— Como ficou o assunto declaração? — perguntou Laura enquanto eu estava regando o jardim que ainda estava do mesmo jeito, mas a rosa parecia estar evoluindo para desabrochar.
— Também quero saber — disse Marcela.
— Não tenho tempo nem para pensar sobre isso.
Não havia muitas alternativas mesmo. Convivendo com a mulher, só restava ter que fingir não estar pensando ou sentindo nada.
Eu já tinha me rendido e contado para as duas sobre minha conversa com Charlotte. Queria poder dizer também que ela me levou para ver os gêmeos, mas essa parte não dava pra contar. Tirando a parte de Pedro — aquele traidorzinho — eu havia ficado tocada por Charlotte ter me levado até lá, afinal não tinha porquê ela fazer isso.
A troco de quê? Ela sabia que eu ficaria feliz.
— Quando alguém faz algo que sabe que a gente quer muito, isso quer dizer que essa pessoa se importa. Não é mesmo? — Ousei perguntar.
— Como assim? Que mudança de assunto é essa? — perguntou Marcela que tentava cutucar o botão de rosa, então joguei água em sua direção no intuito de fazê-la sair de perto.
— Não encoste em minha flor — alertei. — Ela precisa ficar quietinha.
— É um verdadeiro milagre surgir uma flor assim de uma hora para outra — disse Laura. — O melhor é que não toquemos mesmo, vai que nossas energias atrapalhem o crescimento.
— Que besteira, eu nem consigo tocar niss... — enquanto falava Marcela pegou o botão rapidamente e simplesmente arrancou.
Todas, incluindo ela, ficamos com os olhos arregalados diante da cena.
— Você arrancou! — gritei me aproximando e agachei tocando o talo.
— Mas... Mas eu pensei que não conseguia tocar.
— Você consegue porque faz parte da casa — explicou Laura.
— Desculpa Alice, eu...
Ela se calou e eu, que até então encarava o que restou da flor, desviei o olhar percebendo que ambas sumiram. Quando voltei o rosto para frente me deparei com uma mulher, que me assustou terrivelmente.
— Q-quem é você? — perguntei confusa.
— Esteve me procurando.
— Você é... — Ela confirmou, se agachando diante de mim, levando as mãos até às minhas que ainda tocavam o talo.
Observei suas palmas se fechando ao redor das minhas e aos poucos senti que algo acontecia. Devagar, afastamos nossas mãos e a flor estava novamente lá.
— Então foi você quem começou a dar vida ao jardim? — perguntei.
— Não, você quem deu vida a essa flor. Eu apenas coloquei de volta o que ninguém mais pode destruir.
— Quem é você, afinal? Como consegue fazer isso? — Eu tinha tantas perguntas .— Você não é um fantasma — afirmei, lembrando ter sentido o toque. — É como a Charlotte?
Ela sorriu.
— Sou mais como... Alguém que mantém a ordem.
— Sabe onde está meu pai? O que fez com ele?
— Tantas perguntas. — Ela riu. — Eu não posso te dar respostas para coisas que você precisa descobrir sozinha.
— Mas...
— Tudo tem seu tempo, Alice.
Eu levantei rapidamente, como se fosse possível impedir o que já havia acontecido, ela se foi.
...(...)...
Haviam tantas coisas que perturbavam meus pensamentos. Além da mulher que eu não fazia idéia de quem era, a lembrança do que Charlotte disse sobre achar que eu seria a última, não saia de minha cabeça.
E como ela ficaria depois disso?
Me peguei sozinha, sentada na escadaria de trás, enquanto pensava sobre aquilo. Dalí eu tinha vista para o jardim, onde também me lembrava a mulher misteriosa. Tudo se misturava em minha cabeça e formava um bolo.
Não percebi quando o garoto mudo sentou ao meu lado, mas quando ele esticou o braço para pegar um graveto no chão, me dei conta de sua presença e o observei rabiscar alguma coisa na areia.
"Não cuide do jardim" escreveu e eu o encarei com uma incógnita no olhar, mas ele apenas levantou e saiu
— Ei! Volta aqui! — chamei, mas ele claro, desapareceu.
— Com quem estava falando? — perguntou Laura surgindo.
— Aquele mudo — falei observando a frase no chão.
— Por que ele não quer que cuide do jardim? A propósito, eu vi que a flor voltou a aparecer.
— É, são as coisas estranhas dessa casa. Por falar em flor, você viu a Ma?
Laura deu de ombros e eu levantei rapidamente.
Procurei em todos os lugares possíveis e perguntei a todos os fantasmas, mas ninguém sabia nada.
— Desde que arrancou a flor ela sumiu — disse Laura.
— Mas isso já faz um tempão! Vocês nunca ficam muito tempo em off.
— Em off? — Laura ia de um lado para o outro, atrás de mim.
Eu tinha um pressentimento ruim e não restava ninguém a recorrer além Charlotte. Mas nem precisei ir até a sala ou chama-la, ela simplesmente apareceu no meio do salão principalmente onde eu estava, já sabendo o quê me preocupava.
— Ela não está aqui, Alice — disse.
— E onde mais pode estar?
Nos encaramos e não era preciso palavras para saber um possível lugar.
— Me leva até lá — pedi já me aproximando dela, logo segurando sua mão.
Charlotte me encarou como se não fosse fazer o que eu pedia, mas sua ação foi contraria. Em um piscar de olhos estávamos dentro do antigo apartamento de Marcela, especificamente na sala, onde eu pude ouvir a voz dela.
Corri em direção ao quarto onde encontrei ela balançando os dedos diante do rosto do bebê que parecia hipnotizado, como se pudesse vê-la.
