Capítulo 15

Eu não estava ficando louca, não, não era isso, eu só não me sentia bem o suficiente para sair em uma briga com a única pessoa que não foi mal comigo, além do mais, o que eu poderia fazer contra ela? Ela me atraia.

Eu a segui, fomos até a casa. De perto o amarelo das paredes parecia bem mais brilhante e o vermelho parecia que tinha acabado de ser pintado, porque eu conseguia ver a tinta escorrendo lentamente e manchando o amarelo. Ela ainda estava andando em direção a porta quando eu parei e passei a mão na janela. Deve ter sido em um único minuto o segundo ato que se seguiu, eu lembro de ter caído, com as mão na frente do rosto, com os olhos trêmulos e a visão turva, ainda tentando entender porque aquele vermelho era sangue.

Ela se aproximava de mim de onde estava, ainda com os passos despreocupados habituais e o sorriso que encantava, só que dessa vez, enquanto minha cabeça pendia para o lado, e a certeza que eu estava preste a desmaiar invadia minha mente, eu pude ver, ainda que de relance, outra pessoa sair de trás e as duas levarem a mão ao rosto e arrancarem o que parecia ser: uma máscara.

Minha cabeça doía, eu não conseguia me mexer e qualquer tentativa provocava uma dor intensa pelo meu corpo. Consegui abrir os olhos mesmo com a intensa luz acima de mim e virar o rosto tentando pegar qualquer coisa que surgisse, mas nada, não tinha ninguém ao meu redor, apenas entulhos e prateleiras cheias de frascos rotulados como uma espécie de fita amarela, eu estava pensando em abrir as asas achando que assim o que estivesse me segurando fosse se romper, mas nada, eu simplesmente não conseguia usar meus poderes, minha forma era a de uma humana frágil e infeliz, como sempre fui. As horas passavam, o ambiente estava ficando gelado e meus músculos estavam endurecendo e quase estalando de dor, suspirei, era a única coisa que eu podia fazer e foi aí que as ouvi, ambas rindo bem à minha frente, com aqueles olhares atravessados e cruéis, ainda vestiam roupas de enfermagem e detinham a mesma aparência, eram as doutoras A e I.

-Vocês duas? O que fizeram com ela?

-Como você nos surpreende Liz, não esperávamos tudo aquilo de você...sabe, de certo modo, ela está até orgulhosa. - a A falou, ela estava sem a máscara que normalmente usava e mostrava seu rosto enrugado e flácido, com as peles caindo nas laterais e as rugas o tomando, como um buldogue.

-Do que vocês estão falando? Cadê a Cassi?! - gritei, ignorei suas palavras e me contorci na maca pronta para agarrá-la pelo pescoço.

-Ora ora ora, o cão ainda sabe latir - ambas riram

-Minha querida, sua avó ia gostar tanto de te ver agora, você não imagina como ela está tão apreensiva, coitadinha - sua voz saia carregada de sarcasmos e um meloso irritante.

A I ainda estava com a máscara, mas a luz estava centrada em seu face o que deixa nítido o seu rosto por baixo, o batom rosa mal passado e borrado, os lábios caídos e esponjosos, e os olhos secos e esbugalhados, quase caindo sobre as bochechas inchadas.

Suspirei, estava realmente cansada e não queria jogar aquele jogo, me acalmei, reorganizei os pensamentos e sabia que elas não iam falar mais nada sobre a Cassi, estavam centradas como robôs a seguir uma única linha de conversa, onde o foco era a minha avó.

Depois de pensar e vê-las me encarando por minutos, resolvi continuar, dessa vez posicionando minhas peças bem a frente.

-Minha avó? -perguntei, ciente de que elas continuariam.

-Sim querida, ela está angustiada, não para de pensar em você e o que aconteceu com sua querida neta, seu estado tem piorado a cada dia, coitada. -A I respondeu, olhando de relance para a A e focando os olhos nos meus.

-Eh, ela estava assim a algumas semanas atrás até achar uma pista sobre você.

"Ela estava me procurando?"

-E onde ela está agora?

-Não seja tão apressada, ela sabia que você viria pra cá e nos deu ordens para vir atrás de você e levá-la a salvo.

-E porque ela mesmo não veio?

-Você faria alguma coisa se tivesse empregados pra fazer por você? Ela é assim.

-O que ela quer comigo?

-Ela quer te ver, está louca pra isso, quase quebrou algumas regras pra vir atrás de você antes, mas as coisas não são tão fáceis.

Pensei, sabia o que estava acontecendo e tinha minhas suspeitas sobre o quanto daquela conversa era real, então continue fingindo, com o tom de voz de uma garotinha perdida.

-Se é mesmo isso, porque não me levam logo até ela?

-Não é bem assim, sabe... -elas começaram a se aproximar -... faz tempo que não nos vemos, vamos brincar um pouco antes de irmos, acho que temos bastante tempo, não temos I?

-Sim, temos - seus lábios estavam estreitos na tentativa de expressar um sorriso e nas suas mãos estava aquela seringa com aquele líquido que não era fácil de esquecer.

Ela aplicou no meu braço e antes que eu pudesse fechar os olhos, falou com a voz chegando aos meus ouvidos como um eco.

-Só não vai morrer querida. Ok?

Meus olhos apagaram e junto deles minha consciência se entorpeceu.

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