capítulo 20

Capítulo 20 – A Fuga

O silêncio da floresta depois da morte de Marcus era enganoso. Não havia alívio. Não havia paz. Só o eco do que foi feito, e o medo do que viria.

Damian dormia encostado na parede da caverna, a respiração lenta, a arma sobre o peito. Evelyn o observava em silêncio, sentada a poucos metros. Os olhos dele estavam fechados, mas o corpo ainda tenso, como se mesmo no sono estivesse pronto para lutar. Ela sabia que ele não descansava. Apenas fingia que podia.

E ela... ela não sabia mais se podia fingir.

Ao amanhecer, Evelyn saiu da caverna e subiu por uma trilha de pedras, guiada apenas pela luz fraca entre as árvores. Precisava de ar, de distância, de se encontrar fora dele por alguns minutos.

Foi então que ouviu.

Um clique.

Instintivamente, virou-se e apontou a arma — mas a arma já apontava para ela.

Um homem encapuzado, com farda preta, bloqueava o caminho.

— Evelyn Ferreira — disse ele, com a voz metálica por trás da máscara. — Solicitação de retorno imediato.

— Retorno pra onde?

— Projeto Aurora. Missão incompleta. Você é propriedade do Estado.

— Eu não sou propriedade de ninguém.

Ela atirou. Um disparo seco, certeiro no ombro. O homem caiu para trás, gemendo.

Evelyn correu. Não parou. Pulou raízes, pedras, se arranhou nos galhos, escorregou em lama — e ainda assim, correu.

Chegou à caverna arfando, o peito explodindo.

— Damian! Eles nos acharam!

Ele já estava de pé, com a mochila nas costas e os olhos preparados.

— Quantos?

— Não sei. Pelo menos um. Mas deve ter mais.

Damian olhou em volta. Pegou um punhado de terra e espalhou pelo corpo e rosto. Depois fez o mesmo com Evelyn.

— Agora você é floresta — disse. — Eles não vão ver, só ouvir.

E correram.

A fuga durou horas.

Desceram trilhas inclinadas, mergulharam em córregos rasos, cruzaram mato alto até chegarem a uma estrada de terra pouco usada. No fim dela, uma casa de madeira. Abandonada. Mas não destruída.

— Aqui — disse Damian. — Foi um dos refúgios que usei anos atrás. Ninguém além de mim conhece.

— E agora eu.

Ele olhou para ela, exausto.

— Agora você sabe tudo. Não sobrou mais nada pra esconder.

A casa tinha teto vazando, móveis cobertos por panos embolorados, mas as paredes eram sólidas. E naquele momento, isso era o suficiente.

Damian preparou a arma. Evelyn preparou café com água de chuva aquecida em fogareiro.

Sentaram-se frente a frente.

O mundo fora das paredes parecia muito distante. Mas o que havia entre eles... era perto demais.

— Eles sabem sobre mim — disse Evelyn. — Sobre o projeto. Sobre nós.

— Sabem. E querem você de volta.

— Mas eu não volto.

— Não. Agora você é peça solta. E isso assusta eles mais do que qualquer arma.

Ela abaixou a cabeça.

— Estou com medo, Damian.

— Também estou.

— Do quê?

— De que eu tenha te transformado demais.

— Ou de menos.

Ele pegou a mão dela.

— Evelyn... se a gente sair dessa, eu quero que você suma. Apague tudo. Troque de nome. Seja outra pessoa.

— E você?

— Eu nasci pra morrer cedo. Já aceitei isso.

— Não diz isso.

— Você é a única coisa boa que surgiu do que eu fui.

Ela fechou os olhos. Respirou fundo. Depois olhou diretamente para ele.

— Não quero ser outra pessoa. Quero ser a mulher que vai destruir tudo isso com você.

— Isso não é amor, Evelyn.

— Não. Isso é guerra.

Ao anoitecer, ouviram barulhos. Um drone sobrevoando. Longas sombras entre as árvores.

Evelyn pegou a arma sem pensar. Damian se posicionou na janela.

— Estão nos cercando?

— Estão nos vigiando. Ainda não têm ordem pra atirar.

— Por quê?

— Porque você ainda é valiosa. E eu sou o dano colateral.

— Então o que fazemos?

Damian abriu a mochila e tirou dois frascos de vidro.

— Gás lacrimogêneo e bomba de luz. Vamos sair pelas árvores. Criar distração. E correr até o lago.

— E depois?

— Depois a gente desaparece.

Ela assentiu. Pela primeira vez, não hesitou.

A explosão foi controlada, mas forte o suficiente para criar caos. As luzes ofuscaram os drones. A fumaça cobriu a saída. Damian e Evelyn correram pela trilha lateral, protegidos pela escuridão da mata.

Mas o inimigo já os esperava.

Um disparo cruzou o ar.

Damian caiu de joelhos, o ombro atingido.

— Vai! — gritou ele.

— Não! — Evelyn gritou de volta.

Ela o puxou, mesmo com o peso, mesmo com o sangue, mesmo com a dor. Arrastou-o até atrás de uma árvore larga, pressionou o ferimento com um pano.

— Droga! Você tá perdendo sangue!

— Isso não é novo — disse ele, com um sorriso fraco.

— Cala a boca. Você não vai morrer agora.

Ela pegou a arma dele e espiou. Um homem avançava na direção deles. Evelyn atirou sem hesitar.

Dois tiros. Um acerto.

O homem caiu.

Ela respirou fundo.

— Quantos mais?

— Não sei. Mas precisamos sair agora.

Apoiada no próprio medo e no ódio que queimava dentro de si, Evelyn levantou Damian e o carregou como podia.

Caminharam até o lago. Entraram na água até os joelhos.

Ali, entre o reflexo da lua e o gosto do sangue na boca, ela sentiu algo novo.

Não era fraqueza.

Era força.

E pela primeira vez... Evelyn teve certeza de que era capaz de matar. Não por vingança. Mas por sobrevivência.

Horas depois, em uma nova estrada, num carro velho que roubaram de um celeiro abandonado, Evelyn dirigia. Damian estava pálido, apoiado no banco, com os olhos semiabertos.

— Pra onde estamos indo? — ele perguntou.

— Pra onde eles não imaginam que eu leve você.

— E onde seria isso?

Ela sorriu.

— Pra onde você nunca levou ninguém.

— Você sabe o que isso significa?

— Que agora eu guio. E você descansa.

Ele fechou os olhos.

Pela primeira vez, confiante.

A guerra ainda não tinha acabado.

Mas algo dentro de Evelyn havia mudado de forma irreversível.

Ela não era mais a isca.

Não era mais o alvo.

Era a arma.

E agora, ela sabia como usá-la.

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Gloria Katia Baffa

Gloria Katia Baffa

Ela se tornou uma mulher forte, determinada e confiante.

2025-04-16

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