Capítulo 18

A primeira carta que li contava sobre um amor de outras vidas, fadado ao fracasso, mas que ganhou uma segunda chance.

Havia tanto sentimento em cada palavra que eu podia até mesmo sentir a dor, e quem sabe até o amor que aquela pessoa descrevia.

Parti então para a que conclui ser a segunda carta.

...✉...

...Talvez essas mãos trêmulas não sejam mais capazes de descrever exatamente como foi ter passado uma vida esperando alguém que nunca veio, mas que apensar de tudo ainda está disposta a esperar quantas outras vidas for preciso....

...Provavelmente ela não estava pronta para vir agora. Eu entendo e entendi isso durante todos os dias e anos em que estive aqui, mas agora que o alzheimer precoce está correndo minhas memórias pouco a pouco, tenho medo de perder tudo o que trouxe comigo....

...Passei praticamente a vida inteira tentando entender tudo isso....

...Em minha memória há duas versões dela e eu consigo decifrar exatamente o que senti pelas duas. No início era difícil aceitar ou entender que fui eu quem senti e vivi tudo aquilo, mas depois de um tempo, não havia mais como negar. A dor lembrada doía em mim, o sorriso do passado surgia em meu rosto ao mínimo pensamento, e o frio na barriga formava um vazio, impossível de preencher. ...

...Entendo os motivos que me trouxeram dessa vez sozinha. Ela ainda não está pronta, mas sei que me amou e vai me amar quando voltar. ...

...Não foi em vão o tempo que sacrifiquei por nós. ...

...E eu vou saber, vou sentir quando nos encontrarmos novamente....

...✉ ...

Li aquela frase sentindo uma angústia que me fez largar tudo e fechar a caixa.

Meu celular tocou me assustando, mas relaxei ao lembrar que era só o despertador. Eu precisava comer alguma coisa e me preparar para encontrar Charlie.

Tudo o que li ficou ocupando minha mente, o suficiente para não me dar conta do percurso até a casa, onde assim que o carro parou, foi preciso o motorista me chamar algumas vezes até finalmente acordar.

Quando toquei a campainha da casa a porta foi aberta pela mãe de Charlie que me recebeu dizendo que a filha havia saído, mas que voltaria logo. Ela me ofereceu um chá que eu recusei, mas com um pouco de insistência de sua parte acabei aceitando.

Fiquei sentada na sala de visitas, observando a decoração da casa, até a mulher voltar com o chá que depositou sobre a mesa de centro, onde observei algumas cartas.

— São cartas de tarô? — me atrevi a perguntar e ela sorriu confirmando, enquanto sentava no sofá a minha frente, se inclinando para pegá-las.

— Reconhece? — perguntou ainda com o olhar nas cartas.

— Minha mãe costumava receber em casa uma mulher que lia a sorte — comentei, pegando a xícara de chá e soprei antes de beber um pouco.

— Acredita em vidas passadas, Alice?

Fui pega de surpresa por aquela pergunta.

Talvez as cartas que li, antes de sair, tivessem me deixado sensível ao tema, ou o fato dela ter pronunciado meu nome de um jeito meio estranho.

— Eu não sei... — Era difícil afirmar ou negar.

— Mãe? — Charlie entrou na sala de repente e a mulher deu um breve sorriso antes de levantar. — Não está enchendo ela com histórias bobas, não é?

— Histórias bobas, Charlotte? — A mulher balançou as cartas que ainda estavam em mãos. — Vou deixar vocês a vontade.

— Desculpa te fazer esperar, minha mãe praticamente me obrigou a ir deixar uma encomenda — disse Charlotte, mas minha cabeça ainda estava pensando na pergunta da mãe dela. — Alice?

— Ah, tudo bem! — Sorri levantando.

— Pode ir na frente, até a sala, vou só no quarto rapidinho.

Eu confirmei e segui para a sala onde ao entrar sentei no chão com o intuito de calçar minhas sapatilhas, mas me peguei mergulhada em pensamentos, até Charlie já estar ao meu lado me chamando.

— Algum problema? — perguntou.

— Não — respondi dando um fraco sorriso, voltando minha atenção para as sapatilhas.

Eu claro, estava com a cabeça voando, por isso até mesmo cai durante um movimento e outro.

— Já chega, né? — disse Charlie desligando a música de repente. — Você não tá nada concentrada hoje.

— Desculpa, eu...

— Não tem que me pedir desculpa. — Ela se aproximou e juntas seguimos até o banco do piando, onde sentamos de costas para ele. — Qual o problema?

— Eu só preciso... ir pra casa — falei mantendo a cabeça baixa, tentando não pensar em nada que me deixasse ainda mais confusa.

Charlotte não me encheu de perguntas. Como sempre ela só concordou e foi comigo até a porta da frente.

