Mal me aproximei da porta da frente e me assustei com o ranger da mesma ao ser aberta de repente. Meu coração acelerou e pela décima vez em poucos minutos. E novamente me perguntei o quê estava fazendo ali.
— Chegou bem na hora! — disse uma moça surgindo à minha frente, vindo em minha direção. — Ela está te esperando. — Um sorriso brilhante surgiu em seus lábios. — Venha!
Eu sentia um frio na barriga. E mesmo não sabendo o quê estava acontecendo, me deixei ser guiada para o interior da casa que por dentro parecia ainda maior, com imensas escadarias por onde a estranha subia. Tentei segui-la de perto, mas era tão rápida que quase tive que correr até chegar em um corredor. O papel de parede era rústico, antigo, mas não era desgastado, pelo contrário, parecia recém colocado. Quem teria tal gosto para decoração em pleno século XXI?
A estranha abriu uma porta por onde uma luz forte surgiu.
— Entra! — incentivou.
Me aproximei devagar até finalmente parar diante daquela luz. E por estranho que pareça não dava para ver exatamente o quê havia lá dentro.
Definitivamente isso não é normal. Dei um passo atrás.
— Vai, boba!
A luz branca quase me cegava.
— Quem está me esperando aí? — Ousei perguntar.
— Vai logo! — Insistiu ela, ainda com um sorriso.
Mesmo ainda incerta, me aproximei devagar, mas quanto mais entrava, mais claro parecia o lugar.
Um vento forte bateu em meus cabelos de repente, me fazendo arrepiar. Até que, de repente, pude ver a pracinha onde costumava ir quando criança.
— N-não é possível. — Virei em direção a porta, mas não havia mais nada atrás de mim.
Olhei ao redor, assustada.
Como era possível? Em um minuto eu estava naquela casa e de repente ali, naquele dia nublado.
Um grito me assustou.
É uma criança? Olhei novamente ao redor e avistei uma menina.
— Ela não é adorável? — disse alguém.
Praticamente saltei ao ouvir a voz a meu lado.
— Quem diria que se tornaria... Você.
— O quê... ?
— Perdão, a grosseria. — Ela estendeu a mão. — Charlotte.
Olhei a palma da estranha, mas não tive coragem de corresponder ao gesto.
— Seus pais não te ensinaram bons modos, menina? — Ela sorriu. — Oh, lembrei que você é órfã.
— Quem é você? E onde... estamos?
— Alguém que veio te contar uma historinha, Alice.
— Sabe meu nome? — Dei um passo atrás.
— Não tema, eu não faria nada contra você, nem mesmo se quisesse. — Ela tinha uma indiferença na voz e no olhar que me impossibilitava decifrar se estava sendo verdadeira. — Mas vamos lá. Era uma vez um homem que levava uma vida pacífica fazendo seu trabalho, até que um dia ele simplesmente desapareceu. Agora sua linda filha precisa continuar esse trabalho e quem sabe até ajudar a encontrá-lo
— Do quê está falando?
— Seu pai sumiu. E isso te obriga tanto a ocupar o lugar dele, quanto ajudar a descobri o que aconteceu.
— Meu pai?
Observei ela caminhar em direção ao balanço. Naquele momento um forte vento bateu em meu rosto,bme obrigando a fechar os olhos rapidamente e quando voltei a abri-los estávamos em uma sala, onde ela já estava sentada numa poltrona de couro marrom, tomando uma bebida avermelhada, assim como o vestido que usava.
Tudo o que ouvi a seguir era absurdo e sem pé nem cabeça. Então absorvi apenas a parte que me interessava.
— Então meu pai trabalha para você e agora quer que eu o encontre? Ele estava vivendo nessa casa o tempo todo, sabendo quem sou e onde moro, mas nunca me procurou? E agora quer que eu o encontre?
— Vejo que entende apenas o que quer — disse ela.
— Nada do que me disse faz sentido. Não sei o quê estou fazendo aqui, mas nada que envolva meu pai me interessa.
Segui em direção a porta onde ao abrir me deparei com ela. Meu coração quase saltou no peito. Tive que olhar para trás, conferindo que não estava mais sentada na poltrona.
— C-como...
— Isso é tão cansativo. E olha que nem mesmo canso como os humanos. Realmente não gostaria de ter que ficar explicando, mas é necessário, então... Sente-se.
Eu simplesmente pisquei e estava sentada na poltrona.
— Mas...
Minha mente estava girando com tudo o que ouvia sobre vida, morte, almas, maldição e toda uma história absurda contada por aquela estranha que seguia falando enquanto andava de um lado para o outro, com seu par de sapatos vermelhos. Me deixando tonta e cada vez mais confusa.
Ela não parecia disposta a desistir até que eu acreditasse naquelas loucuras, então decidi tentar ver as coisas como se fossem verdade para chegar a uma conclusão e dar um fim a aquela conversa.
— Como eu disse, nada disso faz sentido, mas seguindo uma lógica, se tudo isso que me diz for verdade, então você não deveria ser capaz de encontrar meu pai? — falei, ficando de pé. — Se ele é seu... Servo, empregado, ou seja la o quê, encontre-o você mesmo!
