Quando estava prestes a dar a hora do festival, a pequena Araceli se arrumou, colocou um vestidinho preto e uma capa azul marinho fosca. Se fosse mesmo sair, não poderia chamar atenção. Por isso colocou o capuz da capa, nem mesmo seus cabelos deviam ficar a mostra. A cor deles era singular, perceberiam na hora quem ela era.
Afrodite e Perséfone estavam na sala conversando e rindo como boas amigas. Perséfone tentava distrair Afrodite, pois a mesma amava aquele festival, as comidas, a dança, a música. Todos os enfeites e presentes.
Filha e mãe se pareciam muito, ambas curiosas e encantadas. Porém, ambas tolas e inocentes demais.
Ravi e Yvaine correram para a sala para distraírem as duas deusas.
— Oi crianças, onde estão Darcel e Alana? — Perguntou Afrodite se acomodando mais no sofá.
— Er...Eles estão brincando lá no jardim. Darcel e Alana querem apostar corrida no labirinto de quimeras. — Ele abriu um sorriso ligeiramente forçado.
Afrodite franziu cenho.
— Não acha perigoso que brinquem lá fora justamente está noite? — Perguntou Afrodite a Perséfone preocupada. Yvaine engoliu em seco.
— Fique calma minha amiga, os deuses estão ocupados demais se embebedando e se divertindo. Deixe as crianças. — Afrodite estava exitante, mas preferiu confiar em sua amiga. Quando ela relaxou, Ravi e Yvaine suspiraram de alívio.
Yvaine olhou para trás e viu Darcel e Araceli saindo de soslaio como ratinhos sorrateiros. Araceli deu um sorriso animado e fez um joinha para eles. Yvaine teve que conter uma gargalhada quando Darcel puxou a mão dela para baixo a mandando ficar em silêncio.
— Para onde vocês tanto olham? — Perguntou Afrodite. Ela ia se virar para trás, mas Ravi logo a interrompeu.
— Não é nada! — Ele pulou levantando as mãos. As duas se assustaram e o olharam torto.
— É-é que, o Ravi tá meio nervoso por que ele tem um truque incrível para mostrar a vocês. — Disse Yvaine. As duas sorriam surpresas. Ravi também estava surpreso, mas diferente das deusas, ele não estava sorrindo.
Olhava para Yvaine como se perguntasse " Oque eu faço?!
Ela certamente responderia " Se vira! "
— Então tias, tenho que mostrar o meu novo truque certo...?
O garotinho suava frio, mas precisava arrumar alguma coisa para não desmentir Yvaine.
Então com esforço concentrou um pouco da magia que estava tentando controlar, para fazer um arco e flecha.
As mulheres o olhavam entretidas e cheias de espectativa. Até mesmo Yvaine, parecia ter esquecido de que era apenas uma distração.
Com o suor escorrendo pela testa e rolando para a bochecha dele, Ravi fez um pequeno arco e flecha de magia dourada como pó encantado dos contos inexistentes.
— Que lindo Ravi! Parabéns! — Elogiou Perséfone batendo palmas com Afrodite. Ravi sorriu meio exausto pelo pequeno esforço que teve que fazer.
Aproveitando a planejada distração, Darcel e Araceli correram até o local onde seria o tão famigerado festival.
Foi realizado na parte mais afastada do Olimpo, para todos os tipos de seres mágicos participarem além dos deuses, mas como sempre, Hades não fora convidado. Era óbvio, ele era odiado mais do que tudo naquele lugar. Não era bem vindo. Mesmo sendo o irmão do próprio Zeus.
— Tem milhares de pessoas aqui Araceli. Acho melhor irmos embora. — Disse Darcel quase com um tom de ordem.
Araceli saiu de trás da árvore em que se escondiam.
— É por isso que não vão nos ver, seremos invisíveis! — Sorriu ela. Darcel revirou os olhos. Certamente, aquela garota um dia mataria ele. E ele seria burro o suficiente para deixar acontecer.
— Só fique perto de mim entendeu? — Araceli assentiu animada. Ambos usavam roupas pretas para não chamarem atenção, e capas mais negras do que a noite.
