Irenoi

Irenoi

Capítulo 01

“Devido uma maldição lançada por um deus rebelde, que foi expulso do reino do fogo, as deusas dos três reinos; Água, Fogo e Ar, tornaram-se estéreis. Para que fosse possível dar continuidade as gerações, o guardião dos três reinos lançou uma benção sobre uma família humana, destinando todas as suas gerações futuras a serem prometidas aos deuses. E a cada mil anos, antes de tornar-se rei, um deus vem a terra para encontrar sua prometida..."

— E como ele encontra ela? Eles se casam? — perguntou Renata com seus grandes olhos escuros, sentada na primeira fileira, me olhando como se esperasse que eu tivesse a resposta na ponta da língua.

Fechei o livro em minhas mãos e coloquei sobre a mesa atrás de mim.

— Sim eles se casam e vivem felizes para sempre. — O sinal tocou no mesmo momento e sorri satisfeita.

Estava contando aquela história para crianças de sete anos, por aquele livro ser a única coisa que vi em minha bolsa na hora que entrei na sala de aula. Suzana, a professora da turma, teve um problema com o filho — como em quase toda semana — e pediu que eu ficasse na sala por meia hora até o sinal tocar.

Apesar de ser formada em pedagogia, eu trabalho como auxiliar de professora no infantil II, então tudo o que faço é auxiliar durante as brincadeiras e atividades, limpar cocô e ficar esperta para que eles não se machuquem. Isso quando a professora Inês não dá uma de esperta e me encarrega da agenda e outras coisas que são trabalho dela.

Assim que o último pai buscou o filho peguei minha bolsa sobre a mesa e saí caminhando pelo corredor barulhento, cheio de crianças e pais.

Com toda a minha falta de animação, segui para a sala dos professores onde encontrei Stefany, a professora mais chata que eu já tive o desprazer de conhecer. Ela é professora das crianças maiores.

— Você viu? — perguntou exatamente quando eu revirava os olhos entrando na sala.

— O quê? — Coloquei a bolsa sobre a mesa e fui em direção a cafeteira.

— O novo professor do nono ano.

Enchi uma xícara com café e voltei para a mesa. Me perguntava o quê eu tinha a ver com novo ou velho professor.

— Não. O que tem ele? — Puxei a cadeira e sentei colocando a xícara sobre o tampo de madeira rústica que brilhava de tanto que a faxineira limpava.

— É lindo, um homem alto de boa aparência, sorriso encantador, usa camisa social bem passada, tem alguns cabelos jogados na testa. Sexy demais, até as alunas ficaram cochichando interessadas.

— Que horror! — Fiz uma careta enquanto abria minha bolsa para retirar alguns papéis que Inês pediu que eu entregasse a coordenadora.

— Como assim horror? Você precisa vê-lo!

— Que horror você insinuar que as meninas estavam interessadas no professor!

— Mas não é o que essas "crianças" fazem? — Olhei para ela que fazia aspas no ar. — Não podem ver um homem mais velho...

— Stefany você é professora, devia ter vergonha do que está dizendo — repreendi e ela bufou. — Devia cuidar dessa língua.

Os olhos da mulher estavam fulminantes, como se eu tivesse dito algum absurdo e ela já ia abrir a boca para retrucar, mas outras professoras entraram na sala antes.

Eu já previa qualquer dia denuncia-la a secretária, pois conseguir ser a humana menos qualificada a educar crianças, mas infelizmente por aí existem muitas Stefany's que ninguém denuncia ou coloca elas em seus devidos lugares.

Voltei minha atenção para as folhas que estavam misturadas a toda bagunça em minha mochila, porque sim, eu prefiro usar mochila do quê uma bolsa que não cabe toda a minha bagunça e não combina nada com minha personalidade.

Quando o último sinal tocou as classes das crianças maiores começaram a sair e mais professores chegaram na sala. Por sorte eu já tinha terminado e ia almoçar.

