Capítulo 08

— Por que estamos aqui? — perguntei enquanto estávamos diante de uma escola, onde vários adolescentes saíam.

Eu vinha me esforçando para não lembrar tudo o que falei naquele dia e como sai feito uma idiota correndo, afinal era inevitável a convivência.

— Seu trabalho amanhã será vir até aqui — disse Charlotte.

— Vai acontecer alguma coisa nesse lugar? — Ela confirmou e eu olhei todas aquelas pessoas, tão jovens, sorrindo, brincando. — Se já sabe, então por que você mesma não vem?

— Por que eu teria uma serva, se não para esse tipo de coisa?

— Se fosse qualquer outra mulher eu diria que está naqueles dias.

Brinquei, mas ela me ignorou.

— Quando acontece algo assim eles ficam confusos. Alguns vão para casa, outros ficam vagando por aí. É seu dever levá-los até mim.

— E os que não quiserem?

— O que pode fazer?

— E se nenhum quiser ir? Eles ainda são jovens.

— Justamente por isso eles não vão querer ficar.

Me calei enquanto pensava sobre aquilo.

— Vou te levar a um lugar agora. — Ela esticou a mão em minha direção e eu olhei desconfiada.

— A última vez que fez isso tive uma notícia horrível.

— Garanto que dessa vez não será.

Segurei em sua mão e respirei fundo antes de ser levada para um lugar onde nunca imaginei que poderia ir..

Estávamos na varanda do quarto, na casa de Marcela, onde pude ter a visão de Pedro andando de um lado para o outro com um dos gêmeos nos braços, enquanto o outro dormia no berço.

— Oh meu Deus! — Me aproximei da porta, mas me arrependi e logo dei um passo atrás. — Ele pode nos ver aqui?

— Não — respondeu.

— Como não? Eu sou um fantasma?

— Não é exatamente seu corpo que vem comigo — explicou.

— Uau. — Olhei minhas próprias mãos. — Isso é estranho.

Voltei a observar Pedro e sorri notando seu sorriso olhando o pequeno. Ele o levou até o outro berço e com delicadeza o colocou ali, logo depois saiu do quarto.

— Não é arriscado que eu esteja aqui, por causa das outras almas?

— Você já devia saber que elas não costumam ficar perto mim.

Pensei um pouco e tive que concordar.

— Com excessão dos da casa que até já são presenteados com festas. —  Sorri. — Posso chegar mais perto?

Ela confirmou e me atrevi a entrar e olhar os bebês de pertinho.

Como eu queria que minha amiga pudesse vê los e segura-los ao menos um pouquinho. Eles pareciam tanto com ela.

— Eles não são os seres humaninhos mais lindos que você já viu? —  perguntei virando para olha-la, parada no meio do quarto. — Vem cá, olha de perto.

— Me parecem iguais a quaisquer outros — disse, não se aproximando muito.

— São só pedacinhos de gente. Tão puros...

Ouvi um barulho vindo da sala que fez um deles se mexer e me atrevi a esticar a mão para toca-lo.

— Não faça isso — alertou Charlotte. — Eles são muito sensíveis a nossa presença.

Me afastei do berço.

— Tudo bem, mas antes de ir, posso dar uma olhada no Pedro? Deve tá sendo uma barra pra ele.

— Você precisa voltar logo, Alice...

— Só um pouquinho — falei me aproximando da porta onde atravessei, assim como vi vários fantasmas fazendo. — Uau! Eu sempre quis fazer isso, mas tirando a parte de ter que morrer para conseguir.

Segui em direção a sala onde avistei Pedro que tinha um aspecto cansado enquanto vinha da cozinha carregando dois copos.

— Tadinho... — falei me aproximando, até avistar, no sofá, uma mulher que logo reconheci. — O quê a médica da Marcela faz aqui? Será que tem algum problema com os bebês? Mas ela é obstetra e não pediatra.

— Acho melhor nós irmos agora — avisou Charlotte, mas ignorei me aproximando, notando o sorriso de Pedro quando a mulher tocou a mão dele. — O que é isso? — Pedro levou a mão da outra os lábios e beijou a palma.

Eles estavam em meio a brincadeiras bobas, sorrindo como um casal apaixonado.

— Alice...

