A alcateia se reunia novamente sob a luz prateada da lua, sem saber do peso sombrio que agora pairava sobre eles. Os lobos uivavam, mas suas vozes, que antes soavam com uma devoção pura, pareciam carregadas de incerteza. Auron, com o coração pesado, olhava para Lira, a jovem loba de pelagem branca que corria alegremente entre seus companheiros. Ele sabia que o destino dela havia sido traçado por forças muito além do entendimento de qualquer lobo.
O dilema era insuportável. A entidade nas sombras exigia um sacrifício — o sacrifício de um descendente direto do primeiro lobo que amara a lua. E Lira, com sua pelagem imaculada, era a herdeira dessa linhagem sagrada. Mas como ele poderia, em sã consciência, permitir que uma jovem tão cheia de vida e promessas fosse entregue àquela escuridão antiga?
Auron refletia profundamente enquanto caminhava pela clareira, afastando-se um pouco da alcateia. Ele sentia que precisava de respostas, algo que o ajudasse a tomar a decisão que parecia impossível. A lua, como sempre, estava lá no céu, brilhando com uma serenidade quase cruel. Ela sabia o que estava em jogo? Ela sabia o preço de sua própria liberdade?
Enquanto essas perguntas rodavam em sua mente, o vento soprou mais forte, carregando consigo um sussurro familiar. Serena. O espírito dela, agora parte da lua, ainda observava seus companheiros, e Auron sentiu sua presença ao redor. Ele olhou para o céu, o brilho da lua refletindo em seus olhos cansados.
— Serena... o que eu devo fazer? — Ele murmurou, sua voz quase inaudível.
O vento pareceu responder com um sussurro suave, como se a própria lua estivesse tentando confortá-lo. Mas não havia resposta direta. A escolha era dele, e dele sozinho.
Auron sabia que o tempo estava se esgotando. A entidade nas sombras não esperaria para sempre, e o preço de recusar seu pedido seria terrível. Mas talvez houvesse outra maneira, um caminho que ele ainda não enxergava. Com esse pensamento em mente, ele decidiu procurar Lira. Talvez a jovem loba merecesse saber o que estava em jogo. Talvez, juntos, pudessem encontrar uma solução que não envolvesse sacrifício.
Lira estava sentada à beira de um riacho, observando o reflexo da lua na água. Seus olhos brilhavam com uma curiosidade inocente, e ela parecia estar em paz, alheia ao destino sombrio que a aguardava.
— Auron? — Ela o viu se aproximar e abanou o rabo com gentileza.
— Por que está tão pensativo? Algo te preocupa?
Auron hesitou por um momento. Como ele poderia explicar o que estava acontecendo sem assustá-la? Como poderia dizer que o destino do mundo repousava em suas patas?
— Lira... há algo que você precisa saber. — Ele finalmente disse, sentando-se ao lado dela.
Os olhos de Lira se estreitaram em preocupação, mas ela permaneceu calma, esperando que Auron continuasse.
— Há uma história que você já deve ter ouvido. A história do primeiro lobo que viu a lua e se apaixonou por ela. Você é descendente dele, Lira. Sua linhagem é especial. Mas, com isso, vem um fardo que nenhum de nós poderia prever.
Lira inclinou a cabeça, intrigada. Ela ouvira a lenda muitas vezes, mas não imaginava que pudesse ter alguma conexão pessoal com ela. "Descendente?" pensou, ainda processando o que Auron lhe dissera.
— Existe uma entidade... algo antigo e sombrio que foi libertado quando Serena se tornou parte da lua. Ele exige um sacrifício, Lira. Um lobo de sangue puro. E... você é a única que se encaixa nessa descrição.
A expressão de Lira mudou rapidamente, de curiosidade para incredulidade. Ela se levantou, dando alguns passos para trás.
— Sacrifício? Como assim? Por quê? — sua voz vacilava entre a confusão e o medo.
— O que eu fiz para merecer isso?
— Não é sobre o que você fez, Lira. — Auron explicou, tentando manter a calma.
— É sobre o que aconteceu com a lua e o equilíbrio entre os mundos. Essa entidade foi libertada, e agora, para manter a paz, ele quer um preço. Ele quer você.
Lira ficou em silêncio por alguns momentos, processando as palavras de Auron. Ela havia sido escolhida por uma força muito maior do que ela poderia entender, e tudo por causa de sua linhagem. O peso do destino caiu sobre seus ombros como uma tempestade. Mas, ao invés de desmoronar, algo dentro dela começou a mudar.
— E se eu disser que não vou me sacrificar? — Lira disse, sua voz firme agora.
— O que acontece se eu não aceitar esse destino?
Auron respirou fundo. Ele sabia a resposta, mas não queria dizê-la. O mundo, a floresta, os lobos — tudo estava em risco se Lira se recusasse.
— Se você não fizer isso... — Auron começou, sua voz pesada.
— A lua deixará de brilhar para nós. A floresta será envolvida por uma escuridão que nunca se dissipará. A entidade tomará tudo o que conhecemos, e os lobos que você vê hoje... todos estarão condenados.
Lira ficou em silêncio novamente, mas dessa vez, seu olhar era de determinação. Ela havia sido criada para ser forte, para liderar sua geração, e embora soubesse que seu destino parecia cruel, ela não estava disposta a aceitar a derrota tão facilmente.
— E se houvesse outro caminho? — Lira finalmente disse, seus olhos brilhando com uma ideia.
— E se, ao invés de me sacrificar, nós enfrentássemos essa entidade?
Auron arregalou os olhos. Enfrentar uma entidade antiga? Era impensável, perigoso além do que qualquer lobo poderia imaginar. Mas, ao olhar para Lira, ele viu algo que o fez reconsiderar. Ela não era apenas uma jovem loba, ela era especial. Sua linhagem carregava o poder do primeiro lobo que amara a lua, e talvez, apenas talvez, houvesse uma chance.
— Você realmente acredita que podemos vencê-lo? — Auron perguntou, com uma ponta de esperança se formando em seu peito.
— Se a lua me escolheu, talvez eu tenha mais poder do que imaginamos. — Lira respondeu, sua voz firme.
— Não vou ser apenas um sacrifício. Se há uma chance de salvar nossa alcateia e enfrentar essa escuridão, eu vou lutar.
Auron viu nos olhos de Lira a mesma determinação que vira em Serena antes de ela partir. Um espírito indomável, capaz de desafiar até o destino. E, naquele momento, ele soube que a jovem loba estava destinada a algo maior do que qualquer sacrifício.
O vento soprou mais forte, e a lua parecia brilhar com mais intensidade, como se estivesse ouvindo a conversa dos dois. O tempo estava se esgotando, e a entidade nas sombras não esperaria para sempre. Mas agora, Auron e Lira tinham um plano.
— Então vamos enfrentá-lo. — Auron disse finalmente, erguendo o focinho ao céu.
— E, com a força da lua e do amor que nos une a ela, nós venceremos.
A batalha estava prestes a começar, e o destino dos lobos e da lua dependia da coragem de uma jovem loba e de sua alcateia.
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Atualizado até capítulo 22
Comments
Elisete Protazio
adoro histórias de lobo
2024-09-25
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