CAPÍTULO 6

Astin tentava manter a postura. Estava perdendo a batalha pessoal com Cleavens, mas ela sabia que daria o troco no momento certo. Respirando fundo, manteve a calma e respondeu delicadamente ao seu futuro marido.

— Não. Claro que não. Eu acho que a senhorita Le Louvre se equivocou afirmando isso. Meu tio não está com problemas financeiros.

— Desculpe. Talvez eu tenha me equivocado mesmo.

— Tudo bem. Muitas vezes nos equivocamos, é absolutamente normal, principalmente com pessoas limitadas.

— Já experimentaram esse vinho? É de uma ótima safra. — Ewan novamente tentou mudar o assunto.

O almoço transcorreu com trocas de farpas entre as duas o que pareceu absolutamente normal aos olhos do Conde de Wisdow, que comia sem parcimônia e parecia alheio às indiretas das duas mulheres, que apesar dos sorrisos, era nítido o quanto se odiavam.

Apenas Ewan observava a tudo percebendo cada ataque, apesar de não fazer a mínima ideia do motivo. Quando o almoço acabou, Ewan se levantou da mesa e falou:

— Desculpem. Mas preciso me retirar. Tenho alguns assuntos para tratar em Windstone.

— Eu te acompanho até lá fora, pois também preciso ir. Se quiser você pode me acompanhar. Minha casa é caminho para Windstone.

Cleavens se levantou e acompanhou Ewan até a saída. Nesse mesmo momento, Astin viu a deixa para poder se levantar e ir, porém o Conde a segurou.

— Senhorita Boulevard. Quero que saiba que lhe darei de presente o vestido que quiser. Não importa o valor, não importa o tecido, não importa qual lugar desse reino. Mandarei o melhor alfaiate de Éferos vasculhar os quatro cantos do mundo. Tudo isso para demonstrar minha generosidade por você e claro, se realmente os boatos forem verdadeiros que seu tio está com as finanças ruins.

— Obrigada, Conde. Mas realmente não precisa. E esquece isso sobre meu tio. A senhorita Le Louvre foi indelicada e leviana ao explanar isso na frente de todos num almoço tão cortês.

— Não a interprete mal. Coitada. Devem ter passado alguma informação errada. A senhorita Le Louvre é um coração sem igual. Jamais faria ou diria algo para difamar alguém.

Astin pensou em aproveitar a situação e começar a expor Cleavens, mas depois que viu que o Conde tinha um carinho grande por ela, resolveu se segurar. Não era o momento de criar um conflito com seu futuro marido, mesmo que essa palavra ainda soasse tão dolorosa e detestável.

— Você está certo. Ela nunca faria isso. — Ela se levantou da cadeira.

— Onde vai?

— Acabei de me lembrar que tenho algumas coisas para resolver.

— Você tinha me prometido que passaria o dia todo aqui.

— Quando? Desculpe mas não me recordo.

— Da última vez que nos vimos no festival do vinho de Wisdom, há cerca de três semanas atrás.

Astin ficou olhando para ele, pois não se recordava de nada disso e então percebeu que não recordava mesmo. Provavelmente havia sido a antiga Astin, e por isso começou a se preocupar, afinal quais outras promessas ela teria feito?

— Desculpe-me. Verdade… mas estou tão cansada.

— Repouse por aqui. Como pôde perceber, a casa é grande. E meu filho não voltará tão cedo. Teremos a casa toda apenas para nós.

O Conde soltou um sorriso malicioso tocando em uma das mãos da jovem, que instintivamente recolheu a mão.

— Seria interessante. — Astin aproximou seus lábios do rosto do Conde que imaginando que receberia um beijo, juntou os lábios fazendo um bico e fechou os olhos, mas os lábios da jovem passaram longe dos seus indo em direção ao seu ouvido, e sussurrou deixando seus cabelos, pelos e bigode arrepiados. — Mas pensando bem, não estaremos sozinhos. Os empregados estarão aqui. Teremos outras oportunidades.

— V-você tem razão, você tem razão. — Ele sentia seu corpo suar.

Murdoc se recompôs depois do sussurro em seu ouvido e ajeitando sua vestimenta consentiu com a cabeça e ainda meio sem jeito, se despediu cordialmente da jovem que finalmente conseguiu ir embora.

Quando ela chegou do lado de fora, viu uma carruagem seguindo a estrada já um pouco distante e deduziu que fosse a de Cleavens. Sentindo-se chateada por não conseguir vir há tempo para evitar que isso acontecesse, começou a falar sozinho soltando insultos contra a mulher.

— Droga! Maldita Cleavens! Ela conseguiu.

— Conseguiu o que? — Uma voz masculina perguntou por trás dela.

— Ir com o fi…

Quando Astin se virou viu Ewan ao lado do seu cocheiro e de outro homem e sentindo-se envergonhada, sentiu seu corpo travar.

— Perdão, senhorita Boulevard, mas a senhorita estava falando sobre o que?

— N-nada. Na verdade estava procurando meu cocheiro. Onde você estava? — Astin foi em direção a ele fingindo estar nervosa. — Estou aqui a quase dez minutos procurando você.

— Desculpe, senhorita Boulevard. Eu estava alimentando o cavalo e dando água para ele.

— Entendo… então já estamos prontos para ir?

— Quando a senhorita quiser.

— Obrigada.

Percebendo que seu teatro havia dado certo, Astin foi se acalmando e colocou um leve sorriso no rosto ao ver Ewan parado na sua frente. Isso significava que Cleavens não tinha conseguido o que queria, então era sua oportunidade de convidá-lo.

Viajar ao lado de Ewan seria a realização de um sonho. Diversas vezes Astin havia sonhado com aquele rapaz e mesmo que ele não fosse o Conde de Wisdow, continuava sendo o mesmo belo e gentil rapaz por quem tinha se apaixonado pelas páginas escritas do livro.

— Pensei que tivesse ido com a senhorita Le Louvre.

— Ela bem que insistiu, mas depois eu pensei. Se eu fosse com ela, como iria voltar?

— É verdade. — Astin sentiu a sensação de um enorme balde de água fria caindo em sua cabeça.

— Então fui atrás do meu cocheiro e acabei encontrando o seu. Bom, preciso ir. Senhorita! — Ewan fez um gesto cordial com a cabeça e foi embora. — A viagem será longa.

Sem muitos rodeios Ewan saiu, deixando Astin sozinha para a sua longa viagem de volta para casa.

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