CAPÍTULO 5

Respirei fundo umas três vezes pra ver se eu me acalmava, só que não funcionou. Havia umas partes do meu pai que eu preferia não ver e aquele show de horrores com certeza estava no topo da lista.

— Daniel — ele fez o favor de quebrar o silêncio e se cobrir. Não que tenha adiantado muita coisa, já que minha vontade de arrancar os olhos estava longe de ir embora. — Não sabia que vinha hoje.

Resolvi ignorar meu pai e focar no rapaz nanico e mau caráter que dividia os lençóis com ele.

— Oi, Benjamin — fiz questão de chamá-lo pelo nome porque ele perdeu o direito a apelidinhos. Se traía a minha irmã, automaticamente me traía também. Era uma questão de honra e aquele gnomozinho não tinha nenhuma.

Voltei minha atenção ao meu pai.

— Eu não sabia que precisava avisar que estava fazendo uma visitinha. — Pigarreei, detestando a fraqueza de minha própria voz. — É melhor eu ir embora...

Me virei porque minha vontade de vazar era tanta que não me incomodaria em ter que comer aquela gororoba da mamãe. Se bem que depois de presenciar uma das piores cenas que já vi na minha vida, perdi o apetite.

— Não! — Congelei no lugar assim que ouvi meu pai gritando.

Pude ouvi-lo saindo da cama, mas não me atrevi a virar para encará-lo. Nunca me senti tão traído na vida. Quer dizer, ele sempre pontuava meus defeitos, criticava minhas roupas e olhava torto para cada homem com quem eu saía.

Pensei que ele era aquele típico macho alfa de cabeça oca que nunca progrediria. Só que ele era pior, muito pior do que isso. Ele era o tipo de patife que preferia apontar o dedo na cara dos outros e fazer o mesmo a quatro paredes. Mais do que isso, com o namorado a filha dele.

Pelo amor de Lady Gaga, aquilo deveria ser crime em algum lugar, não era possível!

— Daniel, eu... — Senti sua mão em meu ombro e não pude deixar de sentir um nojo profundo daquele mero toque. — Eu posso explicar.

— Vai tentar me explicar o óbvio, pai? — Fiz um movimento brusco para me livrar de seu toque e o fuzilei com os olhos. — Eu sei o que eu vi e Raissa vai saber também.

— Não... — Escutei a voz fraquinha de Ben protestar. Era inacreditável a falta de noção daqueles dois. — Por favor, não conte pra ela.

— Não conto. — Cruzei os braços depositando todo meu veneno nas palavras. — Vou deixar pra você contar, até porque essa cagada foi sua e não minha.

— Eu sei. — Mostrou-se arrependido, só que eu ainda tinha minhas dúvidas a respeito dele. Aquela carinha inocente de francesinho de olhos verdes e seus impecáveis cachinhos de anjo nunca me convenceram.

— Então foi por isso que se separou da mamãe? Pra ficar com ele? — Engoli em seco, o sentimento de asco me corroendo por dentro. — Quer dizer, você sempre me criticou por sair com caras, mas esse tempo todo você fazia o mesmo?

— Tem uma diferença — pontuou, ajeitando os cabelos negros que caíam sobre a testa suada. Eu preferia nem pensar no que ele estava fazendo pra ficar tão suado. Por Gaga, eu vi com meus próprios olhos! Quem eu estava tentando enganar, afinal? — Eu sou discreto. Saio com outros caras, mas não me visto desse jeito. — Apontou para a minha jaqueta laranja que julguei inofensiva quando a escolhi a dedo.

— Pera, você saí com outros caras? — perguntou Ben, a testa se enrugando gradativamente.

— Descobriu agora que meu pai é um canalha? — bufei, querendo rir da expressão de choque que Ben exibia.

Tadinho! Ele pensou mesmo que era o único?

— Não — meu papi respondeu tarde demais. — É só você, meu bem.

— Meu bem — repeti com uma vontade avassaladora de vomitar. — Pra mim já deu. Olha, vou embora. Podem continuar, prometo não voltar aqui tão cedo.

— Espere! — exclamou meu pai quando eu estava prestes a me retirar. — Quero mesmo falar com você. Claro que agora isso vai ficar estranho, ainda mais depois do que viu, mas...

— Desembucha logo porque sair daqui já virou uma necessidade. — Eu estava tremendo tanto feito uma vara verde que mal tinha controle sobre meu próprio corpo.

