Capítulo 4

Chacal

A marrentinha pode ser filha de quem é, mas tem a boca mais gostosa que eu

já provei nessa vida. Não sei por que diabos eu fui tocar nela, agora fico com

isso na cabeça o tempo todo… bateram na porta da minha sala e mandei o

malandro entrar e quem sabe isso pudesse apagar aquela mulher da minha cabeça.

– O que foi dessa vez?

– Chefia deu ruim, os pegaram o Caveira e o Formigão no beco. Eu sabia que

não era boa ideia apagar o cara ontem no cabaré… barbarizaram com os dois

“leke”!

– Tu tem certeza do que está me falando?

– Os CAM entraram e acabaram com os manos ainda na madrugada, a conversa foi

longe, não sobrou quase nada para dar uma moral para a família e vão ter que

enterrar os pedaços!

[...]

Chacal colocou as duas mãos atrás da cabeça, ele e seus chegados sempre

mediavam as confusões entre os CAM e o Comando do Silenciador, tudo o que ele

menos queria era se indispor com uma das facções, afinal de contas o Morro do

Éden ficava no meio do fogo cruzado. Ter matado aquele cara para salvar Maria

Victória havia se tornado para ele uma declaração involuntária de guerra. Ele

foi de moto junto com aos seus subordinados, a cena era de filme de terror e os

caras fizeram questão de deixar um recado escrito com sangue.

Entregue a vadia ou o Morro vai sangrar!

Eles já sabiam de tudo, o motivo pelo qual Chacal teve que apagar o líder

deles. Agora Maria estava em maus lençóis e ele em um grande dilema: entregar a

filha de seu pior inimigo nas mãos deles e salvar as pessoas do morro ou seguir

com sua vingança mantendo-a sob seu domínio?

– Entrega a cachorra chefia, olha o que os caras fizeram? Imagina isso com o

pessoal que não tem nada a ver com a parada?

– Vamos voltar, limpa essa bagunça e leve o que sobrou para a funerária.

Avise a família que os gastos do velório ou eu que irei pagar. Tu é surdo

porra, vai de uma vez! – Chacal colocou os óculos de sol e voltou para sua

mansão.

Nas ruas do Morro só se falava no que havia acontecido no bordel, os

subordinados de Chacal resolveram não espalhar as reais causas da morte dos

dois aviõezinhos (vendedores de drogas) nas imediações do lugar.

Ele chegou em casa, uma de suas acompanhantes já esperava por ele de pernas

cruzadas e sentada em um dos sofás.

– Achei que não voltaria mais?

– Agora não, Priscila, não estou com clima!

– Você sem clima para me dar um trato? – Ela cruzou as pernas lentamente,

apenas para mostrar a ele que estava sem calcinha.

– Na moral, me espera lá no quarto… cachorra!

Ela saiu sorridente e piscou para ele, já sabia o caminho do quarto. Apesar

de Chacal não gostar de repetir as companhias de cama, Priscila era uma

profissional na arte do sexo e ele quase sempre abria uma exceção para relaxar

com ela. Ele desceu as escadas, pediu para o empregado que estava de vigia na

porta do quarto onde Luíz e Maria Victória estavam presos, abrissem a porta.

Maria levantou-se do chão, Luíz ainda sentia dores, mas fez o mesmo se

colocando na frente dela.

– Espero que estejam curtindo a hospedagem do meu humilde barraco.

– Sem ironias. Chacal, nos diga o que fazer para sairmos daqui? – Ela

perguntou olhando nos olhos dele, mas sua expressão trazia receio a ele e muito

medo da parte dela.

– Eu vim dar uma boa notícia, você está livre novinha. A porta da rua é

serventia da casa!

Chacal sorriu e abriu mais a porta atrás dele, Maria olhou para fora e

depois para o irmão. Ambos temiam aquele jogo perigoso.

– E quanto ao meu irmão?

– Pare de se preocupar comigo Maria, saia desse lugar maldito!

– Teu irmãozinho fica para pagar o meu deve, perdi dois aviõezinhos e

preciso de alguém para fazer umas entregas no lugar deles.

Maria chorou e abraçou o irmão.

– Meu irmão não vai virar um bandido de merda feito você e esses miseráveis

que cumprem as suas ordens!

– Ele já é um, falou para ela o que andou fazendo na quebrada? Teu irmão

além de um puta caloteiro é um ladrão dos melhores e/ou ele fica e me paga cada

centavo ou eu mando um vídeo comprometedor para a polícia? Prefere seguir as

minhas ordens ou pegar uma boa “cana”?

– Ele vem comigo, vamos sair daqui juntos e deixe que chamem a polícia.

Luíz concordou com a cabeça e os dois iam sair, Chacal permaneceu na frente

da porta e tirou do bolso o bilhete escrito com sangue entregando-o para Maria.

– O que é isso? – Ela sentiu nojo, mas leu o que estava escrito.

– Esse é um recado para nós dois, bonitinha, o filho da puta que eu matei

para livrar a tua pele é um cara perigoso...confesso que não tanto quanto eu,

mas ele é. Lá fora esse seu corpinho lindo está valendo tão caro quanto a minha

cabeça, se colocar a cara de fora, tá morta!

– Está mentindo para me deixar assustada.

– Olha para mim, acha que eu estou brincando? Me indispus com aqueles merdas

para te salvar e agora tu decide se quer ficar nas minhas mãos ou se arriscar

lá fora. Fala para ela Luíz, manda a real sobre quem são os CAM e o que eles

fazem com as vacilonas que caem nas mãos deles.

