Garota Nova

Passei a semana inteira pensando sobre como me livrar da péssima imagem que as pessoas tinham a meu respeito. Me distanciei de todos por um tempo, exatamente para ver se esqueciam de minha existência e finalmente chegasse o dia em que minhas marcas roxas de pessoa desastrada não significassem ter sido espancada por um ex namorado.

— James tem que sair dessa escola para que todos, incluindo você… — Apontei para Nath que estava encostada na pia do banheiro do colégio, onde eu andava de um lado para o outro, pronta para contar o absurdo que andei tramando. — Esqueçam completamente essa fase absurdamente negra em minha vida. — Parei colocando as mãos na cintura, olhando para ela. — Ele tenta ser um aluno exemplar, caso contrário perde a bolsa de estudos e os pais provavelmente cortam o pinto dele, mas quem sabe se um certo pacotinho suspeito surgir do nada em sua bolsa e alguém fizer uma pequena denuncia na diretoria...

Aquilo parecia a pior maldade que eu já tinha imaginado fazer na vida, mas eu queria minha vida de volta, pois estava cansada de ser taxada de ex namorada de traficante.

Quem eu era antes dele?

Eu costumava ser a garota mais feliz, mesmo com pais separados, a mais popular, por ser capitã das lideres de torcida. Respeitada entre todos, mesmo sendo amiga de uma estressadinha que brigava por tudo e com todos naquela cidade um tanto pequena e repleta de pessoas preconceituosas. Mas tudo isso, quatro meses antes.

Tive que deixar a torcida por causa de minhas enxaquecas devido as ressacas, que por sinal, mamãe nunca percebia por trabalhar demais. Quando Samantha assumiu as líderes, todos acharam que eu tinha sido expulsa, mas decidi deixar de lado, afinal não gostava muito daquilo, apenas gostava da maneira que era tratada por estar alí. Sair com James naquela época parecia mais interessante, era algo novo, ele me mostrava um lado da vida que eu desconhecia.

Depois de meses indo mal na escola, fui presa por culpa daquele idiota e ainda fui chutada em público. Por sorte eu nunca gostei dele o suficiente para chorar ou coisa assim, mas eu estava sim abalada.

— Estou dentro. — A resposta de minha amiga foi curta, mas satisfatória. Obviamente ela estava cansada dele tanto quanto eu.

Eric seria nosso cúmplice. De todos ele era o mais próximo a nós duas e apesar de as vezes parecer um delinquente, vinha de boa família, meus pais e os dele eram amigos de toda uma vida. Nele nós tínhamos certeza que podíamos confiar.

Eu não sei e nem quis saber de onde tirou aquele pacotinho com algum tipo de droga que me custou os olhos da cara e Natasha precisou colaborar também com algum dinheiro.

— Se eu vender alguns desse compro um carro novo — dizia ele rindo e eu não conseguia ver graça naquilo, estava farta do papo tráfico, só conseguia pensar em voltar a ser quem eu era.

Dois dias depois de bolar o plano estava tudo pronto. Era simples, colocar na mochila dele e avisar anonimamente a diretoria sobre alguém na sala possuir drogas. Eric faria tudo isso obviamente, afinal ele não tinha medo de se arriscar.

Quando recebi a maravilhosa notícia de que James foi expulso quase soltei fogos de artifício de tão feliz. Pelo que fiquei sabendo ele poderia ter sido preso por tráfico, afinal a quantidade de drogas era grande, mas os pais devem ter pago caro ou implorado de joelhos para que a direção não levasse o caso para a polícia. Senti um pouco de remorso, mas passou rápido.

Como imaginei, em duas semanas o assunto estava morto e enterrado, todos estavam empolgados com a festa beneficente que a primeira dama ia organizar e a escola ia ajudar. Eu consegui ser uma das principais organizadoras e pude respirar aliviada por me verem como tal e não mais como a ex líder de torcida chutada. Minha reputação estava novamente impecável. Consegui uma maravilhosa doação para o evento beneficente e estava muito empolgada com aquilo.

...(…)...

