Capítulo 12

Meu pai costumava dizer que eu precisava viver mais, que não era um crime ser feliz.

De algum jeito ele sabia que, apesar de ter um trabalho que amo e uma vida confortável a seu lado, em mim havia um vazio que nada nem ninguém era capaz de preencher. Talvez ele conseguisse me ler muito bem, ou eu quem transparecia muito isso. As vezes ele dizer ser devido a perda prematura de minha mãe, ou talvez a morte de minha melhor amiga

— Alice, já acordou? — gritou ele lá da sala.

— Já estou indo!

Após pegar minha bolsa, saí do quarto encontrando ele no corredor, segurando um buquê de flores junto a uma sacola com os dois presentes. Eu sorri me aproximando, até receber, observando o quanto as flores eram lindas.

— Não vai tomar café?

— Vou tomar com os meninos. — Dei-lhe um beijo no rosto e saí.

Era um dia quente e abafado.

Quando atravessei os portões do cemitério, avistei ao longe Pedro segurando a mão de Lucas e Luan, que caminhavam a seu lado. Observei por um tempo — pensando no quanto eles haviam crescido — antes de seguir até alcança-los.

Era aniversário de morte de Marcela e aniversário dos meninos. Nós costumávamos nos encontrar no túmulo dela para deixar flores e conversar um pouco. Era proibido tristeza naquela data, por isso fazíamos de tudo para tornar o dia leve e divertido para os pequenos, apesar de tudo.

Bárbara, esposa de Pedro, não demorou a chegar e vir se juntar a nós. Lembro que no começo era difícil para mim ver os dois juntos, afinal a relação começou aparentemente muito cedo, mas depois decidi não mais tomar as dores de minha amiga e respeitar.

Com o tempo, todos pareciam ter encontrado alguém, até mesmo meu pai decidiu casar novamente. Mas parecia que não havia a pessoa certa para mim. Me perguntava se algum dia eu havia encontrado e deixei ela escapar, ou simplesmente era meu destino viver sozinha, mesmo que houvessem outras pessoas ao meu redor.

Mesmo que minha cama não estivesse vazia, em meu coração havia sempre aquele buraco, impossível de preencher.

...PARTE 2...

...(Uma nova vida)...

Prendi o laço em meu cabelo com mais força, enquanto atravessava o refeitório, até parar nos jogadores de basquete e levantar a perna até a altura da mesa, apoiando o pé para ajustar minha meia 3/4. O gesto causou exatamente o que eu queria, o início de uma verdadeira algazarra em todo refeitório, entre gritos e assobios dos meninos.

— Ê lá em casa — gritou um dos jogadores na mesa.

— Se beleza fosse flor você seria o jardim botânico! — gritou Marcos, jogador do time.

— Você não é GPS quebrado, mas me deixa sem rumo, hein Alice. — Com essa, que veio de Thiago que estava bem ao meu lado, eu tive que gargalhar, descendo a perna e logo em seguida dei um peteleco nele, antes de me afastar.

— É bom te ter de volta pequeno furacão! — gritou o capitão do time e eu apenas virei, soltando beijos para todos, enquanto me afastava.

Fazia três meses desde que fiquei afastada da escola, depois de um pequeno grande acidente que me deixou de cama.

Eu costumava ser líder de torcida. Popular, sociável, capaz de animar onde quer que fosse, mas com o afastamento cheguei a pensar que seria esquecida.

— Tá vendo? Não tinha porquê temer perder seu posto de rainha dessa escola — comentou Laura se aproximando, enquanto eu seguia em direção aos banheiros, mas antes de sairmos do refeitório observei, no segundo andar, alguém que chamou minha atenção.

Ela estava apoiada no parapeito enquanto bebia refrigerante no canudinho. Com os cabelos presos em um rabo de cavalo e o olhar distante. Diminui a velocidade dos passos observando e Laura logo notou onde estava minha atenção.

— Quem é a solitária? — perguntei.

— É a Charlotte do último ano., Dizem que ela prefere ser chamada por Charlie, Entrou há algumas semanas. Seu foco é todo o balé, mas nem se preocupa, ela não tá nem aí pra torcida. — Enquanto Laura falava, como se soubesse que estávamos falando sobre ela, a novata olhou diretamente para mim, que rapidamente desviei o olhar. — Na verdade, não parece tá nem aí pra ninguém. Fica só alí parada todo dia, tomando refrigerante e olhando pro nada, como se estivesse esperando algo ou alguém.

— Não estou preocupada — falei seguindo meu caminho.

...(...)...

O jogo seria em meia hora então eu tinha tempo suficiente para me aquecer. Não planejava fazer nada muito extravagante, afinal precisava voltar aos poucos, mas estaria presente marcando território, deixando claro que aquele lugar seria meu até o fim.

— Você viu a cara do Frederico? — comentou Marcela enquanto eu mantinha a perna quase na altura do ombro de Laura que segurava a mesma, me ajudando a alongar. — Os olhos dele quase saltaram da caixa quando viram a Alice com a perna encima da mesa dos caras.

