Capítulo 04

...Mensagens...

...Marcela: "Como assim viajar, Alice? Você nunca me falou dessa vontade de estudar fora. Decidiu assim de uma hora pra outra? Você nem falou sobre estar guardando dinheiro."...

...Alice: "Eu vinha planejando faz um tempo. Não queria contar porque você estava focada nas consultas."...

...Marcela: "Não acredito que vai sair do país justo agora. Você volta antes, não é?"...

...Alice: "Amiga, eu não sei."...

...Marcela: "Como assim não sabe?"...

...Alice: "Volto sim, ok? Fica tranquila."...

...Marcela: "Já conversou com a Íris?"...

...Alice: "Mandei uma mensagem."...

...Marcela: "Terminou por mensagem???"...

...Alice: "Ela me deixou sozinha em uma cena de crime!"...

...Marcela: "Tá vendo! Eu nunca fui com a cara dela. Mas que situação horrorosa, hein? Passou na tv e tudo."...

...Alice: "Nem me fale, quero esquecer aquela noite."...

Não dava para acreditar que eu estava prestes a deixar tudo para trás. Minha amiga era o mais importante, ela era o mais próximo de família que tive em anos. Fizemos planos para a gravidez. Até mesmo li livros quando ela ainda nem estava grávida, já me preparando para o futuro, para ajudá-la.

Eu havia acabado de alugar aquele apartamento por um bom preço e com ótima localização. Mas não dava para ficar nele depois de dizer para Marcela que ia viajar. Não tinha como ficar evitando ela.

Lembrava-me das palavras de Charlotte:

"Temos vários quartos."

Os pêlos dos meus braços arrepiavam a cada vez que eu atravessava a porta daquele casarão. Não conseguia me imaginar morando lá, porém não tinha muitas alternativas, era lá ou sozinha em algum hotel, coisa que Charlotte alertou não ser uma boa idéia.

Fiquei me perguntando quantos fantasmas seria capaz de ver por dia, mas isso até perceber que eu os via em todos os lugares, não era possível ficar contando. As vezes só os reconhecia porque eu parecia ter um ímã que os atraía. Tinha uns que olhando rápido nem conseguia identificar. Consegui perceber apenas durante um percurso entre o trabalho e meu apartamento.

— Não acredito que estou fazendo isso — falei soltando minha mala num canto do quarto que era imenso e estava totalmente escuro, até as cortinas serem abertas de repente, me causando um susto.

— Bem-vinda! — disse a moça que Charlotte disse se chamar Laura.

— Por favor, não faça isso — pedi trazendo a mão ao peito.

— Desculpa. — Ela sorriu. — É que faz tanto tempo que ninguém vivo vem aqui.

— Na próxima vez use a porta, ok? — Ela confirmou. — Como você... Como consegue abrir cortinas, portas, essas coisas?

— Em qualquer outro lugar não consigo, mas você já deve imaginar que essa não é uma casa qualquer. — Confirmei. — Sabe, quando você está aqui, é como se não existisse lá para eles.

— O quê?

— Eles não vêem essa casa. Não como você.

— Então eu posso ficar pelada ali fora e ninguém lá do outro lado do portão vai me ver? — Ela riu confirmando. — Por que isso me faz sentir uma pessoa morta?

— Você é especial — disse ela antes de sair literalmente atravessando a porta, o que me deixou mais consciente de que estava conversando com um fantasma.

Segui até as imensas janelas de onde dava para observar lá fora, onde havia um jardim com plantas mortas.

— Gostando das acomodações? — perguntou Charlotte me fazendo virar rapidamente.

Se eu não havia morrido do coração até então, com certeza ele era muito resistente.

— Será que dá pra vocês agirem como... Humanos educados? Me diz uma coisa, se estou morando aqui e não posso ver meus amigos, como vou supostamente fazer meu trabalho? Não que eu queira ficar encontrando fantasmas por aí.

— Você pode sair e viver como quiser. Basta dizer onde.

— Como assim?

— Me diga um lugar específico onde gostaria de morar.

Pensei um pouco.

— Los Angeles! — Sorri de orelha a orelha.

— Você sabe o inglês básico?

Neguei, me envergonhando por não ter sequer feito um curso.

— Ok, escolho o Rio, ao menos tem praia. —  Cruzei os braços, chateada. Gostaria muito de ir para outro país. — Vamos para lá? Pelo menos minhas malas ainda estão prontas.

— Não precisa de muito, basta atravessar o portão.

— Como assim? — Franzi o cenho. — Ta falando sério?

Ela confirmou e eu não pude esperar um minuto sequer. Corri escada abaixo rapidamente, até poder sair da propriedade, logo me deparando com um lugar totalmente novo.

— Meu Deus! — Trouze as mãos a boca, notando que Charlotte já estava logo atrás de mim. — Isso é incrível! Eu posso mesmo viver aqui? Posso fazer um curso, me aperfeiçoar ainda mais. Posso ir a praia com frequência e... Nossa! Isso é mesmo incrível. — Eu não conseguia conter minha animação. — Espera, você pode me pagar com dinheiro humano, não é? Servos recebem um salário, certo? Porque preciso me manter.

— Toda essa animação porque mudou de cidade?

— É que eu sinto que posso fazer o que quiser. Posso fazer qualquer coisa! Desde cedo tive que me fazer de forte, sabe? Era só eu por mim mesma. Não tive tempo de aproveitar nada. Depois cresci e não tive condições de me proporcionar quase nada devido minha baixa renda. Mas agora, aqui, com você. Eu nem tive que pegar um avião! — Sorri. — Você é incrível!