A música estava alta e animada, as mulheres com seus trajes decotados e luxuosos balançavam seus corpos como uma onda sedutora que tinha a intenção de afogar os homens que abaixassem a guarda.
Contudo, nenhuma delas era tão bonita quanto a mãe de Araceli, nenhuma chega a seus pés. Haviam muitas outras crianças ali, todas brincando deslumbrantes e felizes. Araceli queria muito isso...Por que tinha que ficar presa e escondida como se fosse um Hecátonquero? Isso era injusto, droga. Nem mesmo os Hecátonqueros viviam escondidos, já estavam livres a séculos.
— Podemos comer um pouco? — Perguntou Araceli fitando as mesas repletas das mais diversas delícias cintilantes do reino.
Darcel examinou bem, e depois assentiu achando que uma beliscada não iria fazer mal.
Eles correram até uma das mesas e seus olhos brilharam graças as mais variadas refeições.
Araceli pegou uma bolinha macia e rosa com listras verdes e a comeu.
— Mas isso é delicioso! — Exclamou com a boca cheia. O doce conforme mastigava mudava seu sabor. Primeiro ela sentiu amoras maduras com melado, depois morangos banhados em caramelo e o frescor de menta.
— Não pode ser tão bom assim. Certeza que não são melhores que os da mamãe. — Disse Darcel pegando um doce diferente e o olhando estranho.
Um triângulo azul com pintas laranjas.
Assim que o pôs na boca, sentiu seus olhos marejarem a a boca arder, mas era definitivamente o doce mais gostoso que já comera.
Tinha o gosto de mirtilos adocicados com caramelo, mas queimava como pimenta ralapenho.
— Ok, é melhor do que o da mamãe. — Admitiu ele derrotado.
Alana riu da expressão dele. Os dois estavam começando a se divertir naquele lugar estranho, riram tanto que sem perceber Alana estava sem seu capuz deixando seus cabelos rosas a mostra.
Darcel logo os cobriu com voracidade pensando que foi rápido o suficiente e que ninguém havia visto a não ser ele.
Mas não perceberam que estavam sendo observados desde quando entraram.
— Você viu oque eu vi? — Perguntou Hera a Zeus com os olhos arregalados. Zeus concordou sentindo um aperto no peito.
— Nunca os vi por aqui pai, devo tomar alguma providência? — Perguntou Ares encarando as crianças que estavam do outro lado do salão atacando as comidinhas e rindo de boca cheia.
— Não faça nada Ares, isso não é seu trabalho. Dionísio! — Gritou. Um homem com cachos negros e túnica dourada, com um corpo magro e bronzeado, e uma coroa de flores douradas na cabeça, se aproximou sorrindo malandramente.
— Sim papai?
— Está vendo aquelas crianças — Apontou — Quero que dê um jeito de separar a menina do filho de Hades.
As sobrancelhas de Dionísio se levantaram.
— Filho de Hades? Ora,ora parece que a maçã podre não cai tão longe da macieira.— gargalha e da um gole enorme no vinho que estava em sua taça de ouro.
— Oque quer dizer com isso? — Perguntou Ares.
— Ah não e nada. É só um ditado humano muito famoso. — Arrotou ele.
— Nojento.— resmungou Ares baixo. Dionísio fez uma reverencia exagerada e saiu andando pelo salão empurrando algumas ninfas e uns sátiros do cominho.
— Por que esse idiota? Sabe que sou melhor do que ele. — Zeus bufou.
— Não comece com isso de novo Ares. É justamente por ser o melhor que você erra.
— Está dizendo que eu devia ser o pior?
— Não, mas isso o tornaria mais humilde. E não tão imprudente. — Ares apertou os punhos com força.
— Sou mais prudente do que a filha que lhe traiu, logo sua preferida não é? — A inveja era nítida em Ares, ele a vestia como uma túnica. E com isso ele conseguiu irritar seu pai.
— Basta! Não fale de Atena, não estrague esta comemoração. — Esbravejou Zeus tentando controlar seus raios.
— Perdoe-me pai. — Lentamente e com amargura, Ares o reverênciou e se retirou.
