Maria Victória
Eu estava folheando aquele álbum que encontrei dentro do quarto dele, havia
umas fotos de sua infância e ele parece ter sido muito feliz com sua família,
mas Chacal nunca tocava no assunto e pelas fotos parecia ter pelo menos uma
irmã. Logo Karina me chamou e eu me distraí do que estava fazendo, acabei
guardando-o dentro de uma das gavetas e me esquecendo por completo de olhar
tudo aquilo.
Karina já estava totalmente recuperada de seus ferimentos, então eu pedi
para que ela me acompanhasse até a Fundação e que a partir daquele momento, nós
duas passássemos a tomar conta do cadastro e das entregas de cestas básicas
para as famílias da comunidade.
Assim que chegamos, os homens de Meia-noite ficaram nos olhando surpresos,
sei que não será fácil para nenhuma de nós conseguir ter o respeito daqueles
verdadeiros animais, mas eu já me decidi sobre o que fazer com essa situação.
Vou atingir Meia-noite da mesma forma que ele fez com Chacal, mas eu serei
muito mais cruel com ele do que ele foi com qualquer um de nós...a vida me
ensinou que se alguém nos trai, devemos revidar ainda mais forte e isso Chacal
me ensinou bem.
— Quero que me dê licença dessa mesa, porque a partir de agora Karina e eu
tomaremos conta daqui!
Eu logo o reconheci, ele é o imbecil que me agrediu quando estavam me
trazendo naquele voo de volta para cá. O cara fez uma expressão de deboche como
se tivesse a total certeza de que a minha palavra não teria qualquer valor.
— Ah é, então onde está a permissão de Meia-noite? Até onde eu sei, você não
passa de uma piriguete afrontosa que era cachorra de um antigo dono, mas agora
mudou de mão.
— Piriguete afrontosa, que o seu chefe te fez cruzar vários estados para
trazer de volta, então trate de desinfetar daí agora mesmo, ou vai continuar
apostando que eu não tenho nenhum valor para ele?
Aquele homem virou uma verdadeira fera e saiu de lá, mas não para me dar o
lugar e sim, para tentar me agredir e se um dos outros capangas não entrasse na
frente, eu teria apanhado daquele covarde mais uma vez.
— Ficou maluco porra? Se você colocar a mão nessa garota fica sem a cabeça!
— Isso é o que você pensa, essa daí que está se achando porque esquenta a
cama do chefe, mas logo ele a troca por outra melhor.
Não pude suportar afronta daquele imbecil.
— Pode ser que isso seja verdade, mas até lá, você tem que me tratar muito
bem e então saia agora mesmo da minha frente!
O outro saiu puxando-o pela camisa.
— Caraca Maria, você está ficando maluca? Esses caras são loucos e podem
fazer mal a você num estalar de dedos, eles sabem bem como ferrar com alguém
sem levantar suspeitas.
— Eu não posso abaixar a cabeça para eles e de agora em diante essa é a nova
Maria Victória. Quando abaixamos a nossa cabeça para os inimigos isso os da
força, a partir de agora, eu serei como eles em todos os sentidos...até mesmo,
se chegar o momento de atirar em alguém.
— Sinto tanto te ver sofrendo por ele, esse cara tão maneiro de quem você
fala, nem parece ser o mesmo Chacal que todos nós conhecíamos.
— Você não sente mais do que eu que o vi ser enterrado vivo naquele lugar,
assim que eu retomar o morro a primeira coisa que farei, será mandar que tirem
o corpo dele de lá e dar-lhe um enterro digno, mas agora precisamos pensar nos
vivos. Meia-noite iria fechar a Fundação e deixar todas essas famílias desassistidas
e à mercê da fome, para ele, isso seria muito mais viável...assim os garotos e
os pais de família, não teriam outra alternativa a não ser entrar no mundo das
drogas e tráfico de armas que é alimentado por ele. Quando estávamos em Manaus
eu conversei com Chacal e tenho certeza que de alguma forma, havia conseguido
tocar o seu coração para que nunca mais recrutassem jovens para esse tipo de
vida, pelo menos não aqui.
