Eu tinha me matriculado nas aulas de fotografia que iam acrescentar muito em meu currículo. Por esse motivo estava obstinada a fazer valer a pena cada centavo fantasmagórico que Charlotte me dava.
Nem mesmo o espírito do prédio me faria perder o foco. Eu já havia tentado fazer Charlotte levá-lo, mas ele estava preso ao lugar.
— Ele pode se tornar ruim um dia? — perguntei a ela enquanto saíamos do prédio.
— Ele vai desistir antes.
— É muito estranho não ter como manda-los de qualquer jeito. Eles tem que querer pra dar certo.
— Sabe de uma coisa?
— O quê?
— É mais fácil o seu amor em vida te tornar obscuro em morte, que o ódio em si.
— Como assim?
— Os humanos mentem quando dizem preferir a pessoa amada sendo feliz com outra pessoa. Eles falam isso, mas na prática desistem da própria paz para infernizar a outra pessoa.
— Mas a Laura...
— A Laura apenas fantasia. Por que acha que ela não se atreve ir visitar o marido?
Fiquei pensando sobre aquilo.
— Aquele rapaz do prédio... — Ela parou e eu parei também, logo olhando na direção onde dava para vê-lo nos olhando como se estivéssemos ali para arrasta-lo para fora. — Permanece nele devido ao ódio que sentiu em vida, mas vai chegar um momento em que perderá o sentido continuar.
— Então o que mantém ele aqui, não é grande coisa?
— O amor gera um ódio muito mais nocivo, tanto para si, quanto para os outros.
— Isso a gente já vê em vida.
— Claro que não é uma regra. Dependendo da pessoa, a forma que ela morre influência muito no processo.
Fiquei pensativa.
— Então você sabe da história dele. Sabe só de olhar? — Ela voltou a caminhar e segui. — Você sabe sobre minha vida só de olhar para mim? Você as vezes faz parecer que não, mas sabe muitas coisas. Não é? Você consegue ler mentes?
— Eu não consigo ler mentes, Alice.
— Que alívio.
— Por que? O que anda pensando?
— Nada, só não seria bom ter alguém ouvindo meus pensamentos.
— Já é suficiente ouvir sua voz.
— Argh! — Parei de andar e ela simplesmente desapareceu.
Seria louco demais admitir que eu gostava de ter aquele tipo de conversa com ela?
Sempre descobria alguma coisa nova sobre Charlotte. Com o passar do tempo ficava torcendo para que desse início a uma conversa, apenas porque sabia que caso eu começasse a falar ela ia me mutar, como da última vez.
— Atenção senhoras, rapaz, moças e o senhor presente — dizia Laura, no meio da sala principal quando eu chegava da rua. — Hoje daremos uma festa!
— Qual a ocasião? — perguntei.
— Hoje é aniversário de morte do senhor Luiz. Dezoito anos. Já é um garotão — disse ela sorrindo e o senhor Luiz riu se gabando. — Preparem seus melhores vestidos de gala.
Eu não fazia idéia de como eles fariam aquilo, mas estava curiosa para ver no que ia dar.
Mais tarde, eu saia do banheiro ainda usando roupão quando avistei sobre a cama um vestido que me deixou de queixo caído.
— Gostou? — perguntou Laura. — A Charlotte escolheu.
— Ela produz dinheiro com os dedos ou o quê? — perguntei levantando a peça. O vestido preto com uma fenda na frente e detalhes em dourado me parecia muito um Versace. — Isso deve custar uma fortuna.
— É mais à moda humana mesmo. Imóveis, terras, essas coisas que ao longo dos anos dão uma boa grana.
— Sério?
— Veste!
Eu não demorei a vestir aquela maravilha que pareceu ter sido feito para mim.
— Você tá muito linda! — Laura bateu palminhas, com um sorriso de orelha a orelha enquanto eu desfilava pelo quarto.
— Me sinto uma verdadeira princesa. — Sorri. — Nunca, em toda minha vida imaginei usar algo assim. — Passei os dedos pelos detalhes da peça, totalmente maravilhada. — E você, o que vai usar?
Ela estava sempre com o mesmo vestido branco, que mais parecia uma camisola.
— Não se preocupa, gata!
Ela sumiu e eu fiquei decidindo se usaria meu cabelo preso ou de lado.
