...POV Tália ...
Como tudo em minha vida até então foi muito bem planejado, eu tinha minhas economias para dar entrada em uma casa, por isso não me importei muito com luxo ao me mudar para Irenoi.
A pensão que me indicaram ficava em uma estreita rua que abrigava casarões de aparência antiga, mas todos com a pintura em dia e seus vasinhos de flores nas janelas e varandas, dando cor e vida ao lugar. A pensão ocupava grande parte da rua, seu interior era de corredores estreitos, com papel de parede antigo.
Caminhava seguindo a mulher que explicava sobre a maioria das pessoas alí serem turistas de passagem e que ela não se responsabilizava por barulhos estranhos durante a noite, mas afirmava que os moradores da cidade eram bem mais tranquilos. No segundo andar ela abriu a porta de um quarto. O tamanho era bom, a cama parecia confortável.
— A única refeição que oferecemos é o café da manhã — dizia.
Me aproximei do janelão que parecia balançar com o vento e abri o mesmo, me deparando com a vista para a rua. Me aproximei da grade e observei a calmaria lá embaixo, logo depois meus olhos foram para a casa do outro lado. No segundo andar, pela janela que estava aberta, através das grades onde ficavam alguns vasos de flores, pude ver algo como a sombra de alguém dançando. Eu podia ouvir um pouco da música, mas não parecia alto o suficiente para incomodar. Me peguei observando enquanto a senhora me explicava como funcionava o café da manhã, até que eu visse a porta do outro lado sendo aberta e de lá saiu uma moça. Ela regou os vasos presos na grade e acenou para alguém lá embaixo.
Por que fiquei olhando? Não sei. Era um dia comum e uma pessoa comum em um comercial de margarina. Não parecia como a vida real.
Cadê a correria e preocupação?
Havia uma tranquilidade e despreocupação naquele lugar e naquela estranha que eu provável não havia experimentado antes. Senti uma certa inveja ao vê-la na varanda de sua casa, regando vasos em plena segunda-feira, rindo de sei lá o quê.
— Vou ficar com o quarto — afirmei virando para a senhora que sorriu satisfeita.
Dias depois já acomodava minha pequena bagagem naquele quarto.
Como vendi absolutamente tudo o que comprei ao longo dos anos que trabalhei e vivi na capital, naquele momento estava praticamente começando do zero.
O hospital de Irenoi não é nem de longe um dos melhores do país, mas está entre os melhores do estado. Atendendo além da população da pequena cidade à beira do rio Iran, como também de Lírio e redondezas, por isso recebe residentes em medicina, a maioria de fora. Foi lá que minha irmã mais velha fez sua residência.
Na primeira vez que Geovanna voltou para casa parecia maravilhada com aquele lugar, que segundo suas palavras, era mágico. Eu quase podia ver as cores das ruelas e sentir o sabor das comidas que ela provou em Irenoi. Ouvia suas histórias atentamente, feliz com seu entusiasmo.
Eu era jovem e ela mais velha. Tive uma adolescência difícil com meus pais devido minha sexualidade, por isso fui morar com uma tia na época.
Geovanna tinha como meta comprar uma casa e me trazer para Irenoi. Ela queria abrir um consultório, casar e ter muitos filhos. Aos 28 tinha vários sonhos, mas uma fatalidade tirou sua vida. Até então eu não pensava em fazer medicina, mas desde sua perda me mantive firme na idéia de fazer acontecer tudo o que um dia minha irmã sonhou para si e para mim.
Na primeira vez que estive em Irenoi pude confirmar o que ouvi anos antes. Parecia até um lugar fora do país, de tão lindo e diferente de qualquer outra cidade que já estive.
...(…)...
Em meu primeiro dia no HGM fui apresentada a enfermeira chefe, Emília. Ela trabalha há anos no hospital e encarregou-se de me mostrar o lugar, assim como me deixou consciente de nossas limitações em relação a material e quantidade de profissionais.
Minha sala não era nada extraordinária, mas estava decorada com flores que Emília contou antes ter colocado alí para dar mais vida ao ambiente.
— Doutora, precisamos de você na emergência — avisou Felipe, um dos residentes, colocando apenas a cabeça para dentro da sala.
Enfim minha vida está começando aqui.
Ao chegar na emergência me deparei com uma menina que devia ter em torno de quatorze anos e sofreu um pequeno acidente de carro, ela chorava afirmando não sentir o polegar. Após examina-la concluiu que havia uma lesão no pulso direito.
— Faça um raio x do pulso e coloque uma tala — falei para a enfermeira. — A circulação está bem, mas acredito que o nervo mediano foi danificado. Cadê o responsável?
— Cadê minha filha? — gritou a mulher com o braço esquerdo imobilizado enquanto Felipe corria atrás dela, alertando que não terminou de examiná-la.