— Marcela? — chamei e ela rapidamente afastou-se do berço.
— É só um pouco — disse, antes de sorrir voltando a olhar para ele.
— Desde quando está aqui?
— Não sei, perdi a noção do tempo. Olha Alice, parece que ele está me vendo. — Ela foi até o outro berço. — Esse aqui também. Eles nem choram.
— Você sabe que eles são pequenos demais para ver até um ser vivo, não é? Você acha normal que eles saibam que está aqui?
— É porque eu sou a mãe deles.
— Claro que não, Ma! Isso não tá certo.
— Não vou deixar nenhum espirito se aproximar, posso cuidar deles mesmo daqui.
— Vem comigo. — Me aproximei tentando tocar no braço dela, já que eu não estava ali em carne e osso, então talvez pudesse toca-la, mas ela empurrou minha mão com uma força fora do comum, me deixando muito assustada.
— Não, eu vou ficar! Não estou fazendo nada de mal. — Ela voltou a balançar a mão diante do rosto do bebê.
— O que eu faço?— perguntei a Charlotte que apenas olhava a cena, mas não obtive resposta.
Eu pensei que tudo estava perdido, até Charlotte se aproximar de Marcela de repente e segurar em seu braço. Pude notar o medo no olhar de minha amiga.
Naquele momento temi que Charlotte pudesse fazer algo contra ela.
— Você está morta, não há nada que possa mudar isso — disse com firmeza. — Seus filhos não vão te ver. Seu lugar não é mais aqui.
Marcela desapareceu, mas foi de um jeito estranho, não como das outras vezes. Foi como se Charlotte tivesse causado isso.
— O que você fez? — perguntei me aproximando.
Apenas mandei ela para longe, mas não é definitivo.
— Se ela ver o Pedro.... Se ela se tornar um espírito vingativo... eu nem quero pensar!
— Então não pense. — Em um gesto inesperado ela me puxou para seus braços. — Não pense tanto no que está fora de seu alcance.
Eu senti novamente aquela paz me envolvendo. Fechei os olhos por um momento e quando voltei a abri-los estávamos no casarão.
— Por que fez isso? — Me afastei aos poucos.
— Quando se trata de sua amiga seus sentimentos são muito intensos — disse ela me dando as costas. — Mas tudo tranquiliza quando...
— Você me abraça.
— Vi você com Francisco — disse ela.
— O garoto Mudo? Ele me pediu para não cuidar do jardim. Você sabe o motivo?
Ela não respondeu de imediato, então eu me aproximei para ver seu rosto, já que de repente pareceu estar fugindo de meu olhar.
— Você sabe? — perguntei novamente.
— Tudo sumirá quando houver vida no jardim.
— Tudo o quê?
— A casa... e eu. — Abri a boca para falar, mas ela se antecipou. — Não há como entender como funcionam as coisas por aqui, Alice.
— Por que você não me disse antes? Eu não teria regado ele todos os dias!
— Não acho que seja apenas água que esteja fazendo ele ganhar vida.
— Então como? Você me diz isso com essa calma. Quer que tudo desapareça? Por isso disse que eu serei a última? Você quer desaparecer?
— Não se trata do que eu quero, Alice. Nada acontece por acaso. Se a sua chegada está mudando as coisas por aqui, então é porque existe um motivo.
— E você não questiona? Está disposta a simplesmente aceitar?
— Se você tivesse passado alguns séculos enviando almas para o outro lado, talvez entenderia.
Ela estava prestes a se mover, mas rapidamente segurei em sua mão.
— Fala a verdade, você sente alguma coisa, caso contrário não estaria cansada ao ponto de desejar acabar logo com isso.
Ela pareceu relutar antes de falar.
— Já faz algum tempo desde que... percebi que algo vem mudando.
— Desde quando? O que mudou?
— Não acho que devo falar sobre isso agora.
— Diga, por favor.
— Pela primeira vez senti algo. Involuntário, mas foi só meu.
— O que sentiu?
— Medo.
— Medo? De quê?
— Do que você representa.
— Por causa do jardim?
— Por causa dos seus sentimentos. Nunca antes alguém sentiu... — Ela se calou.
— Nada por você? — Me atrevi a tocar a mão dela novamente. — Eu não quero que você e a casa desapareçam. Nunca quis ver fantasmas e claro, queria minha vida normal de volta, mas agora não tenho mais ninguém. Vocês são tudo o que tenho. Mesmo sabendo que um dia todos que estão aqui vão embora, ao menos você eu sei que pode ficar. Não sei como posso estar nutrindo esse jardim. Se a sua existência depender disso, eu não quero continuar.
Senti seu aperto em meus dedos enquanto ela mantinha o olhar fixo em nossas mãos.
— Aquela mulher não pode dizer como evitar? — perguntei.
— Se isso está acontecendo é porque é o nosso destino. Você está aqui para isso.
— Não! — Me afastei rapidamente. — Eu não posso continuar aqui se isso implica em... Perder você.
Senti a angústia crescer em meu peito e antes que começasse a chorar ali na frente dela, sai o mais rápido possível.
Sai da casa sem um destino certo. Quem sabe conversar com alguém morto por aí, pois não queria mais voltar para aquele lugar.
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Atualizado até capítulo 34
Comments
Jisoo Me
gostei bastante ate aqui
me lembra muito hotel del luna
se é que voces me entendem kkkk
2023-05-18
3
Nataly Lopes
estou sofrendo junto com a Alice,
2022-11-22
1
Cleidiane Oliveira
tadinha da Alice na escuridão sem saber pra onde ir.
2022-11-22
1