— Talvez essa real que você mandou para ele, servisse para que de fato
Chacal desse um novo tempo para o morro do Éden...foi uma pena ele não ter tido
tempo.
— Infelizmente ele não está mais entre nós para lutar contra esses
infelizes, mas eu vou dar um jeito nisso.
[...]
Maria Victória e Karina tomaram a frente da Fundação para ajudar aquelas
famílias mais necessitadas, mesmo que o dinheiro que entrasse ainda fosse o do
crime, ela havia ganhado ainda mais inimigo. Aquele homem não deixou barato e
foi conversar com Meia-noite e ele não lhe deu muitos ouvidos, mas iria usar a
vontade de Maria Victória de estar à frente daquele projeto para se aproveitar
em benefício próprio.
Durante o jantar, ele tocou no assunto.
— Jack me falou que você e Karina foram até a fundação.
— Sim e estamos dispostas a ficar à frente disso a partir de agora.
Ele sorriu.
— Então acha que é assim basta decidir alguma coisa que eu vou acatar, você
precisa ser mais humilde, tá ligada!
— Chacal permitiria que eu fizesse isso.
— Mas eu não sou ele!
— Então está certo, feche a Fundação, mate meu irmão, me torture...e siga
como um líder de um povo que não te escolheu e não te respeitará jamais!
Ela se levantou para sair e ele então correu até lá e a impediu de sair.
— Tu é mesmo marrenta e ardilosa, eu terei que dormir com um olho fechado e
outro aberto ao seu lado, mas eu não escolheria outra mina que não fosse
firmeza como você!
— Então diga para os seus homens de confiança, que a partir de agora devem
me respeitar como sua mulher.
Maria Victória se aproximou dele e puxou o seu rosto colando seus lábios nos
dele, Meia-noite queria um beijo completo, mas ela se afastou dando apenas um
breve selinho e saindo dali em seguida.
Ele fechou os seus olhos e tocou os próprios lábios, estava encantado com
aquela mulher corajosa a única, nenhuma outra em todos esses anos foi capaz de
desafiá-lo.
Longe dali...
A relação próxima de amizade entre Ernesto e Chacal apenas crescia, mas
dentro do coração dele, uma dor e angústia muito grande castigava. Ele ainda
sentia breves dores nos locais onde havia sido baleado, ainda tomava os chás e
medicamentos usados por Dona Alzira para que pudesse se recuperar logo e ter a
sua vingança...mais do que se vingar, ele queria retomar tudo o que haviam
tirado dele inclusive Maria Victória.
A dor de saber que ela agora era de outro homem contra sua vontade ou por
escolha própria, doía em sua alma e ele pensa que nunca devia ter acreditado
nela um amor que dizia sentir.
Ernesto entrou no quarto e o viu chorar, sempre achou que Carlos era o
modelo de homem forte e que não se abalava por nada até mesmo pelo fato de
tê-lo encontrado daquela maneira tão terrível.
— Você está chorando porque sente saudades da sua casa?
— Oh garoto quase me matou de susto, sente-se aqui comigo.
Os dois sentaram lado a lado na cama.
— Na moral eu não sinto falta da minha casa, mas sim de uma pessoa especial.
— Seu filho?
— Não tampinha, eu não tenho filhos, mas adoraria ter se fosse com ela.
— Então é uma namorada? — O garoto sorriu.
— Uma ex-noiva, mas eu soube que ela já está com outro cara.
— Então ela não gostava de você e não é bom que fique sofrendo por ela desse
jeito.
— Tú é mais maduro que a metade dos caras que trabalhavam para mim e
inclusive cheira bem melhor que todos eles.
Os dois sorriram, mesmo que Chacal ainda guardasse muito sofrimento dentro
de seu coração.
Chacal
Estou sendo um completo de outra por sofrer por ela, mas nada disso irá
durar para sempre...era apenas mais uma cachorra que se aproveitou do meu poder
para tentar subir na vida.
Nós dois ainda ficaremos frente a frente e aí eu quero saber de toda a
verdade.
[...]
Alzira foi colocar Ernesto na cama e acabou se surpreendendo com um pedido
inusitado do garoto.
— Quando o tio Carlos for embora, eu quero ir com ele!