Chacal saiu deixando a porta aberta, Maria ficou assustada, mas queria muito

ir embora. Ela ia sair, mas Luíz segurou a mão dela impedindo-a.

– Vamos, vamos para casa! – Ela tentou forças um sorriso de esperança.

– Disse para mim que ele matou um cara no bordel para te tirar de lá, me

fala como ele era?

– Alto e careca.

– Ele era mesmo um daqueles arrombados, não posso te tirar daqui mana. Eles

são barra pesada e se sair nem sequer a polícia livra a tua cara, eles fazem

barbaridades com as pessoas que punem no tribunal deles. Maria pode parecer

loucura, mas a nossa maior chance de sobreviver é ficando aqui no Morro sob a

proteção do Chacal.

– Ficou maluco Luíz, tudo o que eu menos quero é a proteção de animal como

ele. Atirou no cara sem piedade e você acha que não será capaz de fazer o mesmo

com qualquer um de nós?

– Minha linda, mana olha para esse irmão idiota aqui na sua frente. – Ele

segurou o rosto dela próximo ao seu. – Eu já fodi com a minha vida, agora a sua

está em risco e risco de verdade. Não vacila Maria, esse maluco tá na tua.

– O quê? De jeito nenhum, ele é um doente mental...

– Mas tá na tua, lembra do que o papai sempre falava?

– Sinceramente não.

– Tu ainda era moleca, ele dizia: o inimigo do meu inimigo é meu amigo.

Ela negou com a cabeça, seria loucura aliar-se a um bandido para salvar a

própria vida. Luíz sabia o que a polícia fazia com jovens da comunidade, se ia

perder sua liberdade de qualquer forma, então que fosse para ficar junto da irmã

e protegê-la...

Chacal subiu para o quarto, Maria ainda precisava de mais provas para

decidir o que fazer.

– Onde ele está?

– Tá falando do patrão? – Ele sorriu mostrando dois dentes de ouro e coçando

a barbicha.

– Sim, do Chacal!

– Deve estar lá em cima, por que não vai e chama por ele?

Ele queria jogar a novinha na cama do patrão, sabia o quanto ele queria que

isso acontecesse, o jumento apenas se esqueceu de que Chacal já estava

acompanhado.

Maria passou pelos quartos e ouviu uns gemidos, resolveu voltar bem rápido,

mas Chacal a surpreendeu e os dois toparam seus corpos.

– Parece que Pri começou a festinha antes de mim!

– Pouco me importa o nome da vadia que te espera, que quero conversar com

você. Apenas nós dois...

– Uhm interessante, mas agora o dever me chama e depois do rango a gente

conversa.

Ela saiu furiosa.

Maria Victória

Tudo isso é uma grande mentira, não existe perigo lá fora. Se eu conseguir

chegar a uma delegacia, eu posso pedir para que venham buscar o meu irmão e quando

ele for preso toda essa palhaçada de chefe do morro vai acabar.

– Parada onde está!

– Achei que tinha dito que estava ocupado demais para falar comigo.

– Dispensei a Lud, outro dia ela me dará seus agrados. Vamos voltar para o

quarto e conversamos melhor.

– Para o quarto coisa nenhuma, eu quero uma prova de que esses tais inimigos

querem me machucar.

– Certo, São Tomé em versão gostosa!

Ele sorriu, mandou que servissem o jantar e Luíz juntou-se a eles. Maria não

quis tocar na comida...

– Sem fome? – Chacal perguntou dando uma boa garfada.

– Não sei se é uma boa ideia confiar em sua hospedagem.

– Na boa se eu quisesse te apagar, já teria feito isso!

Luíz e ele se olharam.

Maria comeu apenas algumas frutas, depois do jantar Chacal os levou para uma

sala onde seus comparsas prepararam um filme.

– Espero que apreciem o espetáculo.

Maria ficou horrorizada ao ver o estado dos corpos dos dois rapazes mortos e

saber de onde havia sido retirado aquele bilhete.

– Esses pedaços aí eram dos melhores lekes da quebrada, meus manos...aqui

oh! – Ele deu dois tapas no peito esquerdo sobre uma das inúmeras tatuagens. –

Rodaram por minha causa e por tua causa.

– Eu não te pedi para me salvar! – Ela chorava desesperada tentando não

olhar para a televisão.

– Desliga essa merda, minha irmã já viu o bastante. Olha para mim, não vou

deixar isso acontecer contigo!

Chacal sorriu e olhou para ela.

– Esse barraco aqui ficará aberto, pode sair quando quiser e se quiser

boneca.

– Meu irmão pode ficar aqui comigo?

– Tá de brincadeira com a minha cara...

– Ou ele fica comigo, ou nós dois vamos! – Maria barganhou, mesmo assustada

com a resposta.

– Desde que trabalhe para mim, de boa!

Deram a eles dois quartos, mesmo tendo escolhido ficar, Chacal pediu que seus

parceiros ficassem do olho nos dois para o caso de Maria resolver tentar fugir

ou chamar a polícia.

Maria

Para não entrar no caminho do diabo, eu acabei me colocando nas mãos dele.

Não quero que meu irmão acabe se tornando um desses homens sem coração, um

assassino como o Chacal. Estou com muito medo do que pode acontecer comigo aqui

nessa casa, mas tenho medo agora do que pode me encontrar lá fora.

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Comments

Anna Cristina

Anna Cristina

autora muito boa a história.

2023-10-10

1

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