— Eu sou?

— Claro! Você pode fazer essas coisas e você leva aquelas pobres almas para o outro lado. Você até mesmo pega as dores delas para si. Estou falando sério!

— Posso sentir todo o seu entusiasmo. — Ela seguiu para o interior da propriedade e fui logo atrás. — Me lembra muito sua avó.

— Minha avó? — Eu ia perguntar se ela a conheceu, mas me toquei que era óbvio. — Como ela era?

— Cheia de vida e fascinada com tudo isso, como se fosse um destino louvável e não uma maldição.

— Bem, é melhor ver as coisas pelo lado bom.

— Apesar de vivos, vocês não conseguem usufruir da própria vida. Acha mesmo que conseguirá manter o foco em algo além de várias almas te rondando todo o dia, o tempo todo?

— Nossa, mas você sabe como acabar com o ânimo de qualquer um. — Parei de andar deixando que ela seguisse até sumir de minhas vistas.

Aos poucos fui conhecendo os outros moradores do casarão. Segundo Laura, eles não tinham aparecido antes para não me assustar.

Havia um senhorzinho chamado Luiz, que estava esperando a esposa. Também tinha a Larissa, uma jovem que esperava a morte do próprio assassino. Isso foi bem estranho de ouvir, mas eu estava me esforçando para não pirar com todas as informações que chegavam até mim.

Tinha uma mulher de quarenta e poucos anos que se chamava Helena e parecia estar alí há bastante tempo, mas não contou a própria história. Assim como uma moça, a Julieta, que não contou o motivo de permanecer ali. Já o adolescente mudo, que era chamado por Francisco, estava lá a quase cinquenta anos.

— Nós prometemos ficar juntos para sempre — dizia Laura, contando o motivo de ainda estar alí. — Mas um acidente me trouxe primeiro.

— Mas... Não acha que ele já seguiu a vida dele? — questionei. — Você foi até lá olhar?

— Não, eu não posso ir. Correria o risco de me tornar um espírito maligno e isso não quero! Sei que ele seguiu a vida dele de alguma forma e isso me doeria muito, mas mesmo assim ele é minha alma gêmea, sabe? Nós vamos juntos e voltaremos juntos também.

— Voltarão?

— Sim, em nossa próxima vida.

— Isso existe?

— Eu estou aqui, então acredito em tudo. Você não?

— Já não sei mais de nada. — Suspirei.

— Por que está regando esse jardim morto? — perguntou ela.

— Para que fique bonito novamente. Um dia ele foi bonito e cheio de vida, não acha?

— É, acho que sim.

No passar dos dias, eu fazia aquilo todas as manhãs. E também saía todas as manhãs para fotografar lugares diferentes, mesmo sendo incômodo estar sempre me deparando com gente morta me perguntando o que fazer.

— Descobri um curso ótimo, quero me matricular — avisei entrando na sala onde Charlotte parecia passar maior parte do tempo quando estava naquela casa. E mesmo não estando alí, ela sempre vinha quando eu chamava. — Charlotte?— chamei, buscando ao redor. — Apareça... Charloottee — cantarolei, passando os dedos pela prateleira de uma estante repleta de livros. — Aí está você! — falei com um sorriso quando avistei ela enchendo uma taça com sua bebida vermelha favorita. — Quando vai me pagar? — Me aproximei rapidamente. — Aceito notas de cem, mas... — Eu havia feito um simples gesto estendendo a mão sem nenhuma real intenção, mas de fato surgiu uma grande quantidade de dinheiro em cédulas de cem. — Ma-mas... Eu não estava falando tão sério assim.

— Não quer? — Ela finalmente me olhou, levando a taça aos lábios.

— É claro que eu quero! — Fechei a mão rapidamente, dando um sorriso amarelo, logo caminhando pela sala enquanto contava as lindas cédulas azuis.

— Você é fácil de se adaptar, não é mesmo?

— Se você passa alguns anos indo de um lar adotivo a outro, consequentemente aprende a se adaptar a qualquer lugar — falei parando o que fazia.

— Você consegue ir do ápice da felicidade, ao fundo do poço da tristeza em uma velocidade surpreendente.

— É incômodo saber que você sente o que eu sinto.

— Para você é o de menos..

— Se isso é uma maldição, então teria como quebra-la? — perguntei vendo ela sentar na poltrona.

— Não posso te dar respostas sobre isso.

— Isso é frustrante! Você me parece algum tipo de divindade, deveria saber as coisas. Na verdade você deveria saber de tudo! Imagina só a quantidade de anos que já viveu. Aliás, quantos anos você viveu? Ou melhor, existe. Charlotte? Está me ouvindo? Charlotte? — Me aproximei, mas ela fingia não me ouvir, nem me ver. — Hello! Você tá me ignorando?

— O que disse?

— Por que ficou parecendo não me ouvir?

— Eu havia te mutado, as vezes você fala demais.

— Você fez isso de propósito? — Ri. — Mas é muito cara de pau! Eu fico aqui nessa casa sozinha com os fantasmas e quando encontro alguém um pouco menos morta, deveria servir ao menos para esclarecer algumas coisas.

Saí da sala irritada.

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Comments

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2022-11-20

1

Nataly Lopes

Nataly Lopes

continua autoraaaaa

2022-11-20

1

Ver todos

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