Então, quando levantei, eu o vi. O homem alto exatamente como Stefany descreveu; lindo e sexy. Como se não bastasse o sorriso encantador, tinha também uma covinha do lado direito e observei isso ao vê-lo sorrir cumprimentando as professoras que se derreteram.

Os outros professores do sexo masculino o olhavam com desprezo, com certeza com inveja de sua beleza e carisma. Ele exalava carisma.

Como podia ser tão lindo?

Balancei a cabeça para clarear as idéias e sai da sala. Aquela era a reação de uma típica solteirona como a Stefany, que estava encalhada há anos.

Eu estava solteira por opção. Dizia isso a mim mesma quase todos os dias.

Naquele dia eu ia almoçar com minha mãe, que é enfermeira chefe no (HGM) hospital da cidade de Irenoi. Dona Emilia apesar de dar duro no hospital, quando não está trabalhando monta uma barraca no calçadão principal da cidade e vende seus artesanatos que consta em bonecas de pano e tapetes que ela faz enquanto supostamente descansa.

A casa de meus pais fica não muito longe da escola, mas eu não vivo mais com eles, optei por viver sozinha, lá pelo centro da cidade. Já faz uns dois anos que decidi deixar meus pais com sua privacidade. Eles são um casal muito namorador — se é que me entendem — e costumam viver com esse namorico em todos os cantos, isso quando não saem para passeios e assistem filmes românticos juntos. Eu como filha única e solteirona, não aguentei ficar presenciando isso por muito tempo.

Ser solteira e viver sozinha em uma cidade pequena infelizmente é motivo para fofocas.

Irenoi é cheia de simplicidade, cores vivas, muitas flores e fofocas pelos cantos dos muros. Localizada á beira do rio Iran, a cidade atrai muitos turistas. Na entrada fica o porto — local em que meu pai trabalha — onde grandes navios descarregam comidas, bebidas, entre outras coisas que abastecem não apenas o comércio local, como o de toda a região aos arredores.

Lá do porto, seguindo pelo calçadão que contorna o rio — e ponto fixo das barracas com artesanatos aos fins de semana -— você passa na frente da escola onde trabalho e também de algumas pousadas e bares, terminando a caminhada ao chegar no Lagosta — um dos maiores restaurantes da cidade, que além de ter uma ótima culinária, fica diante de uma vista maravilhosa para o rio e disponibiliza passeios de barco.

Se afastando do rio você encontra a avenida central, onde é localizada a maior parte do comércio local, mas nem de longe é meu lugar favorito. Ali perto fica a única praça da cidade, que é próxima também da reserva florestal, onde há uma área direcionada a trilhas no parque que possui um rio bonitinho que deságua no rio Iran. O lugar é repleto de flores, com um clima agradável, por isso costumo ir aos fins de semana, para relaxar um pouco enquanto leio.

A minha casa fica em um dos tantos becos estreitos, cheios de cores, entre a avenida principal e o rio. O casarão nas cores branco e azul, de dois andares, acomoda na parte de baixo a quitanda da tia Lena e subindo a escada pela lateral se chega em minha varanda pequena, cheia de flores e cadeiras azuis de ferro. A sala de casa é pequena, a cor predominante é um tom de verde clarinho que eu amo, mas o colorido está por toda parte. Não troco meu cantinho por nada, gosto da minha privacidade, de encontrar as coisas exatamente como deixei e os únicos sons que escuto vem da rua. Quando lá fora se cala, dentro de casa é total paz.

As pessoas não cansam de perguntar quando vou casar, como se estivesse velha demais e fosse obrigada a casar antes dos trinta. Aos vinte e quatro anos, não me sinto uma pessoa velha e nem sinto necessidade de trazer alguém para o meu mundo. Não quero ninguém bagunçando minha casa, apesar de que às vezes sinto falta de uma bagunça em meus lençóis, mas prefiro tudo exatamente como está, não preciso de um marido, nem filhos. Já tenho muitas crianças para cuidar na escola.

