O PADRE DESCONFIADO

Minutos antes do casamento, Miguel sentia o sabor da vitória nos lábios.

Sem dar ouvido à voz da consciência que o alertava sobre o perigo de se envolver com uma mulher calculista e fria, resolveu aceitar o desafio de seguir com os seus planos e subjugá-la até implorar por misericórdia.

Olhou-se no espelho e viu que a camisa social não era usada desde o tempo que trabalhava no banco.

Já tinha se esquecido que aquele traje mais formal, trazia-lhe lembranças repugnantes da sua ex-esposa.

Passando a mão no cabelo, pegou as alianças e seguiu até a capela com Manoel que voltara para vigiar a desprezível Jane.

Mesmo não desejando casar novamente, fazia aquilo em honra ao seu pai.

Mesmo achando que sua amargura jamais ia ter fim, entrou na capela disposto a infernizar a vida daquela golpista.

O padre, um senhor baixinho, roliço e de cabeça branca, veio ao seu encontro, meio desconfiado.

( Imagem meramente ilustrativa. )

— Sabe Miguel, quando você me falou de casamento, fiquei muito surpreso! Não sabia nem que estava namorando!

O padre era muito exigente sobre assuntos do matrimônio.

Normalmente ele faria uma entrevista com o casal, além de dar um curso preparatório para o enlace.

Esperto, Miguel percebeu o olhar desconfiado do padre e não era a sua intenção mentir para ele, muito menos num lugar sagrado, mas ouviu-se falar:

— Bom, padre... Nós nos conhecemos nas redes sociais...Sabe, namoro à distância. Decidimos casar logo, pois não conseguimos mais viver sem o outro.

O padre fez uma careta, enojado.

— Jesus! Esses jovens de hoje estão perdidos! Isso não dá certo!

Manoel olhou para o patrão e teve vontade de cair na gargalhada, mas fingiu dar uma tossida para disfarçar, enquanto Miguel desviava o olhar, sem jeito.

— Não se preocupe, padre!

— Muito bem! Temos um casamento... Tomara que não seja uma noiva muito vaidosa... — O padre disse com bom humor e os que estavam ali sorriram.

Ele acabou de falar e a noiva chegou acompanhada de Juca e França. Naquele instante, Miguel pôde olhar melhor a terrível golpista.

Ela tinha olhos felinos e cabelos como o mel. O rosto era esculpido de uma maneira suave com lábios no formato de coração.

Embora o vestido largo não revelasse os seus atributos, imaginava serem assustadoramente tentadores.

" Droga! Que tentação... Quero dizer, maldição!"

Chocado com seus pensamentos, duplicou o ódio por aquela mulher que seria sua esposa. Tinha que manter a distância dela para não cair na mesma cilada do pai.

Enquanto ela se aproximava, focou nas mensagens que lera no celular do finado. A raiva crescente deixaram-no mais seguro.

Enquanto ela caminhava lentamente, Miguel considerava estar tudo sob controle.

Porém, observando melhor a noiva, notou a fisionomia dela mudando.

Com olhos assustados e trêmula, um soluço de dor saiu dos lábios dela.

Ele ficou sem ação, enquanto os poucos convidados entreolharam-se perplexos.

Então tudo foi muito rápido.

De forma inesperada, ela jogou as flores para o ar e fugiu dali numa velocidade incrível!

Ele e os seus homens, como saídos de um transe correram atrás dela. Quando alcançaram a entrada da capela, a noiva sumiu.

— Maldita!

Miguel fez sinal para se separarem. Passaram a procurar pelo vilarejo até que cansaram.

Nada.

Nenhum sinal da noiva que ia pagar por tê-lo envergonhado.

Aguardando alguma notícia de Jane, na capela só ele e o padre, já que França, o marido e a filha já tinham ido embora.

Sentou- se num dos bancos da frente.

O padre se aproximou e sentando-se ao seu lado, pôs-se a repreendê-lo.

— O que na verdade significa tudo isso, Miguel? Aquela moça não parecia nem um pouco feliz em ter que casar com você...

O rapaz inventou uma desculpa:

— Padre, é que ela estava nervosa...

— Nervosa? Já casei centenas e centenas de casais e sei muito bem que a sua noiva estava era apavorada!

— Não, Padre, por favor, assim que eu encontrá-la você vai ver que é justamente isso que eu falei!

O clérigo, então, disse com firmeza:

— Então trate de encontrá-la, porque é até arriscado essa moça sozinha por aí!

— Não se preocupe, meus homens já começaram as buscas com outras pessoas de confiança.

— Muito bem! Se ela aparecer, amanhã à noite caso vocês na hora da missa de domingo. Se não, só mês que vem e antes vou fazer uma entrevista com ela... Não caso vocês se ela estiver infeliz!

— Entendi, padre! Não pense assim. Foi só um mal-entendido. Ela vai voltar e o senhor vai ver o quanto está apaixonada... Que nem eu estou.

O padre o observou atento. Não estava muito convencido.

— Você a engravidou, não foi?

Miguel levou um susto.

— Não, Padre, eu não faria isso... Antes do casamento!

O padre coçou a cabeça e lembrando de algo disse:

— Sabe, meu filho, creio que você não está sendo carinhoso com essa moça. Você tem que se declarar todos os dias...

Miguel resolveu "mentir" de novo.

— Mas já faço isso...

O padre pegou suas mãos e com olhar de compaixão disse:

— Olha, quando você escolhe alguém pra casar, não pode ficar falando da ex... Sei que você teve um casamento conturbado com Silvia, mas não pode deixar a outra se sentir insegura...

O rapaz franziu a testa ao ouvir aquele comentário. Perguntou:

— Como o senhor sabe de Silvia?

O padre revelou:

— Ah, o falecido Samuel, que Deus o tenha, vivia se preocupando com você por não ter encontrado alguém que substituísse a sua ex-esposa.

— Meu pai não podia ter falado isso... E na verdade não sinto mais nada por Silvia.

— É...Mas dependendo de como você falou para sua noiva, ela deve estar magoada, tadinha... — O padre soltou suas mãos e com tom de repreensão, continuou: — Outra coisa, esse casamento foi muito improvisado, filho! Nada romântico!

— Bem, é que ela é uma pessoa simples, não gosta de chamar a atenção... É isso!

— Bobagem! Não seja "mão de vaca"! Mulheres no fundo gostam de tudo do bom e do melhor! Faça o seguinte: vá atrás da sua noiva e amanhã à noite quero ver essa capela digna de uma rainha...

— Padre, eu... — Miguel gelou, enquanto o homem o interrompia, fazendo um gesto de "pare" com a mão.

— Ainda não terminei...E convide todos os que vierem assistir a missa para se alegrarem com vocês numa farta festa. Só assim me convence que realmente está apaixonado!

Miguel suspirou, disfarçando o desgosto com um sorriso amarelo.

— Tá, padre, vou providenciar tudo!

— E pelo amor de Deus, homem, compra um vestido decente para sua noiva!

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