— Eu vou casar com esse menino, porra! — gritou Laura em pé na arquibancada, onde eu estava sentada, mexendo no celular.
Tínhamos o horário livre então estávamos assistindo ao treino dos meninos do futebol que se preparavam para o evento esportivo que aconteceria em algumas semanas.
— Você disse a mesma coisa sobre o Gustavo há poucos dias — comentei sem tirar os olhos do aparelho em minhas mãos.
— O que posso fazer se meu coração é grande e sempre cabe mais um? Será que daqui pra nos formar vai ser liberado o casamento poli, triplo, quadrado...
Gargalhei.
— Você é um sheik árabe por acaso? — Puxei ela fazendo com que sentasse. — Como é cafajeste! Depois fala que eu só enrolo o Fred.
— Talvez em outra vida eu tenha sofrido uma grande decepção. Aí nessa vim para estraçalhar os corações masculinos.
Nós duas rimos alto.
— Qual a graça, bonecas? — perguntou Marcela que se aproximava carregando seu par de sapatilhas de balé em uma mão e um cigarro na outra.
— Fugiu da aula, Marcela?
— Vocês estão mesmo perdidas no tempo. Já acabou faz uns minutos. Acredito que a aula de vocês já começou.
Eu e Laura nos encaramos e rimos em seguida.
— Para, isso é sério, eu não posso me ferrar e correr o risco de sair da torcida — falei levantando e juntas nós três caminhamos em direção as salas.
— Sabe o que rolou na aula hoje? — comentou Marcela enquanto seguia com a gente. — Lorena tentou humilhar a novata, mas levou uma sapatilhada bem na cara.
— What? — perguntei incrédula.
— Aquela tal Charlie não é mole não. Só é calada, mas deixou a cara da Lore da cor da sapatilha, bem vermelha.
Nós três gargalhamos.
No fim do dia eu estava no estacionamento esperando meu pai, que havia ficado de ir me buscar, quando avistei Charlie do outro lado da rua. Aparentemente ela já estava me observando, mas desviou o olhar quando olhei.
— Eu hein — murmurei, logo depois segui até o carro que notei ter estacionado a certa distância.
Eu já havia procurado alguma rede social dela, mas não encontrei nada, afinal não sabia sequer o sobrenome.
— Alice? — chamou minha mãe durante o almoço. — Você está aérea hoje.
— Precisamos decidir sobre seus estudos fora do país, filha — falou meu pai.
— Calma aí, o ano mal começou — falei alarmada. Eu não estava pronta para pensar em ir embora.
— Mas precisamos nos programar desde cedo — explicou minha mãe. — Afinal sempre disse ser o seu sonho.
— É mãe... — murmurei, revirando a comida no prato.
...(...)...
— Sempre disse que nesse país não há homem para você — comentou Laura enquanto estávamos no refeitório. — É bom que seus pais te apoiem sobre estudar fora.
— É, mas...
— Não olhem agora, mas a novata não tira os olhos de nós — cochichou Marcela.
Eu automaticamente levantei a cabeça para olhar o segundo andar, onde ela estava apoiada no parapeito, mas não nos olhava.
— Será que ela tá flertando comigo? — Se animou Marcela.
— De onde tirou isso? — perguntou Laura se inclinando sobre a mesa, em direção a outra. — Seu gaydar apita pra ela?
— Ele quase quebra de tanto apitar desde que a vi entrando na sala pela primeira vez — respondeu Marcela e nós três rimos de seu exagero.
— Ela pode estar caidinha por mim também, mas sinto informar que sou uma hétero convicta — se gabou Laura.
— Ou quem sabe a Ali — disse Marcela e as duas me encararam. — Vai furar meu olho, Alice? Igual fez com a Lorena ao pegar o Fred. — Ela riu.
— Eu nunca nem... Quero dizer, falei com essa Charlie uma vez, mas nada demais, só disse que se por acaso quisesse se juntar a nós na torcida podia vir fazer um teste.
— Ah, então deve estar cogitando vir, mas se sente intimidada, por isso fica só rondando feito urubu — concluiu Laura.
— Pode ser — falei mantendo minha atenção em meu lanche.
— Eu consigo me imaginar casando com ela, tendo três filhos e um cachorro chamado Ralf — comentou Marcela e eu segui seu olhar até a novata que parecia alheia a tudo.
— Você é muito emocionada, Ma — disse Laura.
— Sou romântica. Estou a espera de minha alma gêmea.
— Você não vai encontrar sua alma gêmea aos dezessete — afirmou Laura.
— Por que não? Quem sabe essa seja a vida em que vou viver meu grande amor. Então, independente do tempo, da fase ou sei lá mais o quê, vamos nos encontrar e nada será capaz de nos separar. — Ela mantinha os olhos em Charlie enquanto falava. Eu e Laura apenas a observamos dramatizar. — Venha meu amor, eu estou pronta!
— Você é ridícula Marcela. — Laura ficou em pé e saiu da mesa.
— Não acho que seja... Ela — falei, também levantando, ouvindo sinal tocar.
