Capítulo 01

Estava escuro, chovia, o vento soprava forte, e os raios assustavam as vacas no pasto... e eu? … eu estava a me balançar em um pneu preso a uma árvore. Indo e vindo enquanto percebia as coisas ao redor. Eu lembro do som que o ir e vir do balanço fazia, estalando, indo e vindo, estalando...

Lembro também do barulho da chuva caindo sobre as folhas e lembro de uma casa, uma enorme casa. Eu lembro de sair do balanço, lembro de andar em direção a casa, lembro da lama formada pela chuva em meus pés... e lembro daquele grito, aquele único grito que por um segundo parou tudo ao meu redor, até a chuva voltar violentamente e eu me dar conta do que acontecia.

Estava paralisada, mas precisava ver o que tinha acontecido, precisava ver se eles estavam bem, e mesmo com o arrepio ainda percorrendo meu corpo, andei até o local do grito, subi as escadas e assim que cheguei até a porta do quarto eu parei e tentei ouvi alguma coisa vindo de dentro, mas estava estranhamente silencioso. Assim que encostei demais na porta ela rangeu e se abriu lentamente, estava escuro, as janelas estavam fechadas e o chão parecia molhado. Demorei um pouco pra acender uma vela e quando o fiz, assim que meus olhos tiveram contato com aquilo, lágrimas começaram a automaticamente escorrer, eu me senti tonta e caí de joelhos junto da vela que se apagava.

Enquanto eu olhava por todo o quarto, por todos os lados, vendo os frames clareados pelos raios que caiam, não conseguindo parar de chorar, comecei a repetir descontroladamente.

-Não é real, não é real, não é real, isso não é real, não pode ser…

Dizia com todas as forças do meu corpo, desejava até minha voz se esvair que não fosse real, aquilo que eu estava vendo, aquilo que eu sentia, nada daquilo podia ser real, não podia, não podia... eu olhei mais uma vez e repetidamente comecei a bater meus punhos sobre o chão enquanto chorava, enquanto pedia que não fosse real, não podia ser, não podia... e cada vez que o fazia minhas mãos pareciam doer mais e mais e mais.

Quando olhei para minhas mãos me dei conta de que não importava quantas vezes eu pedisse, quantas vezes eu implorasse, quantas lágrimas eu derramasse, aquilo era real. Minhas mãos estavam todas sujas de um líquido vermelho, eu estava ajoelhada no chão do quarto sobre uma poça imensa de sangue, e no sofá, bem ali, bem à minha frente, todos eles, toda minha família, eles estavam ….

Era doloroso e agonizante continuar vendo aquela coisa, todos eles, eu não conseguia mais, não conseguia, não dava pra continuar naquele quarto, a cada segundo que passava eu queria sair correndo, queria poder correr pra longe dali, então me levantei e saí do quarto...

Senti uma sensação de desconforto, uma bomba de sentimentos tinha acabado de explodir sobre mim e sentir cada um deles ao mesmo tempo estava acabando comigo. Eu ainda estava em choque enquanto andava pelos corredores, e um vento gelado soprava as cortinas, passava por mim e mexia as portas entreabertas dos outros quartos.

Estava escuro, a única luz no ambiente era de velas em alguns cantos do corredor, que logo foram apagadas pelo vento. Eu ainda não tinha aceitado aquilo, não dava pra aceitar. Continuei a andar meio tonta indo em direção a uma das velas que ainda estava acesa, ali eu me sentei e encolhida mais uma vez chorei, minhas lágrimas escorriam pelos meus olhos e caiam sobre o chão gelado de madeira, chorei por alguns minutos, enquanto várias coisas passavam pela minha cabeça, momentos com eles, com cada um deles, datas importantes, conquistas, sonhos compartilhados, eu suspirei bem fundo e pensei por um segundo no rosto de cada um, e aquela imagem atormentadora e frustrante vinha a minha cabeça todas as vezes que eu o fazia, eu me debati, soquei o que estava ao meu redor, tudo isso pra esquecer, esquecer aquela dor, aquela cena, aquele único momento, eu não queria mais voltar lá, não queria continuar ali, não podia mais, não podia!

