As noites que seguiram o encontro de Auron com a sombra da lua foram repletas de inquietação. A alcateia percebeu que seu líder havia mudado, embora poucos compreendessem a extensão do que ocorrera naquela clareira. A marca escura no céu permanecia, uma cicatriz que parecia aumentar a cada noite, refletindo o fardo que Auron agora carregava.
Ele, por sua vez, sentia a escuridão dentro de si crescer. Às vezes, no silêncio das madrugadas, ele ouvia a voz da sombra sussurrando em sua mente, um eco que não podia ignorar. O lobo branco que outrora fora símbolo de força e liderança agora sentia a luta interna entre luz e trevas a cada passo que dava.
Enquanto isso, a floresta começava a mudar. Os ventos estavam diferentes, carregados com um frio desconhecido, e os animais se moviam de maneira errática, como se pressentissem algo ameaçador. A energia que circulava pela terra parecia distorcida, e Auron sabia que a origem disso estava nele — e na sombra que carregava.
Certa noite, enquanto caminhava pelos limites da floresta, tentando encontrar paz, Auron foi visitado por uma figura familiar. Lira, a loba que havia se sacrificado para unir-se à lua, apareceu diante dele. Seu corpo era translúcido, uma figura etérea, mas seus olhos, ainda intensamente prateados, estavam cheios de preocupação.
— Você está sofrendo, Auron — sua voz era suave, mas carregava um peso profundo.
— Eu nunca quis que isso acontecesse. Não foi para isso que eu me sacrifiquei.
Auron olhou para ela, sua expressão exausta.
— Lira… sua morte trouxe uma força que eu não sei controlar.
— A sombra entrou em mim e agora carrego seu peso. Eu não sei como reverter isso.
Lira caminhou até ele, sua presença calma como uma brisa noturna. Ela tocou o rosto de Auron, e ele sentiu uma leveza momentânea, como se seu fardo diminuísse, ainda que por alguns segundos.
— A sombra é antiga, muito mais antiga que nós ou a lua. Ela sempre esteve presente, esperando uma oportunidade para emergir. Quando eu me sacrifiquei, abri uma brecha, e ela encontrou um caminho.
— Mas nem mesmo a sombra é invencível.
— Como eu posso combatê-la? — Auron perguntou, sua voz baixa, quase resignada.
Lira suspirou, seus olhos fitando a lua distante, que ainda brilhava intensamente acima deles.
— Não é uma questão de combate, Auron. A sombra vive do desequilíbrio. Você deve restaurar o equilíbrio, não só dentro de você, mas entre os mundos.
— Só assim poderá enfraquecer a sombra o suficiente para que ela se dissipe.
Auron franziu o cenho, confuso.
— Como restauro esse equilíbrio? O que devo fazer?
Lira se afastou um pouco, sua forma começando a se desvanecer novamente na bruma da noite.
— Você precisará se reconectar com a essência da lua, mas não através de poder, e sim de entendimento.
— O sacrifício que eu fiz foi o primeiro passo, mas agora cabe a você encontrar a verdade que está além da luz e da sombra.
Antes que Auron pudesse perguntar mais, Lira desapareceu, deixando-o sozinho com seus pensamentos e o frio crescente da noite.
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Nos dias que seguiram a visita de Lira, Auron não descansou. Ele vagava pela floresta, tentando entender o significado das palavras dela. As sombras dentro dele pareciam se fortalecer a cada momento de incerteza, como se se alimentassem de sua dúvida.
Uma noite, ele decidiu seguir um antigo ritual, algo que os anciões da alcateia mencionavam em contos de tempos esquecidos. Ele subiria até a montanha mais alta da região, onde os lobos de eras passadas acreditavam que a lua falava com os seus escolhidos. A caminhada seria longa e árdua, mas Auron estava decidido.
A jornada foi desafiadora. Auron passou por terrenos íngremes e traiçoeiros, sua força sendo testada a cada passo. Ele sentia as sombras dentro de si tentando puxá-lo para trás, sussurrando tentações de desistência, mas ele persistiu. Cada uivo que emitia em direção à lua era uma lembrança de Lira, e isso lhe dava forças para continuar.
Quando finalmente chegou ao topo da montanha, a lua estava alta e cheia, iluminando o vale abaixo como uma lâmpada no meio da escuridão. Auron se deitou na pedra fria, exausto, e uivou uma última vez, chamando pela lua, como havia feito tantas vezes antes.
Mas dessa vez, algo aconteceu.
O brilho da lua começou a mudar, intensificando-se até se tornar quase cegante. Auron fechou os olhos, sentindo a energia ao seu redor mudar drasticamente. Quando abriu os olhos novamente, não estava mais na montanha.
Ele se encontrava em uma vasta extensão branca, como um campo infinito de luz. No centro desse espaço, uma figura caminhava em sua direção. Era uma loba, mas não qualquer loba — era uma manifestação da própria lua, majestosa e serena, com olhos que pareciam conter o brilho de todas as estrelas do céu.
— Auron, a voz dela era profunda, reverberando no vazio.
— Você veio buscar respostas, mas a verdade é que sempre soube o que precisava fazer.
Auron, surpreso, não respondeu de imediato. Ele olhou para a figura, tentando entender suas palavras.
— A sombra dentro de você não é um inimigo a ser derrotado, continuou a loba.
— Ela é uma parte de você agora, e como toda escuridão, ela existe apenas porque há luz. Para restaurar o equilíbrio, você precisa aceitar essa dualidade, abraçar tanto a luz quanto a sombra, sem permitir que uma domine a outra.
— E se eu falhar? — Auron perguntou, sentindo o peso da responsabilidade.
— Se você falhar, o ciclo será quebrado, e o caos reinará tanto sobre a terra quanto sobre o céu.
— Mas você não falhará. Você tem dentro de si a força da alcateia, o sacrifício de Lira, e a sabedoria de gerações. Confie em seu instinto.
Auron respirou fundo, sentindo a presença tanto da sombra quanto da luz dentro dele. A luta não era externa — era interna. A verdadeira batalha estava dentro de seu próprio espírito, e somente quando ele aceitasse completamente ambos os lados poderia restaurar o equilíbrio.
A loba da lua se aproximou e, ao tocá-lo levemente, Auron sentiu uma onda de paz invadir seu corpo. A escuridão e a luz dentro dele se uniram, não mais em conflito, mas em harmonia.
— Agora, volte, disse ela, sua voz suave.
— Sua alcateia precisa de você. O tempo do equilíbrio chegou.
E com isso, Auron foi envolto em luz novamente, sentindo-se mais completo e forte do que jamais havia se sentido antes. A jornada pela montanha havia sido apenas o começo, e agora ele retornava para enfrentar a verdadeira prova: liderar sua alcateia com a sabedoria de quem compreendia tanto a luz quanto a sombra.
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Atualizado até capítulo 22
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