Capítulo 20

Maria Victória

Eu estava folheando aquele álbum que encontrei dentro do quarto dele, havia

umas fotos de sua infância e ele parece ter sido muito feliz com sua família,

mas Chacal nunca tocava no assunto e pelas fotos parecia ter pelo menos uma

irmã. Logo Karina me chamou e eu me distraí do que estava fazendo, acabei

guardando-o dentro de uma das gavetas e me esquecendo por completo de olhar

tudo aquilo.

Karina já estava totalmente recuperada de seus ferimentos, então eu pedi

para que ela me acompanhasse até a Fundação e que a partir daquele momento, nós

duas passássemos a tomar conta do cadastro e das entregas de cestas básicas

para as famílias da comunidade.

Assim que chegamos, os homens de Meia-noite ficaram nos olhando surpresos,

sei que não será fácil para nenhuma de nós conseguir ter o respeito daqueles

verdadeiros animais, mas eu já me decidi sobre o que fazer com essa situação.

Vou atingir Meia-noite da mesma forma que ele fez com Chacal, mas eu serei

muito mais cruel com ele do que ele foi com qualquer um de nós...a vida me

ensinou que se alguém nos trai, devemos revidar ainda mais forte e isso Chacal

me ensinou bem.

— Quero que me dê licença dessa mesa, porque a partir de agora Karina e eu

tomaremos conta daqui!

Eu logo o reconheci, ele é o imbecil que me agrediu quando estavam me

trazendo naquele voo de volta para cá. O cara fez uma expressão de deboche como

se tivesse a total certeza de que a minha palavra não teria qualquer valor.

— Ah é, então onde está a permissão de Meia-noite? Até onde eu sei, você não

passa de uma piriguete afrontosa que era cachorra de um antigo dono, mas agora

mudou de mão.

— Piriguete afrontosa, que o seu chefe te fez cruzar vários estados para

trazer de volta, então trate de desinfetar daí agora mesmo, ou vai continuar

apostando que eu não tenho nenhum valor para ele?

Aquele homem virou uma verdadeira fera e saiu de lá, mas não para me dar o

lugar e sim, para tentar me agredir e se um dos outros capangas não entrasse na

frente, eu teria apanhado daquele covarde mais uma vez.

— Ficou maluco porra? Se você colocar a mão nessa garota fica sem a cabeça!

— Isso é o que você pensa, essa daí que está se achando porque esquenta a

cama do chefe, mas logo ele a troca por outra melhor.

Não pude suportar afronta daquele imbecil.

— Pode ser que isso seja verdade, mas até lá, você tem que me tratar muito

bem e então saia agora mesmo da minha frente!

O outro saiu puxando-o pela camisa.

— Caraca Maria, você está ficando maluca? Esses caras são loucos e podem

fazer mal a você num estalar de dedos, eles sabem bem como ferrar com alguém

sem levantar suspeitas.

— Eu não posso abaixar a cabeça para eles e de agora em diante essa é a nova

Maria Victória. Quando abaixamos a nossa cabeça para os inimigos isso os da

força, a partir de agora, eu serei como eles em todos os sentidos...até mesmo,

se chegar o momento de atirar em alguém.

— Sinto tanto te ver sofrendo por ele, esse cara tão maneiro de quem você

fala, nem parece ser o mesmo Chacal que todos nós conhecíamos.

— Você não sente mais do que eu que o vi ser enterrado vivo naquele lugar,

assim que eu retomar o morro a primeira coisa que farei, será mandar que tirem

o corpo dele de lá e dar-lhe um enterro digno, mas agora precisamos pensar nos

vivos. Meia-noite iria fechar a Fundação e deixar todas essas famílias desassistidas

e à mercê da fome, para ele, isso seria muito mais viável...assim os garotos e

os pais de família, não teriam outra alternativa a não ser entrar no mundo das

drogas e tráfico de armas que é alimentado por ele. Quando estávamos em Manaus

eu conversei com Chacal e tenho certeza que de alguma forma, havia conseguido

tocar o seu coração para que nunca mais recrutassem jovens para esse tipo de

vida, pelo menos não aqui.