Naquele dia eu estava sentada na sala de aula anotando algumas coisas importantes em minha agenda, quando escutei o professor pedir silêncio e desviei minha atenção para ele que estava parado ao lado de um garoto. Muito bonito por sinal.

— Esta é Pietra, nova companheira de sala de vocês a partir de hoje.

Acredito que toda a sala estava com a boca aberta, espantados olhando a garota que caminhou até uma cadeira vazia e sentou tirando o gorro que antes estava em sua cabeça. A primeira vista parecia inacreditável, mas depois parando para observar melhor, ela realmente tinha traços femininos.

— Galera, vocês querem que eu mostre os peitos? — falou de repente, fazendo todos rirem.

Até mesmo a voz dela era mais grossa que a de uma garota normal, quero dizer, feminina.

Tentei ignorar as pessoas cochichando e voltei minha atenção para o professor. Não foi uma aula normal, afinal não era todo dia que uma garota com estilo tomboy chegava naquela escola.

No final da aula, após guardar meu material, peguei a pequena pilha de livros que havia levado para casa na tentativa de me dedicar um pouco mais aos estudos. Já estava saindo da sala quando ouvi um "ei" que me fez parar e olhar para trás. Achei estranho por se tratar da garota nova e ela realmente estava chamando a mim.

— Você é a garota que se meteu no meio do caminho e eu quase passei por cima com a bicicleta? — perguntou ela.

Arregalei os olhos, surpresa, afinal aquilo fazia semanas.

— Então foi você quem me deixou com uma marca roxa no braço. — Apontei para ela.

— Você quem estava onde não devia — rebateu com um sorriso no rosto.

— Mas se você fosse atenta, teria percebido que eu estava na sua frente. — Coloquei a mão livre na cintura enquanto na outra segurava os livros. Estavamos paradas na porta da sala que já estava vazia. — Eu fui a única que saiu ferida.

Ela sorriu mostrando os dentes perfeitos. Disccretamente passei os olhos analisando seu rosto e cabelos curtos. Usava jeans, com uma camisa e casaco por cima. Apesar da aparência meio desleixada, suas roupas pareciam ser de boa marca.

— Bem, vamos esquecer isso. Quer ajuda? — perguntou me fazendo despertar após a breve observação.

Eu nunca tinha visto uma garota daquelas ao vivo antes. Se existiam lésbicas na cidade elas eram bem discretas, jamais adotariam aquele estilo sabendo que todos iam apontá-las sempre.

— Não, obrigada, a biblioteca é bem aqui perto. — Virei e sai caminhando.

— Qual seu nome? — Ela me acompanhou e virei o rosto para olhá-la, me sentindo incomodada.

— Emily. — Olhei novamente para frente e continuei andando.

— Sou Pietra. — Revirei os olhos, me perguntando qual era a dela.

— Ah, eu percebi. — Mantive o tom de voz bem desinteressada.

Parei em frente a porta da biblioteca e dei-lhe as costas, entrando. Fui direto até a mesa de Ella, onde entreguei os livros e desejei boa tarde. Quando saí me surpreendi com Pietra que estava do lado de fora, aparentemente me esperando. Dei um suspiro cansado, a ponto de pedir que ela mantesse distância, mas decidi fingir não me importar e passei direto.

— Emily, é que... Estou meio muito atrasada na matéria e quero aproveitar para perguntar se você poderia... — Parei de andar, levantando um dedo em sua direção, na intenção de pedir que parasse de falar e felizmente ela pareceu entender.

— Olha Pietra, me desculpa. — Era estranho chamá-la daquela forma, sendo que ao olhá-la parecia que eu estava de frente para um garoto. Muito bonito, por sinal. — Eu tenho muitas coisas para fazer e... — Olhei para os lados, confirmando que o corredor estava vazio. — Sendo sincera, não ia pegar bem andar por aí com você. — Dei um fraco sorriso, virei e saí caminhando.

Percebi que ela ficou para trás, então respirei fundo aliviada e segui para o estacionamento, onde avistei minha mãe que tinha ido me buscar para me obrigar a ir fazer uma daquelas visitas a Marta.

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