Capítulo 14

Eu quase não conseguia prestar atenção nas aulas, minha mente ficava sempre vagando e voltando para a tentativa de lembrar ter visto Charlotte naquele dia do acidente, mas parecia que eu tinha bloqueado aquela memória.

Entre uma aula e outra, observei uma movimentação no quadro de avisos e ao me aproximar, afastando quem estava em minha frente, vi que se tratava de uma lista para os interessados em participar de uma apresentação artística na semana de eventos. Eu tinha o total de zero interesse, afinal nem em forma para aquilo estava, mas pedi a caneta da menina ao meu lado, para inscrever as líderes de torcida.

— Posso assistir aos treinos? — perguntou Charlotte, que surgiu ao meu lado.

— É só para as meninas — expliquei. — Vou ver com elas depois.

— Por que não vai?

Eu não queria dizer que me sentia insegura o suficiente para não tentar. Nunca fui insegura daquele jeito, pelo contrário, sempre estive disposta a tudo sem medo.

Apenas sorri dando de ombros, entregando a ela a caneta e saí.

— Cadê ela? — perguntava Marcela, sentada ao meu lado no refeitório. — A essa hora já devia estar ali com seu refri. Ela devia ser mais saudável, não acham? É uma profissional do balé.

— Profissional? — Laura riu.

— Vocês não viram o que essa garota fez na última aula. Ela está anos luz a nossa frente. Por isso a Lorena a odeia, é pura inveja!

— Eu acho que você tá exagerando — falei. — Não tem porquê ficar tão obcecada por...

— Olha ela ali! — Marcela riu toda animada e meus olhos foram automaticamente para o segundo andar. — Ai droga, vou ao banheiro.

Marcela saiu e Laura me olhou comprimindo os lábios, tentando não rir. Eu sabia que ela queria falar alguma besteira, mas fiz minha melhor cara de "fica quieta" e continuei comendo meu lanche.

Mas por que era tão difícil manter minha atenção e os olhos na comida? Precisei me policiar para não levantar a cabeça uma vez sequer e observar a novata, mas todo meu esforço foi por água abaixo quando Marcela surgiu ao lado justamente dela.

— Olha quem veio se juntar a nós! 

Laura riu me olhando.

— Oi meninas — disse Charlie puxando a cadeira ao meu lado esquerdo, sentando logo em seguida. — Espero não estar atrapalhando.

Marcela observou a situação, percebendo que a cadeira dela ficava a minha direita e me lançou um olhar, claramente desejando que eu trocasse com ela, mas não fazia sentindo Charlotte sentar ao meu lado e eu de repente me afastar, então fingi não prestar atenção em minha amiga.

— Magina, é uma honra ter a melhor aluna do balé em nossa mesa — disse Laura de maneira exagerada e eu me segurei para não rir de sua idiotice.

Fiquei tão sem jeito de repente que até me sujei com ketchup. No mesmo momento estiquei a mão para pegar um guardanapo, mas antes disso Charlie já estava em entregando um. Eu virei o rosto para olhar ela que sorriu e novamente meu coração ficou batendo descontrolado.

— A pequena furacão tá calminha ultimamente — comentou Laura de repente e eu rapidamente peguei o guardanapo, desviando o olhar que antes estava na novata. — Tenho até estranhando ela não estar fazendo barulho nesse refeitório.

— Realmente Ali — concordou Marcela. — Você voltou marcando território, mas depois deu uma acalmada. Charlie, a Alice sempre anima essa escola toda, você não tem noção, até porque quando chegou ela ainda estava afastada. Sem contar o quanto ela arrasa os corações e passa o rôdo nos meninos. Ai caralho você quer quebrar a minha perna, Alice? — gritou a última frase devido ao chute que dei em sua canela por baixo da mesa.

Laura riu alto e eu notei por minha visão periférica Charlie também sorrir.

