Às 7 horas da tarde o plano começou, eu ouvi o bob gritar à porta durante alguns minutos até alguém vir o buscar e levá-lo possivelmente ao banheiro.
Nesse meio tempo eu comecei a contar os minutos
2 minutos passados
Nada, o silêncio sombrio das noites voltará.
4 minutos passados
Nada ainda, um vento tinha começado e acompanhava o silêncio em alguns segundos, parecendo um assobio surdo e chato.
6 minutos
Ainda era cedo, mas eu já tinha desistido, me sentei sobre a cama, deixei o estilete sobre a pequena mesa e suspirei voltando a realidade
" nunca sairíamos dali"
8 minutos
Quase pegando no sono eu ouvi, o barulho da fechadura, o barulho de chaves e alguém abrir a porta e entrar de forma furtiva no meu quarto.
Quando me dei conta ela já estava ali em pé olhando eu pegar no sono, quando meus olhos focaram naquele rosto eu me levantei assustada. A nova doutora estava diante de mim falando.
"Você esteve aqui durante todo esse tempo, estou feliz depois de te ter encontrado, sabe 13 anos, você desapareceu naquele dia depois de ter me deixado no carro e há treze anos tenho procurado por você. Depois de sua fala minha visão se distorceu e ela desapareceu
Do que ela estava falando? Treze anos? Estou aqui há seis meses. O sono ainda me atormentava e tudo parecia meio zonzo aos meus olhos. Ela estava mesmo diante de mim, suas palavras eram reais? Ou era minha mente tentando me dizer alguma coisa?
10 minutos
Nada, eu rolei na cama impaciente.
12 minutos
Eu ouvi o primeiro grito que me empurrou da cama, corri até a pia e lavei o rosto, peguei o estilete e me pressionei contra a parede esperando aqueles urros e uivos pararem, ouvi o barulho das portas de metal sendo amassadas, ouvi os gritos e o dilacerar de carne, vi as luzes por baixo da porta se acenderem e apagarem, ficando nesse eterna continuidade.
Minha cabeça estava confusa, meus sentidos me traíam e aqueles uivos e gritos me faziam voltar mais uma vez a aquela lembrança, mas eu me contive, suportei as dúvidas e as perguntas que tomavam minha cabeça e só acreditei no que eu estava ouvindo.
Sentir aquele odor forte de cachorro, ouvir o seu suspirar, e os gritos se seguirem, um por um, longos e agonizantes, gritos de horror, de medo… também ouvi os passos, a correria que se dava e depois cessava por completo, ouvi algumas vozes fortes e imperativas, outras medrosas e duvidosas. Isso durou por mais ou menos meia hora até ele chegar à minha porta.
Vi sua sombra por baixo, ouvi ele expirar e inspirar até que no momento seguinte vi suas garras arranharem a porta, garras negras e enormes, assim que a porta caiu também vi sua figura, mais de dois metros de altura, um ser peludo e grotesco, com a boca disforme e flexionada pra frente como um lobo, dentes enormes e amarelados que naquele momento se manchavam mais e mais de sangue, e orelhas pontudas, a única coisa oposta em toda a sua aparência errônea eram seus olhos negros e timidos sendo guiados por aquele corpo monstruoso.
Depois que ele derrubou a porta ele veio em minha direção, se arrastando, passando as garras pela parede, até quebrarem o espelho. Ele ficou em minha frente ereto, me olhando, me cheirando até que eu olhei mais uma vez pros seus olhos, e naquele momento eu jurei tê-lo ouvido se desculpar.
Suas unhas atravessaram minha barriga, eu fiquei imovel sem acreditar, olhei pro seu braço até chegar a suas garras, fincadas no meu estômago e contendo o sangue, quando ele as puxou senti algo a mais sair de mim, sangue escorria de minha barriga, escorria de meus lábios, até eu me sentir fraca e cair no meu próprio sangue e à minha consciência se desfalecer aos poucos. Antes de fechar os olhos consegui ver ele sair da sala sem olhar pra trás. Ai eu morri.
Pelo menos foi o que havia pensado, eu voltei a aquele dia, voltei a aquela noite, revi cada cena como se ainda estivesse lá, ouvi as vozes deles, revi a beth, minha família, revi todos eles e também senti todas aquelas dores só que dessa vez de forma anestesiada como se a cada minuto eu me afastasse mais e mais daquela realidade, até eu não sentir mais nada, até tudo ficar escuro e restar apenas eu naquele quarto, naquela casa.