— Talvez essa real que você mandou para ele, servisse para que de fato

Chacal desse um novo tempo para o morro do Éden...foi uma pena ele não ter tido

tempo.

— Infelizmente ele não está mais entre nós para lutar contra esses

infelizes, mas eu vou dar um jeito nisso.

[...]

Maria Victória e Karina tomaram a frente da Fundação para ajudar aquelas

famílias mais necessitadas, mesmo que o dinheiro que entrasse ainda fosse o do

crime, ela havia ganhado ainda mais inimigo. Aquele homem não deixou barato e

foi conversar com Meia-noite e ele não lhe deu muitos ouvidos, mas iria usar a

vontade de Maria Victória de estar à frente daquele projeto para se aproveitar

em benefício próprio.

Durante o jantar, ele tocou no assunto.

— Jack me falou que você e Karina foram até a fundação.

— Sim e estamos dispostas a ficar à frente disso a partir de agora.

Ele sorriu.

— Então acha que é assim basta decidir alguma coisa que eu vou acatar, você

precisa ser mais humilde, tá ligada!

— Chacal permitiria que eu fizesse isso.

— Mas eu não sou ele!

— Então está certo, feche a Fundação, mate meu irmão, me torture...e siga

como um líder de um povo que não te escolheu e não te respeitará jamais!

Ela se levantou para sair e ele então correu até lá e a impediu de sair.

— Tu é mesmo marrenta e ardilosa, eu terei que dormir com um olho fechado e

outro aberto ao seu lado, mas eu não escolheria outra mina que não fosse

firmeza como você!

— Então diga para os seus homens de confiança, que a partir de agora devem

me respeitar como sua mulher.

Maria Victória se aproximou dele e puxou o seu rosto colando seus lábios nos

dele, Meia-noite queria um beijo completo, mas ela se afastou dando apenas um

breve selinho e saindo dali em seguida.

Ele fechou os seus olhos e tocou os próprios lábios, estava encantado com

aquela mulher corajosa a única, nenhuma outra em todos esses anos foi capaz de

desafiá-lo.

Longe dali...

A relação próxima de amizade entre Ernesto e Chacal apenas crescia, mas

dentro do coração dele, uma dor e angústia muito grande castigava. Ele ainda

sentia breves dores nos locais onde havia sido baleado, ainda tomava os chás e

medicamentos usados por Dona Alzira para que pudesse se recuperar logo e ter a

sua vingança...mais do que se vingar, ele queria retomar tudo o que haviam

tirado dele inclusive Maria Victória.

A dor de saber que ela agora era de outro homem contra sua vontade ou por

escolha própria, doía em sua alma e ele pensa que nunca devia ter acreditado

nela um amor que dizia sentir.

Ernesto entrou no quarto e o viu chorar, sempre achou que Carlos era o

modelo de homem forte e que não se abalava por nada até mesmo pelo fato de

tê-lo encontrado daquela maneira tão terrível.

— Você está chorando porque sente saudades da sua casa?

— Oh garoto quase me matou de susto, sente-se aqui comigo.

Os dois sentaram lado a lado na cama.

— Na moral eu não sinto falta da minha casa, mas sim de uma pessoa especial.

— Seu filho?

— Não tampinha, eu não tenho filhos, mas adoraria ter se fosse com ela.

— Então é uma namorada? — O garoto sorriu.

— Uma ex-noiva, mas eu soube que ela já está com outro cara.

— Então ela não gostava de você e não é bom que fique sofrendo por ela desse

jeito.

— Tú é mais maduro que a metade dos caras que trabalhavam para mim e

inclusive cheira bem melhor que todos eles.

Os dois sorriram, mesmo que Chacal ainda guardasse muito sofrimento dentro

de seu coração.

Chacal

Estou sendo um completo de outra por sofrer por ela, mas nada disso irá

durar para sempre...era apenas mais uma cachorra que se aproveitou do meu poder

para tentar subir na vida.

Nós dois ainda ficaremos frente a frente e aí eu quero saber de toda a

verdade.

[...]

Alzira foi colocar Ernesto na cama e acabou se surpreendendo com um pedido

inusitado do garoto.

— Quando o tio Carlos for embora, eu quero ir com ele!