— Não exagera, Marcela — falei antes de pegar o refrigerante e beber. — Eu acho melhor ir na frente, preciso pegar uns livros no armário, antes da aula.

Levantei pegando o resto do meu lanche e segui até o lixo onde joguei, depois sai do refeitório.

— Alice? — chamou Charlie e eu parei virando, logo vendo ela praticamente correndo atrás de mim. — Você tá livre hoje a tarde?

— Eu acho que... sim.

— Topa me encontrar em um lugar?

Eu dei uma breve olhada para os lados enquanto pensava sobre, mas depois confirmei, antes de seguir meu caminho.

Aquilo foi suficiente para me fazer perder toal foco em tudo o que fiz durante o resto do dia.

Percebi que fui burra por não perguntar nada a ela, afinal não voltei a encontra-la e não sabia como poderíamos nos falar, já que eu nem tinha o número dela.

Quando cheguei em casa fiquei com aquilo na cabeça durante horas, até que meu celular vibrou com uma mensagem de Laura dizendo que deu meu número pra Charlotte e em seguida chegou uma mensagem da própria, com um endereço.

...(...)...

Toquei a campainha da casa que ficava em um condomínio fechado e muito bem localizado. Charlie não demorou a surgir abrindo a porta e eu sorri meio sem graça.

— Entra — disse abrindo passagem e eu entrei devagar. — Relaxa porque não tem ninguém em casa. — Vem comigo!

Era pra relaxar?

Segui ela que entrou em um corredor e na última porta abriu, revelando um estúdio de dança, com direito a grandes espelhos, barra e no canto, havia um piano de cor branca, lindo e imponente.

— Tá explicado o motivo de você ser tão boa — falei observando o ambiente.

— Não tem nada a ver com isso — disse ela virando de frente pra mim e de repente segurou minha mão, me puxando para dentro. — Tem a ver com confiança. Cadê o furacão que suas amigas falaram?

— Tá mais pra brisa leve.

— Eu quero te ajudar — disse soltando minha mão. — Todas as tardes, aqui, até o evento.

— E-eu não sei...

Eu não costumava ser covarde, mas nos últimos tempos me sentia mais insegura que jamais fui antes.

— Você pode fazer isso. Nós podemos... — Enquanto falava ela levantou minha mão e me fez girar de repente.

— Tá louca?— Ri, mas meu sorriso sumiu quando ela me puxou de uma vez e me choquei contra seu corpo.

Logo uma de suas mãos estava em minhas costas e seus olhos cravados nos meus. Me senti um tanto assustada diante daquele movimento. Meu coração parecia incapaz de bater normalmente.

— Tenta relaxar — pediu, quase em um sussurro, mas eu mal conseguia respirar com o corpo dela tão junto ao meu. — Lembra a música que eu estava dançando naquele dia? — Eu confirmei. — Fecha os olhos e finge que ela tá tocando agora. — Eu engoli em seco antes de fechar os olhos.

Devagar ela nos moveu de um lado para o outro, em uma dança. O silêncio se instaurou no ambiente e minha mente vagou até aquele dia. Aos poucos eu era capaz de ouvir perfeitamente a melodia.

— Você sente a música? — perguntou. E eu, mantendo os olhos fechados, confirmei. — Consegue descrever?

— É suave e... doce — falei abrindo os olhos e vi ela sorrir confirmando.

—  É suave e doce — repetiu e no mesmo momento algo estalou em minha mente, me assustando o suficiente para me afastar rapidamente.

— Qual o problema? — perguntou confusa.

— Na-nada — respondi, tentando afastar aquela sensação estranha de déjà vu.

— Ok, vamos fazer assim. — Charlie se afastou e quando voltou tinha uma venda nas mãos. — Você confia em mim? Eu sei que é idiota perguntar quando nos conhecemos a tão pouco...

— Confio — confirmei e ela sorriu.

— Tira os sapatos — pediu e eu rapidamente me afastei e os tirei, depois voltei para o centro da sala onde ela se posicionou atrás de mim e vendou meus olhos.