— Mãe! É a minha mãe!
— Ela precisa fazer um raio x... — expliquei, mas a mulher repentinamente segurou a gola de meu jaleco com a mão livre.
— Você precisa curar a mão da minha filha, ela tem um futuro brilhante pela frente! — A mulher me chacoalhou, mas em um movimento consegui afasta-la.
— Por favor, mantenha a calma e o respeito. — Tentei me manter tranquila.
— Senhora, por favor venha comigo — chamou Felipe novamente, tentando fazê-la voltar para a maca.
Em apenas uma semana pude sentir a intensidade que seria trabalhar naquele hospital. Foi então que entendi o porquê minha irmã gostava tanto de Irenoi.
Era inevitável passar por todos os perrengues diários e a correria de uma emergência, mas a beleza e paz que tinha aquela cidade era uma recompensa e tanto no começo e fim do dia.
Geralmente eu ia caminhando mesmo até o hospital, por não ficar tão longe do centro. Aproveitava a brisa na beira do rio Iran, seguindo pelo calçadão.
Em uma tarde que já estava se tornando comum, quando encontrei um homem sentado no meio fio, passando mal, chamei a ambulância e prestei os primeiros socorros em meio a toda aquela loucura, rodeada por pessoas curiosas que mais atrapalhavam que ajudavam. Eu não conseguia pensar em nada além de fazê-lo aguentar até o socorro chegar. Poderia dizer que seria um alívio, mas o trabalho continuava no hospital.
— Sua carteira caiu, mas esse senhor muito prestativo apanhou.
A moça me estendeu a carteira e observando seu rosto, a franja que lhe dava um jeito de menina, confirmei mentalmente que era a mesma da casa da frente. Aquela que costumava regar os vasos e dançar cantarolando.
Outro dia, passando rapidamente, a vi também na quitanda, conversando com aquela senhora que naquela altura eu já sabia viver na rua olhando quem ia e vinha.
— Muito obrigada, você salvou minha vida. — falei dando um sorriso, aliviada, indo conferir se estava tudo certo em minha carteira.
— Nada mais justo, você quem provavelmente salvou a vida daquela pessoa — disse ela.
Me ofereci para pagar uma bebia, mas recusou e se foi caminhando rua a baixo.
Ela tinha alguma coisa. Talvez uma luz. Uma aura que fazia parecer estar de bem com a vida.
Naquela mesma semana reencontrei Alice. Nos conhecemos na capital e nos tornamos colegas. Ficamos algumas vezes, mas ela já estava voltando para Lírio, por isso não fomos além.
— É um jantar beneficente — dizia ela enquanto almoçavamos. — Quero que conheça meus pais e pense sobre a proposta de atender ao menos alguns dias na semana no consultório deles em Lírio.
Alice vinha de uma família rica. Ela tinha tudo para ser só mais um rostinho bonito que vive às custas do pai, mesmo assim trabalhava como enfermeira no hospital de Irenoi, longe das vistas da família.
Desde que nos reencontramos contei sobre meus planos de comprar uma casa e claro, atender em um consultório seria um dinheiro muito bem-vindo, por isso aceitei ir ao jantar com a família dela.
...(...)...
Era sábado a tarde e eu havia conseguido um café na cozinha da pensão. Susane, a jovem filha da dona, era bem simpática e me deu aquele agrado. Me acomodei em minha cama puxando o notebook para meu colo.
A internet da pensão é péssima, mas não tinha como reclamar. Entrei em um site com o intuito de comprar algumas coisas que precisava, mesmo sabendo que chegariam dali uma eternidade, quando de repente um som alto me assustou. Aquilo era novo para mim. A rua estava sempre tão tranquila.
Em pouco tempo começou uma gritaria que me fez levantar e ir até o janelão, onde observei uma menina do outro lado da rua aos berros. Acabei rindo da cena, mas meus olhos foram para a casa da frente, onde aquela moça, encostada na grade, observava lá em baixo, rindo da situação, algo que me fez sorrir. A confusão parou e de repente seus olhos vieram para mim, então acenei antes de voltar para dentro.
Desde a primeira vez que a vi desenvolvi uma certa curiosidade. Quem sabe até interesse?
Ela é linda.
Como seria sua personalidade?
É solteira?
Foi por essas questões que se formaram em minha mente a cada vez que a estranha entrava em meu campo de visão, que insisti em oferecer uma bebida. Isso e também o fato de me sentir entediada durante a noite na pensão.
Naquele dia me peguei pensando sobre como seria conhecer o interior de sua casa, pois lá estavam seus gostos, suas manias, e ela, principalmente. Por isso fui pontual, bati em sua porta as oito da noite.
