Capítulo 09

— Luiza? — Ouvi a voz de Tália ao longe. — Estou de saída, você precisa trancar a porta. Deixei café pronto. 

Remunguei alguma coisa em resposta e estava prestes a cair na inconsciência novamente, quando um carinho em minha bochecha me fez despertar completamente.

Abri os olhos a tempo de vê-la sumindo de meu campo e visão.

Será que sonhei?

Depois de ouvir a porta sendo fechada levantei e fui trancar.

Passei a manhã cantando músicas infantis, quando minha mente estava em toda preocupação da noite anterior e o que precisava fazer durante a tarde.

Quando o último aluno se foi, segui para a sala dos professores onde mal entrei e já ouvi sobre uma reunião que aconteceria na sexta e eu tinha esquecido completamente. Não me demorei muito, saí antes do sinal das outras turmas para não ser vista pelo professor Petrus.

Passei no chaveiro que ficou de ir trocar as fechaduras às três da tarde. Por sorte o senhorzinho que fez as grades de minha janela tinha a tarde livre, ele disse que meu pai já havia encomendado a grade para minha varanda antes mesmo de viajar.

Pensei em passar no Café para falar com Victoria, mas percebi que não estava pronta para falar sobre meus sentimentos em voz alta.

Já chegava em casa quando tia Lena saia da quitanda.

— Disseram que ouviram gritos com seu nome ontem a noite — disse ela me fazendo parar.

Pensei antes de falar, mas não tinha uma desculpa convincente.

— E-eu não ouvi nada — disfarcei, colocando uma mecha de cabelo atrás da orelha enquanto olhava em outra direção.

— Que estranho. — Ela me analisou e dei de ombros. — Vai querer quentinha?

Confirmei e aproveitei para informá-la que naquela tarde viria o chaveiro e o homem da grade, mas deixei claro que foi a pedido de meu pai super protetor.

Com tia Lena era assim, tinha que informar logo, senão ela ia ter um troço sem conseguir atender os clientes direito, olhando em direção a minha casa.

Tentei estudar um pouco enquanto almoçava, já que a tarde seria longa, com gente rondando por aqui. Eu odiava fazer qualquer tipo de trabalho em casa, mas era necessário. Se possível instalaria até câmeras para não correr o risco de passar por aquilo novamente.

Eu não costumava ouvir sobre casas sendo invadidas em Irenoi. Dificilmente aconteciam casos que chegassem a alarmar toda cidade ou até mesmo uma rua tranquila como sempre foi a minha.

Era estranho e um completo azar que fosse acontecer justo comigo.

Depois que todos foram embora voltei a estudar.

Preparei um sanduíche para jantar e fiquei horas no sofá, tentando me concentrar, mas minha mente vagava sempre para Tália. Me perguntava se já tinha chego.

Eu nunca tinha visto uma médica tão pontual, que aparentemente passava tanto tempo no hospital. Geralmente as pessoas reclamavam que os médicos se atrasavam e quase não tinha atendimento, mas Tália vivia mais no trabalho que em casa.

Suspirei ao lembrar que a mulher com quem ela estava saindo era enfermeira. Lembrando a forma como sorriu antes de falar sobre ela.

Nunca tive a menor chance.

Naquele momento uma batida na porta me assustou.

— Luiza?

Era ela.

Deixei meu notebook de lado e levantei indo abrir a porta, onde avistei ela com os cabelos úmidos, usando roupas de casa mesmo.

— Deu tudo certo? — perguntou e eu confirmei. — Não ficou com medo? Digo, de ficar em casa a noite. Sem traumas?

— Digamos que minha mente fica muito ocupada para se preocupar com trauma. — Sorri pela primeira vez e ela fez o mesmo. — Entra.

Abri caminho e enquanto ela entrava lembrei do carinho em minha bochecha, naquela manhã. O gesto não era claro, ainda podia ser um sonho, mas eu preferia acreditar que foi real.

— Já jantou? — perguntou parando próximo ao sofá.

— Um sanduíche. E você?

Ela disse que comeu uma coxinha no fim da tarde e só, então me ofereci para fazer um sanduíche.

Enquanto pegava os ingredientes minha mente fértil trabalhava em algo.

— Se eu disser que dormi melhor na sua cama com você do lado, do que sozinha na cama da pensão — comentou ela sentando em uma cadeira, apoiando o cotovelo na mesa e o queixo com a mãoenquanto me observava.

Tália é a mulher mais linda que vi na vida e não há quem possa dizer o contrário.

Eu ficaria horas observando ela naquela posição, mas decidi focar no que fazia.

— É tão ruim assim? — Ela confirmou. — Então porquê não fica comigo?

A frase saiu da forma mais natural possível, enquanto eu mantinha a atenção no que fazia, demorando a raciocinar e perceber o que havia dito.

— Quero dizer, dorme aqui — empurrei o prato até ela. — Me sentiria mais segura e você dormiria melhor.

— Seria um incômodo...

— Claro que não! Eu não faria o convite caso fosse. Não sou de deixar qualquer pessoa entrar e ficar aqui por muito tempo.

