Capítulo 09

— Como ficou o assunto declaração? — perguntou Laura enquanto eu estava regando o jardim que ainda estava do mesmo jeito, mas a rosa parecia estar evoluindo para desabrochar.

— Também quero saber — disse Marcela.

— Não tenho tempo nem para pensar sobre isso.

Não havia muitas alternativas mesmo. Convivendo com a mulher, só restava ter que fingir não estar pensando ou sentindo nada.

Eu já tinha me rendido e contado para as duas sobre minha conversa com Charlotte. Queria poder dizer também que ela me levou para ver os gêmeos, mas essa parte não dava pra contar. Tirando a parte de Pedro — aquele traidorzinho — eu havia ficado tocada por Charlotte ter me levado até lá, afinal não tinha porquê ela fazer isso.

A troco de quê? Ela sabia que eu ficaria feliz.

— Quando alguém faz algo que sabe que a gente quer muito, isso quer dizer que essa pessoa se importa. Não é mesmo? — Ousei perguntar.

— Como assim? Que mudança de assunto é essa? — perguntou Marcela que tentava cutucar o botão de rosa, então joguei água em sua direção no intuito de fazê-la sair de perto.

— Não encoste em minha flor — alertei. — Ela precisa ficar quietinha.

— É um verdadeiro milagre surgir uma flor assim de uma hora para outra — disse Laura. — O melhor é que não toquemos mesmo, vai que nossas energias atrapalhem o crescimento.

— Que besteira, eu nem consigo tocar niss... — enquanto falava Marcela pegou o botão rapidamente e simplesmente arrancou.

Todas, incluindo ela, ficamos com os olhos arregalados diante da cena.

— Você arrancou! — gritei me aproximando e agachei tocando o talo.

— Mas... Mas eu pensei que não conseguia tocar.

— Você consegue porque faz parte da casa — explicou Laura.

— Desculpa Alice, eu...

Ela se calou e eu, que até então encarava o que restou da flor, desviei o olhar percebendo que ambas sumiram. Quando voltei o rosto para frente me deparei com uma mulher, que me assustou terrivelmente.

— Q-quem é você? — perguntei confusa.

— Esteve me procurando.

— Você é... — Ela confirmou, se agachando diante de mim, levando as mãos até às minhas que ainda tocavam o talo.

Observei suas palmas se fechando ao redor das minhas e aos poucos senti que algo acontecia. Devagar, afastamos nossas mãos e a flor estava novamente lá.

— Então foi você quem começou a dar vida ao jardim? — perguntei.

— Não, você quem deu vida a essa flor. Eu apenas coloquei de volta o que ninguém mais pode destruir.

— Quem é você, afinal? Como consegue fazer isso? — Eu tinha tantas perguntas .—  Você não é um fantasma —  afirmei, lembrando ter sentido o toque. — É como a Charlotte?

Ela sorriu.

— Sou mais como... Alguém que mantém a ordem.

— Sabe onde está meu pai? O que fez com ele?

— Tantas perguntas. — Ela riu. — Eu não posso te dar respostas para coisas que você precisa descobrir sozinha.

— Mas...

— Tudo tem seu tempo, Alice.

Eu levantei rapidamente, como se fosse possível impedir o que já havia acontecido, ela se foi.

...(...)...

Haviam tantas coisas que perturbavam meus pensamentos. Além da mulher que eu não fazia idéia de quem era, a lembrança do que Charlotte disse sobre achar que eu seria a última, não saia de minha cabeça.

E como ela ficaria depois disso?

Me peguei sozinha, sentada na escadaria de trás, enquanto pensava sobre aquilo. Dalí eu tinha vista para o jardim, onde também me lembrava a mulher misteriosa. Tudo se misturava em minha cabeça e formava um bolo.

Não percebi quando o garoto mudo sentou ao meu lado, mas quando ele esticou o braço para pegar um graveto no chão, me dei conta de sua presença e o observei rabiscar alguma coisa na areia.

"Não cuide do jardim" escreveu e eu o encarei com uma incógnita no olhar, mas ele apenas levantou e saiu

— Ei! Volta aqui! — chamei, mas ele claro, desapareceu.

— Com quem estava falando? — perguntou Laura surgindo.

— Aquele mudo — falei observando a frase no chão.

— Por que ele não quer que cuide do jardim? A propósito, eu vi que a flor voltou a aparecer.

— É, são as coisas estranhas dessa casa. Por falar em flor, você viu a Ma?

Laura deu de ombros e eu levantei rapidamente.

Procurei em todos os lugares possíveis e perguntei a todos os fantasmas, mas ninguém sabia nada.

— Desde que arrancou a flor ela sumiu — disse Laura.

— Mas isso já faz um tempão! Vocês nunca ficam muito tempo em off.

— Em off? — Laura ia de um lado para o outro, atrás de mim.

Eu tinha um pressentimento ruim e não restava ninguém a recorrer além Charlotte. Mas nem precisei ir até a sala ou chama-la, ela simplesmente apareceu no meio do salão principalmente onde eu estava, já sabendo o quê me preocupava.

— Ela não está aqui, Alice — disse.

— E onde mais pode estar?

Nos encaramos e não era preciso palavras para saber um possível lugar.

— Me leva até lá — pedi já me aproximando dela, logo segurando sua mão.

Charlotte me encarou como se não fosse fazer o que eu pedia, mas sua ação foi contraria. Em um piscar de olhos estávamos dentro do antigo apartamento de Marcela, especificamente na sala, onde eu pude ouvir a voz dela.

Corri em direção ao quarto onde encontrei ela balançando os dedos diante do rosto do bebê que parecia hipnotizado, como se pudesse vê-la.