Como imaginei a casa tinha a cara dela. Linda, aconchegante e um tanto fofa.
Luiza é uma mulher feita, mas com certa ingenuidade de menina. Ela sequer sabia meu nome quando me convidou para entrar. Mas ela tinha aquela luz e aquele sorriso que me encantava de um jeito que se eu contasse a alguém, diria que só podia ser loucura.
Me deslumbrar com alguém que mal conheço? Não tenho mais nem idade para essas coisas.
Mesmo assim me peguei encantada por seu sorriso. Os olhinhos pequenos e a forma esperta com que desviava de perguntas pessoais, sempre trazendo o assunto para mim. Eu claro falei um pouco, mas sem entrar em muitos detalhes.
Por azar, fui vencida pelo cansaço e tive que ir embora. Mas enquanto nos despediamos me deixei levar. Tudo bem que mais de duas cervejas já ultrapassa meu limite de álcool, mas o que fiz foi só o reflexo do que gostaria de fazer desde que bati em sua porta.
Aquilo ficou em minha cabeça. Chegando na pensão eu só conseguia pensar que havia estragado tudo antes mesmo de tentar alguma coisa. Se é que eu tentaria. O que era ainda mais errado. Eu não tinha o direito. Eu não era assim. E ela parecia boa demais até para mim.
Não consegui dormir bem, mesmo muito cansada. Por isso o dia ainda nem tinha clareado e eu já estava em pé. Decidi deixar um bilhete antes de ir trabalhar, precisava me desculpar, então foi isso que fiz, deixei embaixo de um vaso sobre a mesa de fora.
Já estava em frente a quitanda, que ainda nem tinha aberto naquele horário, quando ouvi a porta lá encima. Pensei que era ela, mas olhando rapidamente avistei um cara saindo, por isso segui meu caminho tentando evitar ser vista.
Concluí que ela era hétero e ainda por cima tinha um namorado.
— A Lu já se estressou muito. Hoje em dia ela é mais discreta, sabe? Não gosta muito de fofocas, por isso evita dar o que falar — dizia Victoria enquanto eu tomava café, provando uma das especialidades de seu marido, que era um pão doce.
Eu havia comentado que até então a única pessoa de quem me aproximei foi a vizinha da frente, que por sinal Victoria contou ser sua amiga.
— Entendo, as coisas por aqui são bem... — Apenas sorri e ela confirmou.
Nos dias seguintes fiquei cada vez mais confusa. Luiza negou namorar, mesmo que eu tenha visto ela saindo com alguém.
Eu não sabia como entrar no assunto, ela sempre ficava nervosa e respondia com perguntas. Eu não queria deixar claro saber alguma coisa e bancar a fofoqueira que fica observando a vida dos outros, assim como todos na cidade. E depois da carona que o professor nos deu ficou claro que ela só não queria assumir nada, mesmo que ele tenha deixado claro gostar dela.
Naquele mesmo dia percebi que ficou para trás, ainda conversando com ele.
Quando eu já estava no quarto recebi a visita repentina, justamente do professor. Pra váriar eu tinha deixado cair minha carteira no carro.
— Posso te pedir uma coisa? — falou o homem de repente. — Me dá uma força com sua amiga. Estou tentando algo sério, mas ela está sendo bem difícil.
— Olha, eu não quero me envolver, não somos tão próximas assim e isso é uma decisão dela. Se não deseja algo sério e quer manter em segredo, porquê apenas não respeita seu tempo?
— O quê?
— Eu vi você saindo outro dia, pela madrugada.
— Hm, er... Ela não pode saber que você percebeu que temos um lance. Certo? Acabaria ficando sem graça. Ela é tímida.
— Não tenho intensão de me envolver na vida amorosa de ninguém.
Por mais que eu tivesse interesse nela, só me restava respeitar suas escolhas e fazer as minhas, por isso optei por tentar algo com Alice e apenas esquecer esse encantamento por Luiza, que pelo visto já tinha seus próprios problemas amorosos.
Mesmo assim estava sendo difícil, eu travava uma batalha interna comigo mesma. Parecia que a cada dia me interessava mais por ela, com quem não tinha absolutamente nada, do quê por Alice.
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Atualizado até capítulo 25
Comments
daniele cleffs da silva
Ai senhor então o prof é o tarado soca ele Talia que sem noção, Ai Talia fala para ela que gosta muito,muito dela é claro agora que vcs estão morando juntas claro que vc percebeu que ela gosta de tu né tapada 🙄🙄😉😉😉😉😉😉
2023-02-23
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Nataly Lopes
como assim ele entrou na casa dela,ele é pervertido
2023-02-23
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Aurea Mineiro
falei que ele é o maluco que entrou na casa dela 😅🥳
2023-02-23
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