— Tem certeza que tá tudo bem? — perguntou, dessa vez alcançando uma de minhas mãos, que segurou entre as dela. — Apesar de que essa seja uma pergunta idiota já que está bem óbvio que você não tá bem.

Eu acabei sorrindo, percebendo sua preocupação.

— Eu só estou meio... — Me calei ao ser surpreendida com a forma que ela me puxou e me abraçou de repente.

Foi como se ela tivesse apertado o botão pause em minha mente e todo aquele barulho havia dado uma trégua. Então eu pude só aproveitar a sensação de ter seus braços ao redor de meu corpo.

— Só fica bem tá? — falou baixinho, antes de se afastar e eu sorri confirmando.

Em casa, fui direto me trancar no quarto, mergulhando naquelas cartas durante todas as horas a seguir.

...✉...

...Desde sempre as memórias pareciam a ponto de me enlouquecer. Ler aquelas cartas não me toca o suficiente para sentar na janela esperando o amor, porque dessa vez, além de eu ter vindo com um prazo de validade curto, são tantas memórias ruins que tudo o que quero é esquecer....

...Por isso estou escrevendo agora, para dizer que nessa vida, não há palavras bonitas. Eu falhei em espera-la. Sinto muito....

...✉...

Não consegui fazer nada, nem comer direito ou nem pregar o olho a noite, reunindo tudo, tentando achar algum sentido que não fosse tão estranho e assustador quanto parecia.

No dia seguinte eu estava destruída de tão cansada depois de uma noite em claro, lendo e relendo aquelas cartas. O que mais queria era saber quem as enviou a mim, mas mesmo perguntando a minha mãe durante o café da manhã, ela disse apenas que deixaram na portaria. Eu ainda perguntei ao porteiro, mas ele não lembrava.

— As câmeras de segurança! — disse Laura, que entrava comigo no vestiário, depois de ter explicado a ela que minha cara de morta viva se dava ao fato de ter recebido uma caixa com cartas que me mantiveram acordada a noite toda.

Claro que não contei sobre o conteúdo.

— Isso! — falei um pouco mais animada e ela sorriu.

— Mas essas cartas eram de amor? Algum pretendente? Ou quem sabe de uma certa bailarina? — Ela sorriu batendo o ombro no meu.

— Nada a ver com isso, mas depois te conto! — falei parando em meu armário, sabendo que ia enrolar ela e acabar não contando nada.

Depois de guardar minhas coisas e pegar meu uniforme de torcida, fechei o armário exatamente quando Charlie entrava. Foi automático sorrir e ela correspondeu, se aproximando.

— O que faz aqui? — perguntei já que naquele momento só estavam as líderes de torcida se preparando para o jogo.

— Vim te desejar boa sorte — disse ela se apoiando no armário e eu olhei ao redor, havia apenas algumas meninas no fim do vestiário.

— Não vou fazer nada demais hoje, nem consegui treinar ontem — lamentei, me apoiando no outro armário.

— Por isso mesmo vim aqui, te lembrar que é capaz.

Eu sorri sentindo ela segurar minha mão e apertar, antes de sair.

Fiquei com aquele sorriso bobo observando até Marcela passar por ela na porta.

— O que a princesa fazia aqui? — Ela sorriu. — Me ver antes do jogo? Nossa!

— Não viaja Marcela.

Antes de seguir até a quadra liguei para minha mãe pedindo que ela verificasse com o porteiro as imagens de segurança, já que se eu pedisse, provavelmente ele ia acabar não mostrando.

— Por que está tão interessada em saber sobre isso, filha? Tinha alguma coisa ruim dentro daquela caixa?

— Não mãe, só é estranho não ter remetente.

— Tudo bem, vou ver o que consigo.

Assim que desliguei corri para a quadra que já estava fervendo. Quando as líderes entraram a gritaria foi quase insuportável, mesmo assim eu amava aquela energia.

Entramos primeiro e nos posicionamos para receber os jogadores.

Enquanto eu balançava os pompons, meus olhos iam para a arquibancada onde não demorei a avistar Charlie que sorriu acenando. Observei por um tempo aquele sorriso, tentando não transparecer o quando mexia comigo, até que:

..."...eu vou saber, vou sentir quando nos encontrarmos novamente."...

A estranha lembrança daquele trecho da carta veio junto a um mal estar que me deixou tonta de repente. Em questão de segundos tudo virou um grande borrão e eu apaguei.

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Comments

Ju Sato

Ju Sato

Aí ai a autora joga essa é sai assim sem mais nem menos, vocês autores amam esses suspense ( Eu nem tanto) mim resta esperar

2022-11-27

1

Cleidiane Oliveira

Cleidiane Oliveira

QUERO MAIS

2022-11-27

1

Nataly Lopes

Nataly Lopes

Como assim?? É hora sela brilhar

2022-11-27

1

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