
pudesse usar.
Eu nem soube o que dizer naquele momento, o que é aquela família estava
fazendo por mim era demais, eu apenas dei um beijo em sua mão em um gesto de
gratidão, tomei um banho e me arrumei. Sai caminhando na direção que ela me
indicou e em poucos minutos eu já vi a vila ao longe, entrei em uma vendinha
pequena.
— Bom dia meu camarada, preciso usar o seu telefone!
Entreguei o dinheiro para ele e disquei o número e eu iria conversar com um
dos meus homens de confiança, espero que ele ainda esteja vivo e possa me falar
um pouco sobre o que está acontecendo naquele lugar. Baratão não atende à
ligação por nada e isso me deixou preocupado, então eu tive que ligar para
outro.
— Não faça nenhuma expressão ou diga algo que possa denunciar que sou eu
falando com você ao telefone, entendeu meu brother.
— Si...sim!
[...]
Ele estava no depósito de armas, os homens de confiança de Meia-noite
os vigiavam o tempo inteiro, então ele precisou sair dali da frente deles
disfarçadamente para poder entrar em um dos banheiros e falar com um pouco mais
de privacidade.
— Chefia eu não acredito que o senhor está vivo...santa cacetada! Mas não se
preocupe, estou falando de um lugar onde eles não podem me ouvir.
— Certo, então preciso que me diga tudo que está acontecendo nessa bagaça,
por favor me fale de Maria Victória!
— Sinto muito patrão, sua mina agora está com Meia-noite, os dois estão
vivendo na sua casa junto com o irmão dela e a cachorra dele. Acho que o senhor
foi traído de dentro do seu próprio barraco.
— Isso não tem o menor fundamento, ela era vigiada por mim o tempo inteiro
como poderia estar tramando algo assim? Puta que pariu...
— Mas tem o arrombado do irmão dela, se o senhor pudesse ver a forma como
ele pegue fielmente os passos de Meia-noite...a parada é o seguinte, todos aqui
no morro do Éden se curvaram a ele no mesmo instante e o noiado disse que
pretende se casar em breve com a novinha e transformá-la na primeira-dama do Morro
do Éden.
As palavras dele fizeram o coração de Chacal se quebrar em mil pedaços,
Maria Victória poderia fugir se não quisesse se casar com ele, ainda assim,
Chacal preferia acreditar que ela estava sendo coagida de alguma forma e isso,
ele só poderia saber se chegasse até lá.
— Eu preciso de dinheiro para voltar!
— Pô Chacal, o senhor sabe que tudo que eu quero é que volte e tome logo o
morro de volta, a parada é que esses miseráveis tiraram todo o nosso dinheiro,
limparam as nossas contas para garantir que seremos seus fiéis escravos...e no
momento, eu não tenho nem um puto.
— Cacete! Eu vou dar um jeito, mas quero que vigie a mansão até que eu possa
chegar e que faça exatamente como eles fizeram...estudar o seu ponto fraco para
me passar todas as coordenadas.
Os dois desligaram, Chacal ficou pensando na possibilidade de Maria Victória
se casar com aquele assassino, ela havia relutado tanto para se entregar a ele,
não podia acreditar que faria isso tão facilmente para um monstro como
Meia-noite .
Os ribeirinhos da comunidade já começaram a sondar Dona Alzira sobre quem
era aquele homem que estava vivendo com eles. Naquele lugar tão pequeno as
noticias se propagavam feito rastilho de pólvora.
— Ele é meu sobrinho e veio de longe para passar uns dias aqui.
— Que estranho Alzira, nunca te ouvimos falar sobre ele!
— Deve ser porque eu nunca gostei de fofoca. — E pegou sua trouxa de roupas
e saiu de lá.
Ernesto voltou da escola e a primeira coisa que fez foi procurar por Carlos
(Chacal), ele ainda estava muito triste pelo que havia escutado e estava
sentado rente à margem do rio que passava praticamente na frente da casa e
assim que ouviu os passos do garoto, ele tentou mascarar sua própria dor.
— E aí meu camarada, como foi a sua aula?
— Não muito boa, eu acho que os números nunca vão conseguir entrar na minha
cuca...provavelmente a minha cabeça é feita de pau!
Chacal sorriu.
— Nada disso garoto, pode parecer caô, mas sempre fui muito bom com os
números, eu precisava fazer algumas continhas sobre o que entrava e saía do
nosso negócio...acho que eu posso te dar uma responsa nessa disciplina.
Os dois entraram em casa e Chacal passou toda a tarde ensinando matemática
para Ernesto, assim que voltou, Dona Alzira os viu tão juntos e mesclou
felicidade e um pouco de tristeza por saber que o neto estava se apegando a uma
pessoa que estava prestes a deixá-los.
Chacal
Não posso acreditar que a minha joia esteja nos braços de outro, eu nunca
havia entregue o meu coração para nenhuma outra mulher, pela primeira vez na
minha vida eu me senti fraco e vulnerável a um sentimento. Acho que o amor é
mesmo uma grande aposta e eu perdi absolutamente tudo o que eu tinha, mas nem
que seja para morrer nas mãos daquele miserável, eu tenho que voltar aquele
lugar e ouvir dos lábios dela que nunca me amou e tudo aquilo que nós vivemos,
foi uma grande mentira.
E se ela de verdade o escolheu, então os dois sentirão o peso da minha mão e
a minha vingança voltará ainda mais forte e severa do que antes...eu não a
perdoarei jamais.
Quando eu me lembro dos nossos beijos, juras de amor e o sexo deliciosamente
incrível que tínhamos...
— Tudo isso não pode ter sido apenas um sonho meu...mum sonho de vagabundo
regenerado!
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Atualizado até capítulo 60
Comments
Anna Cristina
estou amando kd capítulo
2023-10-12
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