— Está mesmo me convidando para morar com você? — Confirmei com a cabeça. — Não nos conhecemos a muito tempo.

— Mas... Agora somos amigas, não é? E meu santo bateu com o seu. Isso não acontece muito. Eu confio em você. Tanto é que te chamei ontem a noite.

— Você não pode confiar tão fácil assim nas pessoas.

— Eu não confio. É só você — esclareci e ela sorriu de uma maneira fofa.

— Hoje fiquei sabendo que a casa que ia ver essa semana foi vendida — falou com os olhos ainda no sanduíche, mas de repente me olhou, levantando um dedo. — Um mês! Vou ficar aqui por esse tempo e vou pagar metade das contas.

Sorri confirmando.

Nós decidimos que ela traria logo as coisas durante a noite, quando não tinha ninguém na rua, para não dar o que falar.

— Você se incomoda muito com o que dizem? — perguntou enquanto lavava o prato e eu limpava a mesa.

— É só que... — Suspirei largando o pano que usava para limpar. — Ninguém tem o direito de falar sobre mim ou pessoas próximas. E quando vejo acabo indo lá tirar satisfações. Mas de um tempo pra cá estou tentando evitar estresses. Não se preocupe, pode vir a hora que quiser, de todo jeito vão saber que saiu da pensão e tia Lena vai te ver saindo daqui.

— Ela vai perguntar?

— Com certeza!

— O quê dirá?

— Que aluguei um quarto. — Sorri observando ela terminar de enxugar o prato.

— É, mas você só tem um quarto e... Tem certeza disso? É a sua cama, seu espaço.

— Tália, eu não te chamaria se não tivesse certeza. Podemos comprar duas camas...

— Sim, claro. — Nós rimos.

Tália foi até a pensão e enquanto isso tentei organizar tudo para recebê-la. Mudei a roupa de cama e a rrumei um cantinho para ela por as coisas. Enquanto fazia isso me dava conta da loucura que estava fazendo.

Como conseguir conviver com a pessoa que eu tinha acabado de perceber estar interessada?

Talvez assim desencantasse de vez.

Eu sabia que não teria problema com ela por sermos um pouco parecidas e também pelo pouco que passamos juntas. Só não imaginava que seria tão fácil.

Dormimos praticamente na mesma hora. Ela disse que se mexe bastante dormindo, mas eu apago total. Ela acorda mais cedo e faz café. Deixa a cozinha, o banheiro e onde quer que passe com aparência de intocado. Até falei que não precisava se esforçar muito, mas ela deixou claro que era mania mesmo de organização. Eu não costumava ser tão organizada, mas tentava manter tudo no lugar para evitar trabalho depois, então quanto a isso nem eu ou ela nos preocupariamos.

A semana estava sendo cheia. Fiquei com a sala da professora Vanuza durante a tarde por dois dias seguidos, por isso preferi ficar na escola mesmo, usando meu tempo livre para estudar na sala dos professores. E claro, encontrei o professor Petrus mais que gostaria. Ele sempre tentava puxar assunto, fosse sobre as aulas ou meus estudos.

— Se quiser posso te dar um livro ótimo que comprei quando estava estudando para concurso — dizia ele, praticamente sentado na ponta da mesa enquanto eu batia a caneta em minha própria cabeça, me perguntando que horas pretendia sair e permitir que eu voltasse aos estudos, antes que os outros enchessem a sala e o sinal tocasse havisando o início de mais um turno.

— Estou bem com o material que tenho. Obrigada — falei voltando a olhar o caderno.

Foi assim quase todos os dias. Ele me via estudando e puxava um assunto.

Na quinta-feira a noite Tália avisou que sairia no dia seguinte e isso mais uma vez me fez lembrar que ela estava saindo com a enfermeira.

— Vamos ao cinema — dizia se encostando na parede, enquanto colocava pasta na escova de dente.

Eu estava sentada o sofá da sala tentando organizar meu material para o dia seguinte, me perguntando como conseguia lidar com o fato daquela mulher estar daquele jeito em minha casa, usando short e blusa curta, descalça, com os cabelos presos em um coque. Linda como só ela conseguia, mas falando sobre outra.

Forcei um sorriso tentando parecer convincente.

— Que legal — falei.

Na sexta a tarde tive reunião, por isso nem tive tempo para pensar muito sobre nada.

Chegando em casa no fim da tarde avistei minha mãe na quitanda da tia Lena, só então lembrei que meus pais tinham voltado de viagem na quarta.

— Aí está ela — disse tia Lena.

Minha mãe me olhou séria e não entendi o motivo de início. Ela se despediu da outra e subimos juntas.

— Mudou a fechadura da porta — comentou. — E está morando com a  médica?

Fechei os olhos brevemente, lamentando ter que me explicar sobre aquilo.

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Laris 😼

Laris 😼

MAIS POR FAVOR

2023-02-21

3

Cleidiane Oliveira

Cleidiane Oliveira

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2023-02-21

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