— Você enlouqueceu meu filho, não sabemos quem é esse homem nem de onde ele

veio.

— Eu sei que ele é um cara legal e para mim isso basta, eu quero que ele me

leve para o Rio de Janeiro e ele disse que é de lá...

— Esqueça essa ideia absurda, ele certamente está envolvido com coisas

erradas e nós dois sabemos disso, então por favor trate de colocar uma grande

pedra em seu passado.

— Eu só quero poder ver o meu pai uma vez e nem que seja e perguntar a ele

porque ele deixou.

— Meu amor, já conversamos sobre isso tantas vezes, ele fez isso para te

proteger.

— Eu não acredito nisso, se ele me queria bem deveria ter cuidado de mim e

não me mandar para os braços da senhora.

Naquele momento, os dois choraram ao relembrar aquele passado tão doloroso.

— Então eu não estou sendo suficiente para cuidar de você, é isso?

— Eu te amo muito vovó, mas eu tenho direito de saber tudo o que envolve a

minha vida e se a senhora ou ele, não me derem permissão eu irei escondido.

Ela ficou muito assustada e pensativa com aquela ameaça, sabia que o neto

era destemido e cedo ou tarde iria sair por este mundo, procurando por alguém

que não queria ser encontrado.

Então ela prometeu que pensaria naquela possibilidade absurda, rogou a Deus

para que Carlos fosse embora em uma madrugada e o garoto não se desse conta

disso.

Longe dali...

Maria Victória percebe que sua menstruação está muito atrasada, fica

preocupada, mas tenta não pensar em nada disso.

Assim que ela volta para casa depois do trabalho na Fundação, ela se lembra

de olhar aquele álbum de fotos por completo. Ela abre a gaveta e eu leva para

cama onde se senta com ele no colo.

Começa a folhear as fotos, mas adianta para a página onde havia

parado...havia um anúncio de jornal sobre o crime contra um homem cuja casa

havia sido invadida. Ela então avançou para as páginas seguintes, acabou

encontrando algumas fotos dela e de Luíz, além de uma foto do pai deles com um

imenso X em vermelho e marcada.

Ficou pensando naquilo e com certeza o que manteve Luíz e ela presos aqui no

morro do Éden por tanto tempo, não era simplesmente motivado pela dívida que o

irmão dela tinha de drogas, havia algo do passado que os interligava e

obviamente uma poderosa vingança, mas agora que Chacal estava morto,

dificilmente ela poderia descobrir toda a verdade. Talvez ele nunca tivesse

revelado nada disso a ninguém, ela imediatamente fechou aquele álbum de fotos e

o guardou de volta, tentando se esquecer de todas as dúvidas que pareavam sua

mente...já que nenhuma delas seria esclarecida.

Luíz e Karina estavam juntos, mas não da forma que ele gostaria, pois ela

estava muito magoada com as atitudes dele e não permitia uma aproximação mais

íntima...

Ela pensou que estava grávida dele depois daquela noite que passaram juntos,

mas toda a adrenalina e o medo que ela passou nos últimos tempos a fizeram ter

um intenso sangramento, certamente havia perdido o bebê.

— Acho que o que você quer é que eu coloque outra em seu lugar!

— Na boa Luíz, eu não me importo se você fizer isso.

— E todo esse tempo mentiram para mim, dizendo que você havia ficado

preocupada com a minha situação depois do envenenamento.

— E eu fiquei muito, tá ligado, o que eu não posso é querer estar junto de

uma pessoa por quem eu não tenho mais qualquer admiração.

Ela se virou para o outro lado e simplesmente adormeceu, deixando-o

pensativo e preocupado, mas o Luíz nunca foi do tipo de cara que dava o braço a

torcer e se ela queria mesmo medir forças com ele, então sairia perdendo. Ao

amanhecer, ele iria pedir para que Meia-noite rapidamente a tirasse desta casa,

já que não queria ser mulher dele, não tinha porque ela estar ali desfrutando

de toda aquela mordomia...quem sabe devesse voltar para o bordel de onde jamais

deveria ter saído.

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Comments

Anna Cristina

Anna Cristina

amando

2023-10-12

0

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