Araceli e Darcel já haviam parado de comer sentindo a barriga pesar de satisfação.
— Isso foi bom. — Disse Darcel, e Araceli concordou sorrindo.
Antes que pudessem fazer outra coisa, a música se agitou e um homem com uma túnica suja de vinho e uma coroa de flores douradas começou a gritar e chamar todos para dançarem uma tradicional dança repetida todos os anos.
— Vamos, vamos! Alegrem-se! Agradem seu soberano! — Gritava alegremente incentivando a todos.
Logo começaram todos a se dirigirem para a pista de dança empurrando até mesmo Darcel e Araceli. Ele estavam no meio da multidão, estavam sendo arrastados.
— Darcel!! — gritou Araceli segurando a mãos dele forte com desespero, enquanto a multidão a carregava para longe.
— Não solta Araceli! Não solte!
Mas de nada adiantou, as mãos deles se soltaram os empurrando a direções diferentes. Darcel ainda podia ouvir os gritos de Araceli o que o desesperava mais e mais.
A multidão foi os empurrando quase jogando Araceli no chão e a pisoteando até a morte, isso se pudesse morrer.
Quando aquele lugar ficara tão cheio?
Dionísio viu que seu plano dera mais do que certo. Um estava de um lado e o outro do outro, ele se virou para Zeus e deu-lhe um joinha e uma piscadela. Hera estava bem ao lado de Zeus, com um olhar afiado de víbora. Estava atenta a tudo. Zeus levantou-se e saiu do salão.
Ele já sabia oque ia fazer.
Araceli não sabia oque mais poderia fazer a não ser sair do local e rezar para que Darcel a encontra-se no jardim ali fora.
Ela respirou fundo e mais fundo, tentando se acalmar. Até que uma criatura metade homem metade carneiro ( um sátiro) se aproximou com um semblante sereno.
— Está tudo bem minha jovem? Por que chora? — Ele se aproximou com um prato de doces na mão. Provavelmente pegara nas mesas de guloseimas da festa.
— E-Eu... — Ela se retraiu soluçando e a criatura sorriu meigamente.
— Está tudo bem, eu não vou morder você. Só ser for feita de amoras — Ele piscou. Ela sorriu um pouco tentando limpar as lágrimas que insistiam em descer.
— É que...eu me perdi do meu amigo. Eu não devia estar aqui. — fungou. A criatura se sentou ao lado dela no banco de mármore.
— Mas é um festival, por que não estaria aqui? — Ela mordeu o lábio, ela não podia contar nada a ele, não podia contar a ninguém. A criatura percebeu e assentiu, depois a deu um sorriso compreensível.
— Está bem, não precisa me dizer nada ok? Eu sou apenas um pobre e velho sátiro quero não serve para nada. — Ele riu sem humor — Não deveria confiar em mim mesmo.
— Não senhor. Não é isso não. — Ela se sentiu culpada por fazer ele se sentir tão insignificante daquele modo.
— Tudo bem, tudo bem. Odeio ver belas crianças chorando. Tente se animar, coma um doce, tenho certeza que vai se sentir melhor. — Ele estendeu o prato para ela com alguns doces que comera com Darcel. E outros doces diferentes.
— Obrigada senhor. — Na sua vida toda, não conhecera alguém tão gentil, bom, além de Ravi. O sátiro estava tentando anima-la, e ela aceitou de bom grado os doces. Pegou um em formato de estrela.
— Boa escolha, esse doce é especial, dizem que nos mostra o nosso verdadeiro eu. — Ela o olha com curiosidade — Mas também é muito gostoso e brilha ao ser colocado contra a luz.
Ele sorriu mostrando os dentes tortos e amarelos.
Alana levantou o doce e o pôs contra a luz de uma luminária, logo ele começou a cintilar como se mil pequenas estrelinhas estivessem ali dançando, criando seu próprio festival. Ela não tinha visto aquele doce junto com os outros nas mesas. Mas não importava, provavelmente era delicioso.
Assim que o pôs na boca e o mordeu, uma onda de mel explodiu em sua língua, o doce era açucarado demais, tanto que ela franziu o cenho fazendo uma careta. O sátiro gargalhou com a careta que ela fizera.