Só queria deitar no meu travesseiro e apagar de uma vez por todas aquele dia traumático da minha memória. Primeiro, ganhei um stalker, depois fui humilhado em plena sala de aula pelo próprio professor e agora presenciei meu pai trepando com um garoto que tinha metade da idade dele. Ou eu estava fazendo parte de algum American Pie amador e esqueceram de me contar ou era um daqueles dias em que eu nem deveria ter saído da cama.

— Você sabe que Christopher tem total controle sobre as câmeras de segurança da faculdade, certo? — introduziu o assunto como se temesse minha reação, o que era bom porque em outras circunstâncias, eu que estaria com o rabo entre as pernas.

Assenti de má vontade, já prevendo antecipadamente aonde aquilo tudo iria dar.

— Ele me informou que você tem andado com roupas... inadequadas. Seu padrinho não quis intervir, alegando que os alunos têm a liberdade de se vestir da forma que quiserem contanto que não sejam vulgares. Já eu achei melhor conversar com você da mesma forma.

Colocou a mão de novo no meu ombro e me controlei para não tirar. Será que ele não via que eu tava com nojo dele?

— Você não é mais uma criança, Daniel. Antes, era aceitável você usar o que quisesse, agora tem que pensar no seu futuro. Acha mesmo que alguém vai levar a sério um cara usando vestido? Imagine isso num ambiente de trabalho. É inaceitável!

— Você não me deixou escolher o curso que eu queria, estou fazendo Letras por sua causa. Então a verdade é que eu não me importo com o meu futuro porque tudo indica que nunca terei o dos meus sonhos.

— Letras sempre foi mais a sua cara do que Moda — disse, deixando nítido que não me conhecia nadinha. — Meu sonho mesmo era que você fizesse Direito, mas não se pode ter tudo nessa vida, não é? Filho meu não vai fazer Moda, isso é faculdade de mulherzinha.

— Até parece que vou ser pau mandado e fazer Direito. — Revirei os olhos, podando suas esperanças pela raiz. — E Letras não têm muito a ver comigo. Durmo na maioria das aulas e nem sequer gosto de ler.

— Vai ter que aprender a gostar se quiser ser alguém na vida — rosnou, me encarando como se eu fosse à personificação do maior mal da humanidade.

— Se eu quiser ser alguém que não sou, no caso — murmurei, destilando mau humor. — Alguém que usa terninho e fica cheirando aquela bunda murcha do presidente. É esse tipo de cara que você quer que eu seja, não é? Bem, lamento decepcionar, mas não vai rolar. — Livrei-me de seu toque com um dar de ombros violento. — Se era só esse sermãozinho sem fundamento, então é melhor eu ir.

Demorei-me mais do que o necessário naquele apartamento, então já passou da hora de dar no pé e dormir na esperança de que o dia seguinte fosse menos trágico.

— Eu espero de verdade que vocês tenham pelo menos usado camisinha — falei antes de apertar o passo, saindo de uma vez por todas daquele ambiente claustrofóbico e daquele cheiro nauseante de sexo.

***

Uma parte minha tinha consciência de que eu estava sonhando.

Era isso ou eu estava sob o efeito de alguma droga alucinógena. O que me incomodava nesse sonho em específico era que eu literalmente podia estar em qualquer lugar do mundo, mas não. Invés disso, eu estava na sala de música tentando tocar violão.

Qual é! Eu podia conhecer Lady Gaga, cantar com Britney Spears e beijar os calcanhares de Madonna. Mas não, nem o mundo dos sonhos facilitava minha vida. A companhia com a qual eu tinha que lidar era a de Fábio vulgo Alessandro. Por mais que eu tentasse, era impossível não ficar repetindo mil vezes a letra da música da rainha Gaga sempre que eu pensava naquele nome.

— Está errado — ele dizia e uma nostalgia preencheu algo que achei que estivesse morto: meu coração.

Fala sério! Isso era ridículo. Não era possível que apenas um sonho pudesse reunir todos os caquinhos fragmentados em meu peito e colá-los.

Fábio tirou o violão de mim e aproximou seu rosto do meu. Acabei esquecendo como se respirava e franzi a testa, as sobrancelhas se unindo. Sua mão acariciou meu rosto e senti seu polegar deslizando por meus lábios.

