18 • Rancorosa

Virei na cama pela milésima vez, cansada daquela perturbação em minha mente.

Após verificar o celular na cabeceira e conferir a hora, confirmando que já era quase três da manhã, levantei, indo até a janela onde abri a cortina e observei a cidade lá fora.

Antonella e sua resposta não saiam de minha a cabeça. Quando falei sobre estar em um hotel ela disse:

"Que bom está a salvo. Estou com Stella agora, depois nos falamos."

Não sei se ela estava me dando o troco ou eu só estava mesmo com a sensação de que merecia um.

Não sei porquê esperei que ela viesse correndo ao meu encontro. Talvez estivesse mal acostumada.

Dormi durante duas horas no máximo e quando acordei segui para casa, em um horário em que David já havia saído. Assim que entrei segui para o quarto onde procurei minhas maiores malas. Tentei colocar dentro delas o máximo de roupas e objetos possíveis, para não ter que voltar tão cedo.

Já saia do quarto quando me deparei com Megan.

— Já vai tarde, você não devia nem ter entrado na vida do meu filho.

— Tem razão, se eu soubesse que ia ter que  aturar uma velha chata feito você, não teria passado nem perto dele — falei apenas para irrita-la e lhe dei as costas puxando as duas malas com dificuldade.

— Tenha vergonha na cara e não procure meu filho nunca mais! — gritou ela.

Passei a manhã toda naquele processo cansativo de procurar um lugar confortável para ficar.

Apenas durante a tarde fui para a agência.

— Você está péssima — disse Stella ao me ver chegando. — Lembra do desfile da Karon amanhã, não é? Me diga que vai usar uma make melhor que a de hoje, porque essa não está servindo muito.

— Stella? — Parei, respirando fundo antes de virar para ela  — Faz um favor para mim hoje? Esquece que existo.

Voltei a seguir para minha sala onde tranquei a porta e me joguei na cadeira, trazendo as mãos ao rosto, tentando afastar a frustração que sentia. Todo o caos do noite anterior se misturava com a resposta de Antonella, que me deixava louca de raiva.

Ela esperava mais de mim? Eu também esperava, no entanto, estava tentando me redimir comigo mesma fazendo o que meu coração mandava.

Depois de um dia terrivelmente estressante, me arrastei para o pequeno apartamento que consegui alugar naquela manhã. Ficava próximo a agência, era mobiliado e custava bem caro, por isso não tomei como definitivo, mesmo assim parecia bom para tentar me estabilizar emocionalmente, até que finalmente pudesse pensar em um lugar melhor.

Meus olhos não saiam do celular, esperando algo que não veio. As únicas mensagens e ligações que recebi eram de David. Pedi que me desse espaço e tempo e ele não voltou a me procurar naquela noite.

No dia seguinte decidi que era hora de buscar uma nova assistente, caso contrário eu acabaria me perdendo completamente em meus compromissos.

Não consegui marcar no salão de sempre e consegui uma roupa para o desfile encima da hora, por isso acabei me atrasando para o evento. Tudo parecia estar caminhando para um grande desastre, mas mesmo assim consegui chegar ao desfile impecável.

Por dentro eu estava uma bagunça, mas por fora não havia nada do que pudessem reclamar. Principalmente porque eu não queria dar o gostinho de Stella criticar minha aparência novamente.

Assim que adentrei ao espaço avistei meu acento, a única cadeira vazia ao lado exatamente dela, minha sócia. Segui até lá e quando sentei vi, do outro lado da passarela, Antonella me encarando.

— Ela insiste em manter essa aparência idiota de que não somos casadas — comentou Stella assim que sentei e me viu olhando a outra. — Mas não tem problema, nossa vida está em casa.

Olhei para ela que se abanava com um leque, concentrada nos modelos que começavam o desfile.

Me esforcei para não olhar através da passarela, onde aquele par de olhos verdes pareciam tentar me tirar do sério.

Aquela mulher parecia estar com as garras cada vez mais cravadas em mim. Eu não conseguia mais desviar, fugir, fingir que não desejava ir além.

