Capítulo 4

...Domingo....

...----------------...

Como todas as manhãs éramos acordados por um alarme que soava sempre às seis horas em ponto e durava cerca de cinco minutos, aquele barulho preenchia o quarto e me fazia querer arrancar meus ouvidos logo de manhã.

Eu me levantava enquanto ainda o ouvia, ia até a pia e lavava o rosto e o cabelo me preparando para o interrogatório. Enquanto eu não era chamada, resolvia abrir um de meus muitos cadernos de anotações, e o folheava enquanto procurava em que semana estava e quem iria me interroga hoje ( temos 7 entrevistadores neste lugar e cada um deles atende em um dia específico ) pra minha surpresa o daquele dia era o Doutor R, um velho de cabelos brancos e uma aparência decadente e pele enrugada.(Ah, quanto ao seu nome, eu não sei, eles nunca pronunciam o nome completo.)

Enquanto eu folheava o caderno, vieram me chamar, fui levada até a sala de interrogatório, uma sala menor que meu quarto, contendo apenas duas cadeiras, uma mesa, e uma luz branca que iluminava toda o ambiente, quando enfim cheguei a porta, ele já estava lá, sentado, vestindo um jaleco branco e segurando aquela bengala que o ajudava a ficar em pé, e como sempre, ele me recebeu com um sorriso enquanto brincava com a bengala.

-Pode vir ….Querida.

Assim que a entrevista começa, ele sempre diz enquanto olha fixamente o meu rosto.

- Sua expressão fica mais bela a cada dia, senhorita Lisa. - sua voz saía rouca e engasgada como se fosse a qualquer momento começar a tossir.

- Preciso agradecer a você por isso ?- e eu sempre o respondia sarcasticamente.

Eu odiava esse momento do dia, pode parecer o mais simples e fácil, mas são três horas seguidas de ele me fazendo lembrar e reviver aquele dia, me fazendo contar e contar até que ele se canse de ouvir, e quando ele fica entediado... é aí que nossos jogos começam...

-Então... vai me dizer o mesmo de sempre ?

- Velho, acho que você ainda não entendeu, não importa quantas vezes pergunte minha resposta nunca vai mudar.

- Sinceramente - ele sorria - Eu não me importo, não mesmo, agora continuando, o'que aconteceu depois daquilo?

- Eu já disse milhares e milhares de vezes! - gritei, impaciente - Eu só lembro daquele...

- Eu não lembro de nada, só lembro desse dia, é tudo que sei. - ele respondeu com tom de deboche enquanto tentava imitar minha voz - Lisa, Lisa, Lisa ... facilite pra mim... afinal você não quer chegar logo ao último round ... ou você quer ? .- ele dizia calmo e sereno, enquanto passava a mão sobre uma bolsa que sempre carregava.

- Você é mesmo seco de todas as formas...

- Ora ora... obrigado pelo elogio, vamos começar.

Passaram uma, uma e meia e duas horas, eu já tinha me cansado de contar a mesma coisa, chorando e voltando à aquele dia, porém ainda não era suficiente pra ele, ele queria mais, queria saber a verdade, e eu estava contando a verdade, mas ele se convencia de que eu estava errada, de que tinha algo mais, alguma coisa que eu escondia, algum segredo, mas aquilo era tudo o que eu sabia, eu só podia contar a história e esperar que acreditasse, mas nunca funcionava.

Faltando mais ou menos meia hora para o fim da entrevista ( era como eu chamava o interrogatório ) ele começou a falar outra vez.

- Espero que me entretenha mais...

- O que pensa em fazer dessa vez?! ..

- Logo logo você vai descobrir-A rouquidão característica de sua voz parecia até proposital.