— Você é um péssimo aluno — sussurrou e engoli em seco, tão nervoso que pela primeira vez na vida, eu não sabia o que dizer. Qual é! Eu era Daniel Pavlova, sempre tinha o que dizer. Ninguém me deixava sem palavras! Eu que causava esse efeito nas pessoas, nunca o contrário. — Vou te ensinar a se comportar. — Me arrepiei todinho ao sentir sua boca em minha orelha.

Fábio distribuiu beijos pelo meu pescoço. Agarrei a gola da sua jaqueta, o puxando para mais perto. Eu queria muito beijá-lo, então o segurei pela nuca e encostei a testa na dele, apreciando o cheiro agridoce de seu hálito.

Estávamos tão, tão, tão perto que chegava a ser surreal. Umedeci os lábios, pronto para receber os dele. Mas como a vida costumava conspirar contra mim até em sonhos, esse foi o momento em que minha mãe resolveu me acordar aos gritos.

— Vai passar o dia todo nessa cama, garoto? — berrou ela, quase me fazendo cair da cama. O clap clap dos saltos indicava que ela estava toda arrumada para ir a algum lugar.

Não tive coragem para olhar por debaixo das cobertas e me deparar com aquela ereção desagradável em plena manhã. Podia ser de xixi, mas eu sabia que não era. Voltei a deitar, fitando o teto do quarto com certa raiva, pensando em coisas broxantes na esperança de fazer meu amiguinho dormir de novo.

— Não é hora disso, amado — murmurei, me sentindo idiota por estar falando com o próprio pau. — Nem tomei café ainda e você já quer foder. Por Gaga, você é um tarado mesmo!

Fechei os olhos, pensando em idosos com cheiro de naftalina. Geralmente me ajudava. Dessa vez, não foi lá muito útil, pois a imagem de Fábio me tocando surgiu de novo na minha mente como um lembrete de que eu não valia nem uma coxinha com cabelo pra chegar ao ponto de sentir tesão pelo professor que diga-se de passagem, só vi uma vez da vida. Meu pau não tinha mesmo limite!

Cheguei ao nível vergonhoso de pensar no dia anterior, naquela cena traumática do meu pai com Ben. Isso me fez broxar na hora e eu não sabia se agradecia ou corria para o banheiro pra vomitar as tripas.

Para piorar, eu estava com fortes dores de cabeça. Meu dia ímpar já começou com o pé esquerdo assim que me atrevi a abrir as pálpebras. Nada me tirava da cabeça que era o universo conspirando contra mim como de costume.

Demorei para pegar no sono no dia anterior. Fui direto para o quarto e nem consegui encarar minha irmã devido ao peso da culpa que nem sequer era minha. Minha mãe tinha aparecido para oferecer o jantar, do qual eu só queria passar bem longe.

Saí do quarto e mandei uma mensagem para Bruno pedindo para que tomasse café comigo no shopping, já que era um dos poucos lugares que abriam no dia ímpar. Anna mandou uma mensagem no grupo das fãs, me lembrando da manicure que havia marcado pra mim. Isso só me deixou ainda mais ansioso para sair de casa.

Escolhi a dedo a roupa do dia, optando por algo menos chamativo porque estava sem paciência para olhares e comentários grosseiros. Vesti uma camiseta branca de gola V e uma calça jeans cor de rosa. O rosa nunca sairia de mim. Era bem capaz de meu espírito ser rosa também, cheio de purpurina, é claro.

Passei uma maquiagenzinha básica e dei graças a Britney por minha mãe ter deixado um bilhete avisando que tinha saído com a minha irmã para fazer compras. A última coisa que eu queria era ter que dar satisfações sobre onde eu estava indo e por que não ia tomar café em casa.

Encontrei Otávio na lanchonete. Como já era de se esperar, ele já estava se empanturrando de comida. Pediu umas três porções de batatas fritas e as mãos estavam grudentas de ketchup.

Os cabelos negros estavam recém-cortados, os cachos grossos pareciam mais volumosos do que o normal. Seus olhos cinzentos escureceram assim que me avistou. Estava na companhia de um cara alto e musculoso parado feito um poste ao lado dele. Os óculos escuros escondiam a expressão do sujeito e mascaravam suas reais intenções.