— Marcela? —  chamei e ela rapidamente afastou-se do berço.

— É só um pouco — disse, antes de sorrir voltando a olhar para ele.

— Desde quando está aqui?

— Não sei, perdi a noção do tempo. Olha Alice, parece que ele está me vendo. — Ela foi até o outro berço. —  Esse aqui também. Eles nem choram.

— Você sabe que eles são pequenos demais para ver até um ser vivo, não é? Você acha normal que eles saibam que está aqui?

— É porque eu sou a mãe deles.

— Claro que não, Ma! Isso não tá certo.

— Não vou deixar nenhum espirito se aproximar, posso cuidar deles mesmo daqui.

— Vem comigo. — Me aproximei tentando tocar no braço dela, já que eu não estava ali em carne e osso, então talvez pudesse toca-la, mas ela empurrou minha mão com uma força fora do comum, me deixando muito assustada.

— Não, eu vou ficar! Não estou fazendo nada de mal. — Ela voltou a balançar a mão diante do rosto do bebê.

— O que eu faço?—  perguntei a Charlotte que apenas olhava a cena, mas não obtive resposta.

Eu pensei que tudo estava perdido, até Charlotte se aproximar de Marcela de repente e segurar em seu braço. Pude notar o medo no olhar de minha amiga.

Naquele momento temi que Charlotte pudesse fazer algo contra ela.

— Você está morta, não há nada que possa mudar isso — disse com firmeza. — Seus filhos não vão te ver. Seu lugar não é mais aqui.

Marcela desapareceu, mas foi de um jeito estranho, não como das outras vezes. Foi como se Charlotte tivesse causado isso.

— O que você fez? — perguntei me aproximando.

Apenas mandei ela para longe, mas não é definitivo.

— Se ela ver o Pedro.... Se ela se tornar um espírito vingativo... eu nem quero pensar!

— Então não pense. — Em um gesto inesperado ela me puxou para seus braços. — Não pense tanto no que está fora de seu alcance.

Eu senti novamente aquela paz me envolvendo. Fechei os olhos por um momento e quando voltei a abri-los estávamos no casarão.

— Por que fez isso? — Me afastei aos poucos.

— Quando se trata de sua amiga seus sentimentos são muito intensos — disse ela me dando as costas. — Mas tudo tranquiliza quando...

— Você me abraça.

— Vi você com Francisco — disse ela.

— O garoto Mudo? Ele me pediu para não cuidar do jardim. Você sabe o motivo?

Ela não respondeu de imediato, então eu me aproximei para ver seu rosto, já que de repente pareceu estar fugindo de meu olhar.

— Você sabe? — perguntei novamente.

— Tudo sumirá quando houver vida no jardim.

— Tudo o quê?

— A casa... e eu. — Abri a boca para falar, mas ela se antecipou. — Não há como entender como funcionam as coisas por aqui, Alice.

— Por que você não me disse antes? Eu não teria regado ele todos os dias!

— Não acho que seja apenas água que esteja fazendo ele ganhar vida.

— Então como? Você me diz isso com essa calma. Quer que tudo desapareça? Por isso disse que eu serei a última? Você quer desaparecer?

— Não se trata do que eu quero, Alice. Nada acontece por acaso. Se a sua chegada está mudando as coisas por aqui, então é porque existe um motivo.

— E você não questiona? Está disposta a simplesmente aceitar?

— Se você tivesse passado alguns séculos enviando almas para o outro lado, talvez entenderia.

Ela estava prestes a se mover, mas rapidamente segurei em sua mão.

— Fala a verdade, você sente alguma coisa, caso contrário não estaria cansada ao ponto de desejar acabar logo com isso.

Ela pareceu relutar antes de falar.

— Já faz algum tempo desde que... percebi que algo vem mudando.

— Desde quando? O que mudou?

— Não acho que devo falar sobre isso agora.

— Diga, por favor.

— Pela primeira vez senti algo. Involuntário, mas foi só meu.

— O que sentiu?

— Medo.

— Medo? De quê?

— Do que você representa.

— Por causa do jardim?

— Por causa dos seus sentimentos. Nunca antes alguém sentiu... — Ela se calou.

— Nada por você? — Me atrevi a tocar a mão dela novamente. — Eu não quero que você e a casa desapareçam. Nunca quis ver fantasmas e claro, queria minha vida normal de volta, mas agora não tenho mais ninguém. Vocês são tudo o que tenho. Mesmo sabendo que um dia todos que estão aqui vão embora, ao menos você eu sei que pode ficar. Não sei como posso estar nutrindo esse jardim. Se a sua existência depender disso, eu não quero continuar.

Senti seu aperto em meus dedos enquanto ela mantinha o olhar fixo em nossas mãos.

— Aquela mulher não pode dizer como evitar? — perguntei.

— Se isso está acontecendo é porque é o nosso destino. Você está aqui para isso.

— Não! — Me afastei rapidamente. — Eu não posso continuar aqui se isso implica em... Perder você.

Senti a angústia crescer em meu peito e antes que começasse a chorar ali na frente dela, sai o mais rápido possível.

Sai da casa sem um destino certo. Quem sabe conversar com alguém morto por aí, pois não queria mais voltar para aquele lugar.

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Comments

Jisoo Me

Jisoo Me

gostei bastante ate aqui
me lembra muito hotel del luna
se é que voces me entendem kkkk

2023-05-18

3

Nataly Lopes

Nataly Lopes

estou sofrendo junto com a Alice,

2022-11-22

1

Cleidiane Oliveira

Cleidiane Oliveira

tadinha da Alice na escuridão sem saber pra onde ir.

2022-11-22

1

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