— Por que você provoca tanto o coitado? — perguntou Laura. — Ele é louco por você ainda, não sei porquê o gelo durante o acidente.

— Não provoco. Esse é meu eu natural. E não dei gelo, só não estava com cabeça para ficar de rolo. Sabe que não namoramos sério, só nos pegamos algumas vezes, nada demais! Só porque é capitão do time ele acha que é obrigatório namorar a líder da torcida? — Revirei os olhos. — Que canseira.

As duas riam.

— Olha quem tá vindo? A princesa da professora Lara, do Balé — comentou Marcela e eu virei para olhar, mas o movimento me fez desequilibrar e quase caí pra trás. Se não fosse Laurq, algo bem feio teria acontecido.

— Ali sua louca! — gritou Laurq e as duas riram.

Quando consegui manter os dois pés firmes no chão, virei para observar a tal princesa da professora Lara, que estava sentada na arquibancada e já olhando em nossa direção, por isso desviei o olhar rapidamente.

— Tem certeza que ela não liga pra torcida? — perguntei.

— Ela é bonita — disse Marcela. — Mas ou é muito tímida ou muito enjoada, já que não fala com ninguém.

— Tá pensando em recrutar a estrela do balé, Alice? — perguntou Lorena, a insuportável da escola.

— Desde quando te dou satisfações? Eu hein. — Saí de perto delas. — Se preparem! — gritei indo pegar os pompons e me preparar, pois logo o jogo ia começar.

Minha volta as quadras não foi exatamente como eu gostaria, devido a impossibilidade de fazer todos os movimentos com as meninas, mas só de não estar mais trancada em casa já era de bom tamanho.

Ao fim do jogo saí da quadra e segui até o vestiário, onde apenas peguei minha mochila. Quando já saia, no intuito de ir direto pra casa, fui barrada por Fred.

— Cinema hoje a noite?

— Não vai rolar, tenho que colocar a matéria em dia.

— Mas você tava estudando em casa.

— E tenho que continuar se quiser ir para Harvard, Cambridge ou Stanford um dia. — Soltei um beijo no ar e sai caminhando pelos corredores, por onde as pessoas já saíam também.

Estava quase no estacionamento, vasculhando minha mochila a procura de meu celular, quando notei ter esquecido minha agenda na grade inferior da cadeira, onde escondi na hora que as meninas se aproximaram e eu estava escrevendo coisas sem sentido. Para evitar muitas perguntas delas.

Subi até às salas e por sorte encontrei minha agenda no mesmo lugar onde deixei.

Na volta, pelos corredores do segundo andar, ouvi uma música que chamou minha atenção. Decidi seguir até onde vinha o som, no andar superior. Ao me aroximar da porta da sala de balé, que estava entreaberta, avistei a silhueta que pareceu flutuar de um lado a outro.

Me aproximei um pouco mais e parei observando a novata e eus movimentos que tinham uma surpreendente conexão física com a música. Havia uma forte emoção, tanto naquela melodia desconhecida quanto em cada gesto dela.

A música parou de repente e ela também, mas permaneceu parada por um tempo. Fiquei observando seu peito subindo e descendo de forma descompassada, até que ela virou em minha direção, como se já soubesse que eu estava olhando.

— Que música é essa? — perguntei, adentrando a sala, só então vendo ela relaxar o corpo, firmando os pés no chão.

— Fui eu quem compus — disse, observando minha aproximação.

— Uau! E qual o nome? — Parei diante dela.

— Fate — pronunciou com os olhos fixos aos meus, de uma maneira meio estranha, talvez até desafiadora. — Destino.

— Você é muito boa.

— Obrigada.

Eu estava prestes a virar para sair quando notei os dedos de suas mãos que se moviam apertando uns aos outros, diante do próprio corpo, denunciando que estava nervosa.

— Você sabe quem eu sou, não é? — perguntei e ela pareceu confusa. — A líder da torcida — expliquei.

— Sim, eu sei, todo mundo fala sobre você.

— Bem ou mal? — Sorri. — Eu sei que muitos falam mal. — Ela também sorriu. — Então, se você tiver interesse vem fazer um teste com a gente.

— Eu acho melhor...

— Pensa, tá? — Ela confirmou e enquanto eu virava para sair, não pude deixar de notar em seus pés o par de sapatilhas vermelhas que se destacavam.

— Você sabe meu nome? — perguntou ela quando eu já estava na porta.

— Charlie — falei virando e vi ela sorrir confirmando.

— Foi bom te ver, Alice.

Eu não entendi muito bem a forma que falou aquela frase, mas apenas sorri, saindo.

Mais populares

Comments

Nataly Lopes

Nataly Lopes

Acho que agora elas ficam juntas

2022-11-23

2

Ansiosa por mais

2022-11-23

1

Ver todos

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!