Quando saí do quarto segui para o primeiro andar onde encontrei Larissa que me acompanhou até às portas duplas no corredor do lado oeste, onde ao serem abertas revelou um salão decorado, bem iluminado e com música.
Todos dançavam em pares.
O senhor Luiz e Laura pareciam flutuar em uma valsa, enquanto o garoto mudo dançava com Helena. Julieta, que até então estava sozinha, logo arrastou Larissa para a pista de dança.
Todos usavam vestidos de gala e smoking, rodopiando pelo salão.
Me peguei sorrindo apreciando aquela cena totalmente fora da realidade.
— Gostando da festa? — perguntou Charlotte, parando a meu lado.
Olhei rapidamente e me deparei com a imagem terrivelmente linda dela, que usava um vestido vermelho, tomara que caia.
— Você fez tudo isso? — perguntei, desviando o olhar rapidamente e ela confirmou. — Parece um conto de fadas — falei sem conter o sorriso.
— Mas não é, Alice — disse, fazendo meu sorriso sumir do rosto. — Lhe caiu muito bem, você está deslumbrante.
Sorri novamente.
— Obrigada pelo vestido. — Passei as mãos pelo corpo, novamente apreciando a beleza dele.
— O quê estão esperando? Vamos, dancem! — gritou Laura.
Me peguei ansiosa por fazer aquilo, mas Charlotte saiu de perto de mim, indo até a mesa das bebidas.
Senti-me frustrada.
Quando meu olhar chateado encontrou o dela, desviei rapidamente, tentando evitar demonstrar o quanto fiquei incomodada por sua recusa a me fazer rodopiar por aquele salão, mas logo em seguida lembrei ser em vão tentar esconder qualquer coisa dela.
Bufei. Até os fantasmas estavam se divertindo.
Caminhei observando a decoração, até parar na mesa de bebidas onde ela ficou ao lado, sentada em uma poltrona observando os outros.
— Eu sempre quis ir a um baile, daqueles de escola americana que a gente vê em filmes — comentei observando o ponche.
— O garoto mudo está livre — disse ela e observei Helena se aproximando. — Aproveite, afinal eles não se cansam nunca.
Pisquei algumas vezes enquanto tentava ao máximo não transparecer o quanto não gostaria de dançar com aquele garoto morto, mas ele aproximou-se esticando a mão, parecendo um cavalheiro, então me senti no dever de aceitar.
Nunca em toda minha vida havia dançado, mas o garoto mudo fazia aquilo tão bem.
— É incrível que eu não sinta exatamente suas mãos em mim, mas consigo seguir seus movimentos — comentei entre um rodopiar e outro e ele sorriu pela primeira vez, desde que o conheci.
Por mais que eu me esforçasse, tudo aquilo estava em um nível difícil de levar a sério.
Entre um giro e outro, busquei Charlotte com o olhar, mas ela não parecia estar mais alí.
— Você pode não cansar, mas estou exausta — falei e ele logo parou, então fui até o ponche novamente onde enchi um copo e tomei a bebida que me parecia ter mais álcool que qualquer outra coisa.
Será que faz mal engolir isso?
Bem, morrer não vou. Mas se for o caso, já estou aqui mesmo, seria meio caminho andado.
Depois de tomar a bebida em um gole, saí pelo salão a procura de Charlotte, mesmo sabendo que ela poderia nem estar mais dentro da casa.
E como esperado, eu não a encontrei.
Mesmo sabendo que bastava chama-la, preferia à moda antiga e humana de encontrar alguém por acaso, do quê chamar sem ter um assunto em específico para começar.
— Tem um lugar onde ela pode estar — disse Laura surgindo de repente.
— Onde? Quero dizer, quem?
— Não se faça de sonsa. — Ela sorriu movendo a cabeça de maneira sugestiva. — As vezes ela fica lá fora, no jardim morto.
Laura sumiu e me perguntei se ela realmente estaria lá. Decidi não ficar na dúvida e segui até o jardim, mas ao chegar não havia ninguém, então voltei e fiquei assistindo a festa dos fantasmas que estavam animados feito crianças.
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Atualizado até capítulo 34
Comments
Cleidiane Oliveira
agora que tava bom quero mais.
2022-11-20
2
amando , ansiosa por mais
2022-11-20
1
Nataly Lopes
continua autora,está maravilhoso
2022-11-20
1