Eu sentia rancor ao tocar naquela palavra; pai. Ele simplesmente desapareceu nos deixando desamparadas. Não conseguia evitar culpa-lo pela desistência de minha mãe pela vida. Ela havia sofrido com seu desaparecimento e não foi capaz de suportar mais nada. Passei a vida me virando sozinha para ao menos existir. Enquanto isso ele esteve alí, naquela mansão o tempo todo, sem se dar ao trabalho de saber ao menos como eu estava.
— Agora você me pegou. — Apontou para mim e no mesmo momento sentei, como se algo tivesse me empurrado para trás obrigando a ficar alí. — Eu deveria, não é mesmo? Não entendo. É como se a existência dele tivesse sido apagada de uma hora para outra. Ele não atravessou.
— Atravessou?
— Para o outro lado. Ele não seria capaz de atravessar sem passar por mim. — Ela pareceu concentrada nos próprios pensamentos, sem parar de andar de um lado para o outro. — Em toda minha existência nada como isso aconteceu. Todos vocês cresceram, tiveram filhos, me serviram e morreram. Agora isso?
— Em toda minha existência algo assim também nunca me ocorreu. — Novamente fiquei de pé. — Inclusive, espero que nunca mais aconteça. — Segui em direção a porta enquanto falava. — Não posso ajudá-la sobre o homem que diz ser meu pai.
— Alice, não complique as coisas para você mesma.
Ouvir ela dizer, mas eu já saia rapidamente.
Quando cheguei na clínica pensei estar terrivelmente atrasada, mas encontrei Marcela ainda à espera para ser atendida. O tempo aparentemente não havia passado como imaginei. Talvez eu tenha surtado e nada daquilo tenha realmente acontecido.
— Estou nervosa — disse Marcela apertando minha mão. Ela estava gelada.
— Vai dar tudo certo! — tentei tranquiliza-la.
— Deu certo, ela está grávida.
Quase pulei de susto ouvindo a voz ao meu lado, onde virei me deparando novamente com aquela mulher.
— O-o que faz aqui? — perguntei.
— O quê? — perguntou Marcela do meu outro lado.
— São gêmeos — disse a tal Charlotte.
— O quê? Você tá louca? Vai embora daqui!.
— Alice do quê está falando? — perguntou Marcela. — Vamos, preciso entrar.
Ela levantou indo para a sala e eu ainda olhei na direção da estranha, mas logo segui, ignorando o quão perturbador aquilo conseguia ser.
...(...)...
— Parabéns mamãe, são gêmeos — afirmou a médica, enquanto fazia a ultrassom.
Minha amiga ficou prestes a chorar, assim como eu que acompanhei de perto toda a ansiedade e seu desejo de ser mãe.
— Viu? Eu disse.
Quase pulei de susto novamente. Meus olhos saltando ao ver Charlotte ao lado da médica.
— Por Deus!
— O que foi Alice? — perguntou Marcela.
— Essa mulher — falei.
— Que mulher?
Marcela me encarava confusa. Só então, analisando a situação, percebi que ninguém mais se importava com a presença dela alí.
— Elas não me vêem, Alice.
— Você é um fantasma por acaso?
— Por que está falando dessas coisas estranhas justo agora, Alice? — perguntou Marcela, claramente chateada.
— Desculpa amiga.
Eu tive que me esforçar para ignorar a presença de Charlotte, caso contrário minha amiga ficaria uma fera comigo, mas aquela mulher parecia disposta a me provar que tudo o que disse era verdade. Como se eu precisasse de mais alguma prova além do fato dela ter aparecido no banco de trás do carro de Marcela, enquanto seguiamos para a casa dela.
Eu me sentia desconfortável, mesmo nos momentos em que ela desaparecia. Sabia que a qualquer momento voltaria a aparecer, me assustando novamente.
— Você tá muito estranha hoje, Alice — dizia Marcela colocando um copo sobre o balcão, onde eu estava sentada em um banco a espera do suco que ela prometera. — Não me diga que ainda é aquele lance de mediunidade.
— É quase isso — confessei.
— Não acho que seja uma boa idéia contar sobre mim para sua amiga grávida, Alice. — Novamente ela estava lá, ao meu lado, encostada ao balcão. — Não é como se eu fosse um fantasma.
— Para mim é a mesma coisa — falei entredentes tentando ao máximo disfarçar, para que Marcela não percebesse. — Na verdade, eu acho que vou embora amiga, tenho muito trabalho hoje. — Me apressei já levantando.
— Mas já? Tenho o dia livre e o Pedro só chega a noite.
— Eu queria muito ficar, mas... — Olhei em direção a tal Charlotte que acenou para mim. — Estou bem enrolada.
Nem tive tempo de curtir o momento ao saber que minha amiga estava grávida de gêmeos.
— Sinto que vou enlouquecer — falei batendo a cabeça no vidro do carro enquanto voltava para casa.
Por sorte, depois da casa de Marcela a estranha não voltou a aparecer e eu tive o resto do dia livre para pensar em formas de me safar, antes que os últimos neurônios que me restavam explodissem de vez.
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Atualizado até capítulo 34
Comments
Silvia Galdino
estou gostando
mais nao entendi exatamente o que a Charlotte é.
sei que nao é humana mais o que ela é exatamente
2022-12-24
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