No meio de tamanha escuridão eu ouvi uma voz, era doce, era confortável, era quente e estava na mesma direção que uma luz, eu me senti atraída, eu me levantei e fui em sua direção, mas quando faltava pouco pra mim alcançá-la eu ouvi outra voz, essa era triste, solene, angustiante e parecia chorar, na mesma direção tinha uma porta, uma porta escura e bem moldada. Eu fiquei confusa pra qual lado ir, eu queria presenciar a alegria, queria sentir também aquele calor, mas eu estava preocupada, queria ver quem chorava, queria tentar ajudá-la, estava indecisa no meio de ambas as vozes ouvindo-as ao mesmo tempo e na mesma intensidade.
Eu podia ir em direção a luz e aproveitar da alegria, uma alegria que eu nunca tinha sentido antes, não, eu já a havia sentido, anos antes, nesse momento minha memória começou a voltar. Lembrei dos dias alegres, dos dias divertidos, dos dias tristes que no final terminavam com sorrisos, eu lembrei deles, e me senti bem, felicidade maior que aquela não existiria em nenhum outro lugar, e no fundo no fundo mesmo eu queria mais uma vez aquele sentimento, então eu levantei e caminhei em direção a luz, fiquei perto o suficiente pra ver o que ela escondia e eram aqueles dias, desde o meu nascimento até aquele dia horrendo, por um segundo meu braço se tornou involuntário e eu estava preste a aceitá-la, mas antes disso eu chorei e conti o meu braço enquanto balançava a cabeça em meio às lágrimas, eu me virei de costa e comecei a correr, mas por que? A felicidade estava ali bem diante de mim a centímetros, pronta para ser agarrada. Mas algo estranho dentro de mim me fez correr no lado oposto, aquele felicidade tentável e alcançável era isso mesmo que eu queria? viver tudo de novo? experimentar os mesmos sorrisos? eu não sabia e estava com dúvida.
Por que tiramos fotos de momentos alegres? Temos a memória e não confiamos nela, a simples recordação não é suficiente, sentimos a necessidade de viver de novo, mas como não podemos… registramos, eu não tinha nenhuma foto e nenhuma lembrança. Ao que eu me agarraria? À dias alegres já vividos antes, ou a dias duvidosos que eu sequer imaginava existirem.
Enquanto eu corria em direção a porta, minha memória estava se recordando aos poucos de dias confusos, de pessoas estranhas, de rostos nada familiares, eu não tinha uma irmã naquelas lembranças, eu tinha uma vida diferente, eu não sabia o que estava acontecendo, eu só não queria viver de novo e no fim ser levada ao sofrimento, mas enquanto eu corria em direção a porta escura, aquelas novos momentos, eu senti que se eu escolhesse vivê-los, eles não seriam iguais. E eu estava curiosa quanto a eles.
Aquela naquelas lembrança da luz, era mesmo eu? E naquelas lembranças da escuridão, quem era aquela?
Então tinha que ser diferente, precisava ser diferente,( e sério aquela dúvida estava começando a me irritar). Eu corri enquanto chorava, enquanto tentava não olhar, e também me recusei a olhar para aquela porta negra, e sem ver em que caminho eu ia, eu a atingir, e ela não abriu, eu precisava girar a maçaneta, eu precisava estar ciente da minha escola, era a única forma de fugir daquela luz, então eu a girei e assim que a abri, todo o ambiente mudou e eu me surpreendi com quem estava à minha frente no chão. Sobre um tapete felpudo e agarrada ao joelho ralado… lá estava ela, e por um segundo eu me afastei, voltei a me aproximar, me abaixei e tentei falar com ela, ou melhor… comigo quando eu tinha 3 anos, mas ela não me ouvia, minha voz não a alcançava, eu estava prestes a me desesperar quando minha avó surgiu da cozinha.
-Lisa, o que aconteceu? - sua voz era terna e aconchegante.
-Vovó, eu caí.
-Deixe-me ver, isso ta feio, deixa a vovó fazer uma mágica. - enquanto fazia movimentos com a mão, ela começou a falar - Sabe Lisa, eu achava que a sua mãe não tinha puxado tanto esse lado da família, quando ela nasceu eu quase desmaiei, não sentia o que tinha em mim nela - ela continuava enquanto gesticulando curava o ferimento - eu pensei ser o fim da nossa linhagem, e eu estava pronta para aceitar isso claro, mas anos depois você nasceu.
Nesse instante ela se levantou e olhou pra mim, suas palavras não eram para a eu de 3 anos, mas pra mim mesma, aquilo me deixou um pouco espantada e confusa, e sem se explicar ela continuou a falar enquanto caminhava indo em meio a escuridão.
Era um delírio ou eu estava no inferno?
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Atualizado até capítulo 26
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