Quem era ela além da cama?

— Quem é você afinal, Venturi? — perguntei enquanto parava ao lado dela, diante do espelho do banheiro.

— Por que a pergunta repentina? — seus olhos estavam focados nas mãos que lavava.

— Não acha que me conhece mais do que eu a você? — Virei para ela que me olhou. — Você é casada, mas adora posar como solteira saindo com modelos  E Stella age como se isso fosse normal. Como consegue manipular ela dessa maneira?

— Manipular? — Ela sorriu e eu quase não fui capaz de me concentrar em mais nada além daquele sorriso. — Stella é uma mulher adulta que sabe o que faz.

Algumas mulheres entraram no banheiro e eu rapidamente desviei o olhar, notando ela sair em seguida.

Depois do desfile fomos para o coquetel, onde me peguei várias vezes observando de longe.

Interagi com algumas pessoas, notando que a editora conversava com um fotógrafo conhecido, peguei uma bebida pelo caminho e como quem não quer nada me aproximei.

Demos início a uma conversa desinteressante, até que o homem fosse chamado por outra pessoa e finalmente estivéssemos apenas nós duas.

— É impressão minha ou você está se esquivando até mim?  — comentou ela antes de tomar a própria bebida.

— Será que o fato de eu ser tecnicamente uma mulher livre, não te atrai mais? — me atrevi a perguntar.

— Por que acha isso?

— Você me ignorou completamente ontem e hoje está... Fria. — Eu tentava não deixar transparecer no rosto o foco de nossa conversa, sem deixar de observar vez ou outra ao redor.

— Estava ocupada.

— Com a Stella. — Tomei um gole da bebida.

— Não estou fria.

— Você está...

— Não, Brandon.

— Não adianta negar, Antonella.

— Tudo bem. Talvez eu seja um pouco rancorosa. — confessou ela me fazendo arquear as sobrancelhas. — Você trocou nosso jantar...

— O que preciso fazer para me redimir?

— Sobre o quê? — perguntou Stella chegando de repente.

— Sobre sua sócia ter sido um tanto rude em sua saída durante o coquetel de lançamento da revista — explicou Antonella, como se tivesse a resposta na ponta da lingua.

Eu quase sorri do quanto conseguia ser descarada. Será que ela já havia mentido para mim com aquela mesma naturalidade?

— Eu sempre soube que ela não era essa perfeição toda — comentou Stella.

Senti até mesmo uma arrepio ao ouvir aquela frase, lembrando que Beatrice mencionou algo parecido ao me confrontar.

— Que tal nos pagar um jantar como recompensa? — sugeriu minha sócia. — Uma jantar de casais.

Fiquei sem graça, mas sorri confirmando, afinal não estava em meus planos contar para ela que estava me separando.

Pedi licença e saí com o intuito de ir embora, quando meu celular vibrou. Era uma mensagem de Antonella.

"Hoje a noite, nossa suíte."

Sorri enquanto saia observando o celular e rapidamente digitei uma resposta.

"O que acha de vir conhecer meu apartamento?"

Enviei a mensagem, já com a cabeça trabalhando no que fazer para o jantar, antes mesmo dela enviar uma confirmação.

Segui direto para o supermercado no intuito de comprar ingredientes, utensílios e tudo necessário, tanto para o jantar quanto para deixar minha nova e temporária casa, com cara de casa.

Fazia tempo desde que entrei em uma cozinha para de fato cozinhar. Não lembrava a última vez que fiz algo para David ou para mim.

Passei o resto da tarde organizando as coisas no pequeno apartamento e quando encontrei um tempo para de fato me dedicar a cozinha, já era tarde.

Fiz um bife à parmegiana e salada. Organizei a mesa e por fim, corri para me arrumar um pouco.

A sensação de frio na barriga era algo bem novo, não era aquela ansiedade carregada de medo, assim como quando comecei a me encontrar com ela às escondidas.

...Obs: Leiam meu conto "Paixão de Verão" no novo evento LGBT. ❤️...

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