— Eu não entendo, faz pouco tempo desde que Marcela... — Virei para Charlotte e rapidamente segurei em sua mão. — Por favor me tira daqui.

Era como se eu tivesse sido traída. A imagem não saia de minha mente e o medo de que minha amiga ficasse sabendo daquilo era maior que tudo.

— Por que você pega as dores dos outros para si? Sua amiga não está mais viva — perguntava Charlotte, sentada em sua poltrona, como de costume.

— Não fala assim! Não é errado seguir a própria vida depois de perder alguém, mas apenas alguns dias depois? Isso só me leva a crer que já estava acontecendo algo antes. É impossível que em meio a dor da perda, Pedro tenha se encantado pela médica da falecida esposa.

— Mas isso não me parece um problema seu.

— Se você fosse capaz de se colocar no lugar das pessoas entenderia!

— Você está se colocando no lugar de alguém que sequer está entre os vivos.

— Charlotte... percebe que nesse momento está muito incomodada com meus sentimentos?

Saí da sala e fui dar uma volta sozinha, mas claro que não durou muito tempo porque logo encontrei fantasmas para me fazer companhia.

— Vocês não acham absurdo? — perguntei, em uma roda de conversa num beco onde havia alguns falecidos que vagavam há algum tempo.

— Claro que é, se você tá viva não tem como se meter com alguém como ela —  disse o fantasma barrigudo.

— Eu não estou falando sobre estar interessada nela, mas sim sobre ela não sentir nada...

Eu não ia correr o risco de desabafar sobre Marcela e ela acabar sabendo por aí, então estava aproveitando a conversa para falar sobre meus problemas amorosos.

— Eu acho que você devia tomar cuidado — disse outro. —  Ela pode tá te enganando. Já ouvi boatos que ela não manda a gente para o outro lado coisa nenhuma!

— E faz o quê então? — perguntou uma mulher.

— Ela usa as almas pra se manter sempre jovem.

— Que conversa mais besta! — falei um pouco alto e no mesmo momento um homem, vivo por sinal, que passava na calçada naquele momento, olhou para o interior do beco onde eu estava com os fantasmas. Ele me encarou como se eu fosse louca e se foi. — Ela não faria isso, seus idiotas! É por isso que ainda não foram? Preferem ficar aqui vagando atoa?

Eles ficaram desconfiados.

— Quem garante que ela não pegou a alma do seu pai? — perguntou a mulher de repente. — Quem sabe a alma dos humanos valha mais.

— Conhece meu pai? — Eu não tinha falado sobre ele.

— Quem não conhece? Ele gostava de conversar com a gente tentando nos convencer a ir para o casarão, mas um dia parou de vir.

— Depois que ele conversou com aquela mulher estranha, sumiu de vez.

— Que mulher estranha? — perguntei. — Charlotte?

— Não, aquela outra que é ainda mais assustadora.

— Melhor nem falar nela — alertou a mulher.

Eles se olharam e todos sumiram ao mesmo tempo, como se fugissem com medo apenas por terem mencionado a tal mulher. E eu fiquei com mais uma pulga atrás de minha orelha.

...(...)...

— Charlotte? — Entrei na sala, mas constatei que estava vazia. — Charlotte? — chamei novamente, parando em meio ao cômodo enquanto esperava ela surgir. — Pode me dizer quem possa ser pior que você?

— Como?

— Para os fantasmas — expliquei. — Quem é a mulher que eles tem mais medo que de você?

— Por que deseja saber?

— Porque eles disseram que essa mulher esteve com meu pai antes dele desaparecer.

Ela nada disse, apenas pareceu pensar.

— Você sabe quem é? Ela é perigosa?

— Não — disse. — Não a você.

— Então o quê ela poderia querer com meu pai? Pode me dizer quem é exatamente?

— Alice, há alguém que precisamos receber primeiro. Depois falamos sobre isso.

Confusa, vi ela gesticular em direção a porta que abriu sozinha.

— Já sei — respondi um pouco chateada por desejar continuar falando sobre o assunto.

Saí do sala seguindo para o primeiro andar, onde ao abrir a porta da frente avistei os portões se abrindo e por eles passou uma senhora.

— É aqui que está meu Luiz? — perguntou ela se aproximando.