— Quem é esse cara? — questionei, movimentando a cadeira de rodas do meu primo para conseguir abraçá-lo. — Trocou o Rick por esse poste? — brinquei, pois eu sabia que Otávio era tão apaixonado pelo seu noivo que não tinha a menor chance de ele olhar daquele jeito bobo para outra pessoa.

— Esse é meu segurança, idiota. — Indicou o cidadão com o queixo, sem tirar os olhos das benditas frituras. — Rick contratou para me levar nos lugares enquanto ele trabalha. Já estou acostumado com a cadeira de rodas, mas é difícil afastar os fãs. Alan faz esse trabalho pra mim.

— E por que ele não senta? — Arrastei a cadeira para me acomodar, pois minhas perninhas de saracura já estavam bambas de cansaço. — Vai ficar aí parado, abençoado?

— Já mandei sentar, mas ele não me obedece. — Otávio bufou, parecendo frustrado.

— É porque você tá muito mole ultimamente. — Revirei os olhos e empinei o queixo. — Anjo, é melhor você sentar, se não vou abaixar as suas calças e...

Nem precisei continuar porque Alan já sentou numa cadeira ao lado de Otávio. Sorri com o gosto delicioso da vitória impregnado em minha saliva.

— Agora Alan vai achar que você é um tarado. — Otávio riu enquanto eu esticava a mão para pegar uma das batatas mesmo que não fosse o que eu ansiava comer em plena manhã.

— Errado ele não está. — Dei uma piscadela para Alan, que se remexeu inquieto na cadeira e passou a fitar as mãos unidas sobre a mesa. Tive vontade de rir daquilo. — Onde está o Rick? — Minhas sobrancelhas se uniram ao perguntar. Aqueles dois eram tão grudados que pareciam ter nascido do mesmo ventre. — É dia ímpar, ele não devia tomar café com você?

— Christopher o fez trabalhar hoje com a promessa de receber hora extra. Não sei pra que! — Dava pra perceber sua irritação na forma furiosa com a qual ele mastigava. Um dos hábitos mais nojentos que ele tinha era o de falar de boca cheia. — Não é como se Rick precisasse do dinheiro dele. Posso dar tudo o que ele precisa. Por mim, ele nem iria mais trabalhar.

— Rick quer ser independente, então fica frio. Acho que ele não é o tipo de pessoa que aceitaria ser sustentado pelo noivo.

— Mas somos um casal! — Otávio suspirou, enfim engolindo aquele excesso de batata, que fez meu apetite sumir assim que vi seus dentes triturando sem qualquer educação ou classe. — O que é meu também é dele. Não existe essa coisa de meu salário, de meu dinheiro. É nosso. Tudo o que tenho pertence a ele também.

— E se vocês se separassem? Ainda seria desse jeito? — provoquei porque meu priminho tinha o dom de achar que o mundo era um conto de fadas quando estava apaixonado daquele jeito.

— Nunca vou me separar dele. Não fala merda, Dani. — A certeza de sua afirmação me fez acreditar realmente naquilo.

Depois de tudo o que passaram e do acidente que quase matou meu primo deixando-o preso numa cadeira de rodas, era mais do que óbvio que as chances deles se separarem fossem quase nulas.

Se bem que isso quase aconteceu alguns anos antes quando uma garota se intrometeu na relação deles e Rick se convenceu de que Otávio estava o traindo. A verdade era que na minha concepção, nenhum casal estava livre da temível separação. Nada era eterno de verdade. Finais felizes só aconteciam em novelas, em filmes e em alguns livros. Os roteiros da vida real geralmente eram escritos com pitadinhas amargas de desgraças nas quais eram quase impossíveis de se driblar.

— Ei, não olha agora, mas tem um gato te encarando — cochichou Otávio, semicerrando os olhos de um jeito nada discreto.

— Um gato? — Demorei um tempinho pra sacar que era um cara bonito e não um animal mesmo. Sim, às vezes eu era meio tapado.

Ignorando o pedido do meu cousin cosy do coração, resolvi espiar meu admirador nada secreto, focando na mesma direção que Otávio fitava.

Senti o sangue das minhas veias sendo sugadas e meu rosto empalidecendo assim que vi aquele professorzinho de quinta na companhia de ninguém menos do que o nosso digníssimo presidente e palavras não descrevem o quanto aquilo doeu.

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Comments

🌟OüTıß🌟

🌟OüTıß🌟

o cara pega o namorado da própria filha e diz isso????.

2024-08-13

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