Agarrei com força os meus cabelos e naquele instante minhas últimas lágrimas cairam, não enxuguei o rosto, apenas me levantei, fui até aquele quarto e fechei a porta, e mais uma vez aquele vento gélido invadiu o corredor enquanto agitava as cortinas, me aproximei para fechar a janela e me dei conta da lua enorme e brilhante que ocupava quase toda a vista do céu, continuei a olhar por alguns segundos, quando mais uma vez o vento invadiu pela janela, o céu estava escuro e a chuva batia fortemente no telhado fazendo um barulho calmo e ao mesmo tempo irritante. Pensei em sair correndo dali, pensei em pegar o carro, pegar minhas coisas e desaparecer, mas algo me segurou, algo me prendeu ali, não sei bem o que e não entendo essa parte da memória.

Assim que fechei a janela, andei pela casa, com passos calmos fui de sala a sala, ainda estava escuro e silencioso só sendo possível ouvir o barulho da chuva, então só tentei desviar os pensamentos e ocupei um dos muitos quartos daquela casa, tranquei as portas com o que achei por ali e subi na cama. Eu ainda estava toda suja mas não conseguia fazer nada, eu só queria dormir e acorda como se tudo aquilo tivesse sido um sonho, era tudo o que eu desejava, mas a noite foi longa.

Raios traçaram os céus iluminando partes do quarto, eu me revirava sobre a cama com aquela imagem na minha cabeça, chorava, sentia o frio ainda coberta pelos lençóis, sentia temor, e angústia, as paredes do quarto pareciam ser pequenas demais, o teto parecia cair sobre mim e o chão parecia gelo.

Não tinha luz no quarto, a única vinha de fora dos raios , e eu fiquei ali imóvel enquanto olhava para janela, eu estava profundamente perdida nos meus pensamentos quando me levantei e fui até a janela, a abrir… e um vento forte inundou o quarto, ainda estava chovendo, as árvores ao redor do castelo sacudiam ferozmente com sua aparência seca.

Enquanto tentava me distrair foi quando ouvi uma batida a porta, quem podia ser? Foi a pergunta que me atormentou, mas um pingo de esperança me fez ir em sua direção, e foi quando ouvi aquela voz, me afastei lentamente enquanto a maçaneta era movida de um lado para o outro, e as batidas ficaram contínuas, me afastei o máximo que pude esbarrando na parede gélida e áspera, até eu ouvi de novo a voz :

- Lisa?!

- Lisa?!

Era familiar e reconfortante ouvi-la, podia ser qualquer pessoa, mas eu sentir no momento em que a ouvi, era a voz da minha mãe, então corri na direção e tentei abri a porta enquanto ela continuava a chamar - Lisa, Lisa, Lisa, Lisa, - A porta não queria abrir, a maçaneta rodava e rodava mas nada, e a voz tinha se tornado trêmula e aguda.

- Lisa , Lisa , Lisa ...

Eu tentei com todas as forças abrir a porta, mas nada, e agora eu ouvia em sincronia a voz do meu pai e da minha mãe - Lisa, Lisa, Lisa, Lisa, Lisa - Eu me afastei até a parede contrária e com todas as forças bati contra a porta fazendo ela despencar sobre o chão com um barulho alto e abafado, nisso eu não os escutava mais, não tinha ninguém ali, ninguém…

Olhei todos os quartos mais uma vez, fui em todas as salas , e quando não tive mais escolhas, fui lentamente até o quarto deles, porém quando cheguei a porta eu hesitei, minhas pernas e mãos não se mexiam, meu corpo estava paralisado, eu realmente não queria mais ver aquilo, não queria sentir aquilo outra vez, mas naquele momento eu precisava ver, precisava ter certeza, então fechei os olhos, rangi os dentes e a abrir bruscamente, ao mesmo tempo um raio traçou o céu silenciosamente iluminando o quarto e me dando mais uma vez aquela visão que eu tentará apagar da minha mente, assim que a vi, corri de volta ao meu quarto, entrei embaixo das cobertas e enquanto eu tremia fechei os olhos e silenciosamente comecei a chorar.

O tempo foi passando e quanto mais passava a chuva parecia mais forte, os raios e trovões mais ferozes, e a dor que eu sentia no peito mais agonizante, mas com o tempo e sem perceber… eu peguei no sono

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