Senti Charlotte se afastar e não demorei a ouvir o som das teclas do piano, que ela pareceu tocar, inicialmente, apenas para me deixar ciente do que faria.

— Eu quero que esqueça que estou aqui e se concentre na música. Mas o mais importante, assim como você afirmou ter confiança em mim, quero que tenha confiança em si mesma e se permita envolver pela melodia.

Eu engoli em seco antes de confirmar com a cabeça.

Charlotte não demorou a começar tocar e eu tentei ao máximo me concentrar na música, mas minha cabeça sempre levava a imagem dela tocando e por um minuto eu queria poder vê-la.

— Sente, Alice — disse ela percebendo o quanto estava travada no mesmo lugar.

Naquele momento ela parecia estar chegando na parte da música que ouvi naquele dia e a imagem de seus movimentos tomaram minha mente.

Ela parecia tão leve e entregue.

Devagar movi meus braços, elevando o suficiente para fazer um arco, de maneira bem suave — um pouco mais lento do que a música, que parecia chegar em um ponto alto — aumentando gradativamente, até que  junto com ela, alcançasse o ritmo desejado. Já movia meu corpo por inteiro, pernas, braços, cabeça. De repente um giro e meu coração até vibrou junto com a tecla.

Eu estava conseguindo. Estava sentindo. E o meu corpo parecia comandado por aquele som.

Fazia meses desde que me movi com leveza daquela forma. Eu estava tão entregue que nem percebi quando o piano parou. e após dar um giro, cai nos braços de Charlie que me segurou.

Ofegante, senti suas mãos em minha cintura e devagar ela retirou a venda de meus olhos.

— Viu? Você consegue fazer isso até de olhos fechados — disse ela e eu sorri confirmando.

— Posso te pedir uma coisa? — Charlie confirmou. — Toca de novo.

Ela não esboçou nenhuma reação e só quando largou minha cintura percebi que ainda estávamos naquela posição.

A observei se aproximar do piano e não demorar a tocar uma outra música, tão linda quanto a anterior. Eu estava fascinada com a beleza e facilidade com que fazia aquilo.

Devagar, me aproximei e ela me olhou, parando.

— Toca comigo?

— Piano não estava entre os quinhentos cursos que fiz durante a infância — falei e ela riu se afastando no banco, me dando espaço, então sentei ao lado.

— É uma música simples, eu vou começar e você observa para saber quais teclas deve apertar, então depois faremos juntas. Certo?

Eu confirmei. Charlie começou a tocar e eu observei atentamente.

Quando chegou a vez de me juntar a ela, estava um pouco nervosa e com medo de apertar nas teclas erradas, mas mesmo que a música tenha ficado um pouco atrasada, consegui.

Charlie bateu palmas assim que paramos e eu ri feito uma boba.

— Não há nada que você não consiga fazer, Alice — afirmou ela virando o rosto para me olhar e eu fiz o mesmo, olhando ela de pertinho, mas um barulho chamou nossa atenção e ao virar avistei uma mulher na porta da sala.

Era a mãe dela avisando que havia chegando.

A mulher me cumprimentou e ofereceu um lanche que eu aceitei, então seguimos juntas até a cozinha onde comemos ouvindo a mulher, que se chamava Cíntia, falar sobre a reforma que faria naquele cômodo.

— Desculpa minha mãe, ela é obcecada por decoração — dizia Charlie enquanto me acompanhava até a porta.

— Tudo bem, eu gostei dela.

— Que bom. — Ela sorriu. — Então nos vemos na escola.

Eu confirmei e internamente lamentei já ter que me despedir.

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Comments

Silvia Galdino

Silvia Galdino

maisssss

2022-12-27

1

Cleidiane Oliveira

Cleidiane Oliveira

QUERO MAIS....

2022-11-24

1

Nataly Lopes

Nataly Lopes

que capítulo lindo

2022-11-24

1

Ver todos

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