— Você enlouqueceu meu filho, não sabemos quem é esse homem nem de onde ele
veio.
— Eu sei que ele é um cara legal e para mim isso basta, eu quero que ele me
leve para o Rio de Janeiro e ele disse que é de lá...
— Esqueça essa ideia absurda, ele certamente está envolvido com coisas
erradas e nós dois sabemos disso, então por favor trate de colocar uma grande
pedra em seu passado.
— Eu só quero poder ver o meu pai uma vez e nem que seja e perguntar a ele
porque ele deixou.
— Meu amor, já conversamos sobre isso tantas vezes, ele fez isso para te
proteger.
— Eu não acredito nisso, se ele me queria bem deveria ter cuidado de mim e
não me mandar para os braços da senhora.
Naquele momento, os dois choraram ao relembrar aquele passado tão doloroso.
— Então eu não estou sendo suficiente para cuidar de você, é isso?
— Eu te amo muito vovó, mas eu tenho direito de saber tudo o que envolve a
minha vida e se a senhora ou ele, não me derem permissão eu irei escondido.
Ela ficou muito assustada e pensativa com aquela ameaça, sabia que o neto
era destemido e cedo ou tarde iria sair por este mundo, procurando por alguém
que não queria ser encontrado.
Então ela prometeu que pensaria naquela possibilidade absurda, rogou a Deus
para que Carlos fosse embora em uma madrugada e o garoto não se desse conta
disso.
Longe dali...
Maria Victória percebe que sua menstruação está muito atrasada, fica
preocupada, mas tenta não pensar em nada disso.
Assim que ela volta para casa depois do trabalho na Fundação, ela se lembra
de olhar aquele álbum de fotos por completo. Ela abre a gaveta e eu leva para
cama onde se senta com ele no colo.
Começa a folhear as fotos, mas adianta para a página onde havia
parado...havia um anúncio de jornal sobre o crime contra um homem cuja casa
havia sido invadida. Ela então avançou para as páginas seguintes, acabou
encontrando algumas fotos dela e de Luíz, além de uma foto do pai deles com um
imenso X em vermelho e marcada.
Ficou pensando naquilo e com certeza o que manteve Luíz e ela presos aqui no
morro do Éden por tanto tempo, não era simplesmente motivado pela dívida que o
irmão dela tinha de drogas, havia algo do passado que os interligava e
obviamente uma poderosa vingança, mas agora que Chacal estava morto,
dificilmente ela poderia descobrir toda a verdade. Talvez ele nunca tivesse
revelado nada disso a ninguém, ela imediatamente fechou aquele álbum de fotos e
o guardou de volta, tentando se esquecer de todas as dúvidas que pareavam sua
mente...já que nenhuma delas seria esclarecida.
Luíz e Karina estavam juntos, mas não da forma que ele gostaria, pois ela
estava muito magoada com as atitudes dele e não permitia uma aproximação mais
íntima...
Ela pensou que estava grávida dele depois daquela noite que passaram juntos,
mas toda a adrenalina e o medo que ela passou nos últimos tempos a fizeram ter
um intenso sangramento, certamente havia perdido o bebê.
— Acho que o que você quer é que eu coloque outra em seu lugar!
— Na boa Luíz, eu não me importo se você fizer isso.
— E todo esse tempo mentiram para mim, dizendo que você havia ficado
preocupada com a minha situação depois do envenenamento.
— E eu fiquei muito, tá ligado, o que eu não posso é querer estar junto de
uma pessoa por quem eu não tenho mais qualquer admiração.
Ela se virou para o outro lado e simplesmente adormeceu, deixando-o
pensativo e preocupado, mas o Luíz nunca foi do tipo de cara que dava o braço a
torcer e se ela queria mesmo medir forças com ele, então sairia perdendo. Ao
amanhecer, ele iria pedir para que Meia-noite rapidamente a tirasse desta casa,
já que não queria ser mulher dele, não tinha porque ela estar ali desfrutando
de toda aquela mordomia...quem sabe devesse voltar para o bordel de onde jamais
deveria ter saído.
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Atualizado até capítulo 60
Comments
Anna Cristina
amando
2023-10-12
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