Ele se aproximou, se abaixando e com aquelas mãos secas e enrugadas tirou o meu sapato, pegou uma jarra de água e começou a derramá-la sobre meu pé, depois de o levá-lo, o enxugou e começou a alisar, passando os dedos entre meus dedos, era assim que ele se preparava para o último round. Eu não podia fazer nada, minhas mãos estavam presas a mesa e minhas pernas a cadeira, eu só tinha que ficar ali e tentar não gritar, porque se o fizesse, ele se divertia e as coisas pioravam.

Ele se afastou, pegou sua bolsa, uma bolsa preta que estava aos trapos... quando a abriu, um brilho forte reluziu dos objetos que ele guardava, ele os tirou um por um e os colocou em cima da mesa a cinco centímetros das minhas mãos, quando enfim tirou todos, ele começou a apresentá-los. Ele me dizia o nome e como os usava e descrevia para mim com riqueza de detalhes o que sentia quando os usava, sua querida ferramenta de trabalho... martelos prateados...

Ele os olhou por mais ou menos dez minutos enquanto decidia qual escolher, e quando enfim escolheu, ele me mostrou enquanto olhava minha expressão, nesse momento eu sempre fecho os olhos, meus pés tremem, minhas mãos formigam, e eu sinto como se estive preste a cair de um penhasco, sinto o vento nos meus braços sinto até meus cabelos se arrepiarem, até ele ficar tão forte que sou empurrada, e enquanto estou caindo, quando finalmente caio, a dor começa, ele martela com todas as forças o meu dedo mindinho, eu me reviro, tento puxar o meu pé, meu grito para no céu da boca e parece me sufocar, eu quero chuta-lo, soca-lo, enforca-lo, quero que ele sofra, que apodreça, quero arrancar sua pele com as minhas mãos... mas eu reprimo todos esses sentimentos, e tento só não gritar... ele martela o dedão... uma... duas... três... quatro vezes, até ele ter certeza que o quebrou, e mais uma vez eu quero matá-lo, eu imploro por isso mentalmente e sempre quando faço ele está atentamente olhando o meu rosto, me encarando com aqueles olhos secos e sem expressão.

No início eu implorava, dezenas e milhares de vezes pra que ele parasse, eu me revirava, o chutava, gritava, chorava, mas ele só me olhava com aquele sorriso e continuava martelando, martelava até eu desmaiar de agonia, mas esses sentimentos acabaram sendo reprimidos com o tempo. Agora a única coisa que posso fazer é desejar matá-lo.

Quando ele enfim termina o "trabalho", ele limpa os martelos e os guarda, tira um vidro de álcool de dentro da bolsa e me mostra, nesse momento eu já não aguento mais e estou preste a perder a consciência, mas ele não se importa e lentamente vai derramando álcool por todo o meu pé até chegar nos meus dedos, e quando chega... arrr eu não consigo reprimir mais nada, tudo que tinha que sair sai, eu grito até não poder mais, choro até minhas lágrimas secarem, e me reviro como se fosse quebrar meus ossos... no final, ele ainda enrola curativos nos meus dedos enquanto suas mãos deslizam pelas cicatrizes de antigos trabalhos.

Talvez pra minha sorte, todos os entrevistadores eram médicos, ou diziam ser, o que lhes garantiam total liberdade de usar seus próprios meios para que falássemos. Pensando melhor... acho que não posso chamar isso de sorte.

Agora um fato curioso pra vocês: acho que começou em setembro, no meio do mês, eu percebi que estava começando a me curar muito rápido e a dor estava começando a não parecer mais um problema.

Quando ele tem que deixar a sala ele aproxima suas mãos do meu rosto na tentativa de limpar as lágrimas, mas neste momento ele mesmo se reprime e se repreende. Antes de sair ele sempre diz.

- Espero poder vê-la logo... minha querida Lisa.

Depois dele terminar a frase eu desmaio.

E assim começa e termina meu primeiro dia com o doutor R, todas as vezes, ele começa e termina do mesmo jeito, e pra minha sorte (estou começando a odiar essa frase) nesses dias eu não consigo nem ser levada ao centro de tratamento, por que eu sempre termino inconsciente...

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!