Eu sorri ao entender de quem se tratava. Confirmei lhe dando passagem para entrar. O senhor Luiz apareceu logo em seguida e eu tive o prazer de presenciar aquele reencontro, assim como todos os outros que apareceram nas escadas para assistir a cena.

— Eu te procurei por muito tempo — disse a mulher. — Pensei que tinha ido sem mim.

— Eu jamais iria sem você — respondeu ele segurando as mãos dela, logo em seguida os dois viraram para mim. — Agora estamos prontos.

Eu sorri confirmando e segui com eles até Charlotte.

— Posso... Ficar? — perguntei a ela que não respondeu, mas encarei como um sim quando em um piscar de olhos estávamos em outro lugar.

Era tudo claro demais. Havia uma ponte diante de nós. Observei que não era possível ver exatamente um fim, devido uma luz forte que chegava a doer aos olhos caso tentasse olhar por muito tempo.

Observei Charlotte diante do casal. Ela estendeu as próprias mãos e os dois, após uma troca de olhares, repousaram a palma de suas mãos sobre as dela. Eu vi algo como uma aura circulando eles naquele momento e aos poucos desaparecendo.

Os dois então seguiram juntos por aquela ponte.

— É o caminho para o céu? —  perguntei me aproximando de Charlotte.

— Retiro suas dores e lembranças e os envio para o outro lado, mas o que vem a partir daí não é mais de minha conta — disse ela.

Fiquei em silêncio observando a luz brilhante onde os dois desapareceram.

— Mas se quer mesmo saber — continuou ela. — O que faço é apenas o primeiro passo no processo antes que eles possam voltar. Ou não.

— Voltar?

— Em uma outra vida — explicou e eu fiquei pensativa.

Nunca acreditei naquele tipo de coisa, mas diante do fato de conviver com fantasmas, não era mais possível duvidar de nada.

— Não pareceu doer — falei.

— Eles não tinham dores ou arrependimentos.

Concordei com a cabeça, logo notando que voltamos para a sala.

— O que aconteceria se você não retirasse as lembranças deles? Voltariam como aquelas pessoas que supostamente tem lembranças de suas vidas passada?

— Algo assim.

— Então já aconteceu. Você já deixou pessoas com suas lembranças?

— Acontece em alguns casos em que nem mesmo eu sou capaz de tirar isso deles.

— Isso é tão incrível. Será que eu já amei em outra vida e esqueci? Não, não pode ser que eu tenha esquecido um grande amor — falei pensativa. — Será que já passsei aqui por você? Eu tive uma vida normal e voltei como tua serva? Qual será minha próxima vida? Será que vou ter outra ou essa é pra fechar com chave de ouro? Na verdade, acho que assim como você eu podia me tornar imortal, né? la economizar servos. Pensando bem, como você vai ter outro servo depois de mim se nem tenho planos de ter filhos? Não tem nem como ter filhos...

— Acho melhor você focar no que interessa — disse ela se aproximando e colocou em minha mão um copo de whisky vazio, mas que encheu logo em seguida.

Segurei o objeto e observei a bebida, logo depois encarei ela.

Era estranho pensar sobre aquilo. Então eu ia morrer como qualquer pessoa e ela ia retirar minhas dores, me mandar para o outro lado e logo depois, supostamente outra pessoa estaria em meu lugar.

Eu não significava nada.

— Não pense muito sobre isso — disse ela me fazendo temer que tivesse ouvido meus pensamentos. — Algo me diz que você será a última.

— C-como assim? Como sabe? Por que sou a última? Porque não vou ter filhos? Então como você fica?

— Está preocupada comigo? — Ela sorriu. Era tão raro ver um sorriso em seu rosto que eu só consegui prestar atenção nele. — Foque em seu trabalho — disse, me fazendo suspirar, lembrando que tinha que ir em busca de mais gente morta.

Tomei a bebida de uma vez.

— Obrigada pela bebida. Só assim mesmo para encarar essa vida de escrava.— Entreguei o copo a ela antes de virar para sair, mas parei. — Não pense que esqueci o nosso assunto sobre aquela mulher, viu?

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2022-11-22

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Cleidiane Oliveira

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2022-11-22

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Nataly Lopes

Nataly Lopes

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2022-11-22

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