Não era ruim, mas era enjoativo. E depois de engolir com dificuldade, ela se sentiu mais leve. Como se pudesse voar livremente, sem medos, sem segredos. Estava aberta e solta. As preocupações se esvaíram e suas pupilas dilataram.
— É gostoso?
— Sim, sim. — Respondeu sorrindo sentindo um pouco de sono bater. Ele colocou o prato de doces no chão e depois voltou seu olhar a ela. Mas, de uma forma séria.
— Então...por que estava se escondendo no salão?
— Ah é que eu não podia ser vista, nem eu nem meu amigo. Nós viemos escondidos aqui. — Disse rapidamente.
— Entendi. E por que vieram de penetra? Estavam se escondendo de que? Ou melhor de quem?
A voz dele estava mais séria, não estava mais suave nem gentil.
— É que...minha mãe está fugindo de Zeus moço. E eu também estou. Se ele souber de nós, pode ser nosso fim... — Ele arregalou os olhos.
— Do nosso poderoso líder? Quem é a sua mãe pequena? — Ela suspirou e o olhou com medo.
— Promete não contar a ninguém moço?
— Tem minha palavra de sátiro. — Ele diz mas seu sorriso não voltou, não voltava de forma alguma. E ela estava começando a estranhar isso .
— Eu sou... — Ela sabia que não devia falar, mas por que queria tanto? Por que se sentia livre assim? A língua parecia ter vida própria — Eu sou Araceli a filha de Zeus, minha mãe é Afrodite... nós estamos fugindo dele.
O Sátiro se levantou abruptamente com os olhos imersos na pura fúria. Ele se afastou e disse:
— Eu sabia.
O corpo curvado do sátiro começou a brilhar fortemente, os trovões e relâmpagos começaram a aparecer no céu, assustando a pequena garota. Quando olhou de novo, o sátiro havia sumido e no seu lugar estava um homem, com dois metros de altura, corpo musculoso e cabelos grandes e platinados como os raios, assim como sua barba igualmente platinada.
— Não... não. — Resmungou Alana em espanto, seu corpo começou a tremer e seu coração estava disparando. Como? Não era possível.
— Onde Afrodite está? — sua voz era tão pesada e assustadora que abafava os sons dos relâmpagos.
Araceli tentou não dizer, morder a língua, mas por mais que tentasse não conseguia parar de falar, oque estava acontecendo com ela?!
Sua barriga começou a doer de uma forma que ela se levantou e ajoelhou no chão.
— Não adianta resistir Araceli. Quanto mais você tentar mais vai doer. O doce que você pegou estava enfeitiçado, ele te obriga a dizer a verdade. E se lutar contra ele, você vai sentir uma dor intensa que só vai aumentar e aumentar.
Droga, as lágrimas de dor se misturaram com as de medo e desespero. Como caíram em um golpe tão sujo? Como pode ter sido tão burra mesmo quando sua mãe lhe ensinou a não confiar em ninguém?
— Eu repito. Onde Afrodite está? — Mesmo que tentasse não conseguia resistir, a dor estava se tornando insuportável.
— Na casa...na casa de Atena. Atena está nos protegendo. — Zeus apertou os punhos e seus olhos soltavam mais faíscas. Atena....ele iria puni-la, logo sua filha preferida! Ele amava muito mais do que os outros, e por isso era invejada.
Ele a amava muito.
Mas ele não perdoaria uma afronta, uma traição tão grande.
Atrás de Zeus apareceu um outro homem. Ele segurava Darcel pelos cabelos enquanto ele gritava com o lábio inferior com um corte.
— Descobriu papai? — Perguntou o homem alto e musculoso.
— Ares, vamos até a casa de Atena.
Um sorriso apareceu no rosto de Ares.
— O que você contou Araceli?! Por que nos traiu?! — Gritou Darcel com lágrimas devorando-lhe o rosto.
— Não pude evitar... não foi minha culpa! — Tentava a garota soluçando.
— Traidora! — grunhiu com um puxão forte no cabelo — Traidora....
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Atualizado até capítulo 19
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