Na sexta eu tinha aula de balé, mas estava enferrujada depois de tanto tempo em casa, por isso acabou sendo cansativo e estressante. Minha mente não focava e meu corpo não me obedecia. Eu estava ficando cada vez mais irritada, por isso a profe Lara me autorizou sair antes das outras.
Frustrada, sentei no chão mesmo. No canto da sala, de onde observando as meninas.
Eu fazia aquilo desde os cinco anos, mas parecia que algo estava me travando de uma maneira que eu não entendia.
A aula não demorou a terminar. Observei todas saindo até que estivesse sozinha com a professora.
— Leve seu tempo, Alice — disse Lara antes de sair.
Eu nunca gostei de balé, ia sempre obrigada, mas me ajudou muito quando decidi ser líder de torcida. O problema era que eu tinha necessidade de me sentir boa no que quer que fizesse, mesmo não gostando. Minha mãe me acostumou assim.
Quando eu era pequena não interagia muito com as outras crianças, preferia ficar sozinha, desenhando. A noite tinha o sono conturbado e não conseguia dormir direito. Minha médica indicou esportes, brincadeiras e o que fosse necessário para me manter em movimento durante o dia. Mamãe levou isso a sério e me colocou em diversos cursos, me mantendo de fato bem ocupada.
Eu tinha uma agenda cheia e era recompensada por ganhar elogios dos professores. Assim, cresci sempre desejando levar um troféu para casa. Com a mente cheia e longe, as vezes até de mim mesma.
— Toc, toc! — Virei rapidamente a cabeça e avistei a novata entrando. — Você não parece bem — disse ela.
— Estou bem sim. — Sorri sem graça observando sua aproximação.
— Eu vi seu treino.
— Ótimo, aposto que até conseguiu ouvir o som da lata velha rangendo a cada movimento que tentei fazer.
Nós duas rimos.
— Quer ajuda? — perguntou e eu precisei pensar antes.
Ela então estendeu a mão e eu observei a palma, logo depois seu rosto.
— Não confia em mim? Eu entendo, nos conhecemos a pouco... — Segurei a mão dela que parou de falar e sorriu me puxando de uma vez, fazendo com que me chocasse contra seu corpo e voltasse para trás desequilíbrada, mas sua mão veio até minhas costas rapidamente e eu fiquei com os olhos arregalados, paralisada por um tempo, até me afastar rapidamente, me sentindo estranhamente nervosa.
— Melhor me aquecer, fiquei muito tempo encolhida nesse chão — falei sem olhar na direção dela, tentando entender o motivo de meu coração estar descontrolado.
Charlie concordou e eu segui até a lateral da sala onde ergui a perna direita e repousei o pé na barra, nesse momento me assustei ao senti as mãos dela em minha cintura.
— Ereta — falou ela levando uma das mãos até minhas costas e eu olhei em seus olhos através do espelho diante de nós.
— Ainda é um pouco difícil pra mim — confessei.
— O que aconteceu? — perguntou.
— Eu estava fazendo uma coreografia com as meninas durante um jogo e...
Eu não sabia explicar exatamente o que havia acontecido. Ninguém ia me levar a sério se dissesse que comecei a pensar em coisas sem sentido, por isso me desliguei completamente do que fazia naquele momento, mesmo estando no topo de uma torre de meninas.
— Você caiu — concluiu ela antes de se afastar e eu virar, ficando de frente.
— Você viu?
— Na época estudava na escola do time rival. Eu lembro perfeitamente que você olhou para mim na arquibancada, exatamente como me olhou no refeitório outro dia, mas de repente caiu.
— E-eu não lembro bem desse dia.
— Eu entendo, nem sempre é possível lembrar tudo.
Confirmei e nós ficamos em um silêncio estranho.
— Ali? — chamou Laura entrando na sala de repente, mas parou olhando desde mim a Charlie. — Eu achei que tínhamos marcado de ir ao shopping depois da sua aula.
— Droga, esqueci completamente. — Olhei a novata. — Desculpa eu tenho ir...
— Tudo bem.
— Ela pode vir também — disse Laura.
— Melhor... — Eu ia dizer que não, afinal Marcela também ia e poderia ser algo bem estranho.
— Eu preciso ir pra casa — avisou Charlie, logo seguindo em direção a porta, pegando a mochila pelo caminho.
— Por que você dispensou ela? Estavam aqui no maior clima... — Laura riu.
— Não tinha clima nenhum! E não conta nada pra Marcela, não quero que ela pense que estou dando mole pra seu alvo.
— E não tá? — Lancei um olhar para ela antes de ir pegar minhas coisas. — Você nunca falou abertamente sobre ser Bi.
— Eu também nunca falei abertamente sobre ser hétero. Mas quer saber? Que assunto bobo, eu só tava tentando treinar e a menina veio me ajudar. Que besteira!
Saí da sala rapidamente, para dar um fim a aquela conversa idiota.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 34
Comments
Cleidiane Oliveira
Anciosa pelo próximo capítulo cara tá dimais.
2022-11-24
2
Ansiosa pra ver essas duas apaixonadinhas , e eu shippando muito .
2022-11-24
2
Nataly Lopes
já na expectativa por elas duas
2022-11-23
2