— Semana que vem é aniversário do seu pai, nós vamos fazer uma viajem — dizia minha mãe colocando o prato à minha frente. — Apenas um fim de semana.

— O que devo comprar pra ele? — perguntei enquanto misturava a comida no prato.

— Aquelas varas de pescar automáticas, não sei bem como é aquilo, mas semana passada vimos na TV e ele falou que queria uma. — Confirmei com a cabeça, trazendo a comida até a boca. — Chegou uma médica nova no hospital. A mulher é bonita, deve ser bem mais velha que você, tem cabelos escuros que batem lá na cintura, toda altiva com a voz firme. Até já se meteu em confusão quando deixaram um paciente grave esperando. — Eu apenas ouvia o que minha mãe tagarelava.

Ela gosta de ficar falando mais do que comendo e se eu fosse prestar atenção, às horas passavam e mal conseguiria descansar.

— Você vai ficar com a sala daquela professora hoje a tarde de novo? Ela vai pagar alguma coisa?

— Sim, mas só até sexta — respondi com a boca cheia.

— Não fala com a boca cheia. — Deu um tapinha em meu braço e levantei o olhar para encará-la.

— A senhora fica falando enquanto como! — Ela riu.

Minha mãe é jovem ainda — engravidou muito cedo. Seus grandes olhos castanhos são intimidadores, sempre me fitando atentamente enquanto como. Não herdei muito dela, carrego no rosto os traços de meu pai. Meus olhos pequenos são esverdeados, minha pele branca já é bronzeada do sol diário, enquanto os cabelos são de cor mel, com raiz lisa e o resto encaracolado, batendo pouco abaixo de meus ombros, com uma franja que cortei há anos e nunca mais permiti crescer.

— Não vejo a hora de você fazer o concurso público. — Confirmei com a cabeça. — Ah, quem eu vi hoje cedo foi a Victoria. Falou pra você aparecer lá no café. Sabe o que estavam fofocando? Que o Thomas tem um caso com outra, me pergunto quem é a doida...

— Mãe! — exclamei a interrompendo, em seguida tomei um gole d'água. — Primeiro que o Thomas ama a Victoria, segundo que ele é um homem lindo e sim, deve ter muita mulher que o deseja.

— Homem... — murmurou de forma irônica.

Eu odiava quando ela tocava naquele assunto. O fato de Thomas ser transexual, por mais que o tempo passasse, era motivo para fofocas e até eu já tinha entrado no meio delas devido ao fato de ser amiga de Victoria.

— Daqui a pouco vão dizer que é você a amante.

— Que digam! Não sou mesmo. — Fiquei em pé, levando o prato até a pia e comecei a lavar. — Essa gente devia ir procurar uma lavagem de roupa. Coisa chata! Se é solteira é porque pega todo mundo, se ta casado ta traindo, povo chato do caralho.

— Luiza, olha a boca! — Ri alto ao ouvi-la falar como se eu fosse uma criança.

— Paciência dona Emília, é o que eu não tenho com essa gente. Acredita que da sala da minha casa ouvi meu nome sendo pronunciado na quitanda da tia Lena?

— Falando o quê?

— Casamento, claro! Fui lá perguntar o quê de tão interessante estavam falando.

Mamãe riu.

Ela sabia que eu era do tipo que entrava em uma briga fácil, independente do assunto ser ou não comigo, e mais fácil ainda quando se tratava de fofoca a meu respeito.

Terminei de lavar a louça e coloquei na escorredeira, depois peguei um pano de prato para secar as mãos, voltando para a mesa.

— Você não arranja nem namorado, imagine casar.

— Justamente! E fique claro que não quero cobrança sobre isso, estou muito bem sozinha. — Vi o bico que ela fez, mas ignorei. — Agora vou descansar um pouco, daqui a pouco tenho que voltar.

— Descanse porque eu vou voltar para o hospital — dizia ela me seguindo para a sala. — Você e essas roupas de velha, desse jeito nunca vai encontrar ninguém mesmo.

— A senhora devia ser a primeira a me dizer para não usar roupas curtas. E não são roupas de velha, é um estilo retrô!

Dei uma voltinha exibindo minha calça cintura alta, frouxa, com cinto e um suéter largo por dentro. Confesso que não era a roupa mais bonita, mas foi a mais confortável que encontrei quando acordei atrasada. Também não era sempre que eu apostava num estilo anos 90, 80 ou seja lá qual ano seria.

Tinha que aproveitar também a sorte de Irenoi estar com o clima um pouco mais frio, ao ponto de me permitir usar suéter.

Deitei no sofá e fechei os olhos enquanto esperava a hora de voltar para a escola.

O hospital não ficava tão longe, uma rápida caminhada de dez minutos era suficiente, mas mamãe sempre saía antes de mim.

Faltava quarenta minutos para uma da tarde quando saí de casa, descendo a longa escadaria em direção a avenida do Rio, mas quando me aproximava da escola me deparei com uma aglomeração de pessoas na calçada.

Pretendia passar direto, mas aproveitando que o fraco sol do dia estava escondido atrás das nuvens e eu ainda tinha alguns minutos para bancar a curiosa, acabei parando para ver do quê se tratava.

Ao longe ouvi um barulho de sirene de ambulância, em meio às pessoas havia alguém no chão e uma mulher de longos cabelos escuros usando roupas em tons claros estava ajoelhada fazendo massagem cardíaca incessantemente, até o socorro chegar e ela rapidamente exigir aos gritos que abrissem caminho, pois as pessoas pareciam mais preocupados em vê o rosto do paciente do quê com a rapidez de seu socorro.

Em meio a toda aquela correria dos paramédicos colocando o paciente na maca e o levando para o carro, notei que ao pegar a bolsa do chão a mulher deixou cair a carteira aos pés de um homem que estava próximo e ao invés do indivíduo alertá-la, olhou para o lados, pegou a carteira do chão e ficou quieto. Notei que ela ia entrar na ambulância por isso gritei antes chamando sua atenção, me enfiando entre as pessoas, então ela parou virando para mim avisando aos paramédicos que fossem na frente.

Quando voltei a olhar para o homem, ele já dava as costas, mas antes que se afastasse agarrei em sua blusa e ele virou para mim com os olhos arregalados.

— Sua carteira caiu, mas esse senhor muito prestativo apanhou. — Mantive o olhar fixo ao do homem que vendo todos o encarando sorriu amarelo, estendendo a carteira para mim que puxei de sua mão.

Virei para a dona da carteira que já tinha se aproximado e estava ofegante, mas deu um sorriso recebendo o objeto.

— Muito obrigada, você salvou minha vida. — A mulher deu um sorriso cheio de alívio.

— Nada mais justo, você quem provavelmente salvou a vida daquela pessoa — falei vendo ela abrir a carteira e conferir.

— Muito obrigada mesmo. Pagarei um suco ou café, caso nos encontremos novamente — disse já se afastando.

— Não precisa se preocupar — afirmei dando um breve aceno e segui meu caminho para a escola, assim como todos já haviam seguido para seus destinos.

Com certeza eu a veria novamente, afinal em uma cidade pequena não é nada difícil isso acontecer.

.......

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...A história da Victoria e o Thomas, mencionados lá encima, é um conto que vou disponibilizar no próximo capítulo desse livro mesmo. 🤎...

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Comments

só zueira

só zueira

meu amor se é para ficar presa na vó faz um crime porque a pior maneira de ficar presa é a pessoa se casando 😂🤪

2024-06-12

1

Jérsica Santos

Jérsica Santos

Autora sua lenda mais uma história sua que começo 20/05/24

2024-05-21

1

Carvalho

Carvalho

essa é minha vibe 🤭

2023-06-02

1

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