Capítulo 13 – O Segundo Corpo
Dois dias se passaram.
Dois dias de silêncio.
Damian respeitou o pedido de Evelyn. Não invadiu seu espaço. Não entrou no quarto. Não cruzou os limites — pelo menos não fisicamente. Mas ela sabia que ele ainda a vigiava. Sabia que as câmeras da casa estavam ativas, que seus passos eram seguidos mesmo quando sozinha.
Era o preço de estar dentro do mundo dele.
E ela já não sabia mais se estava refém... ou voluntária.
Na manhã do terceiro dia, Evelyn decidiu sair.
Precisava respirar o ar real. Ver gente. Sentir o mundo além das paredes daquela prisão luxuosa. Damian a deixou ir, mas impôs uma condição:
— O carro vai te seguir a uma quadra. Não se assuste. Não é por desconfiança. É por segurança.
Ela assentiu.
Ele a beijou na testa. E recuou.
O gesto, simples, quase delicado, a perturbou mais do que se tivesse tentado agarrá-la.
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Caminhar pelas ruas da cidade parecia surreal. As pessoas riam, andavam apressadas, compravam café. Era como se o mundo não soubesse que ela havia mudado. Que por dentro, Evelyn não era mais Evelyn.
Parou em frente a uma pequena galeria de arte. As exposições eram sempre rotativas, mas algo a chamou a atenção: uma fotografia em preto e branco, no fundo do salão. Ela entrou.
A imagem mostrava uma mulher de costas, em frente a um espelho estilhaçado. Os cacos refletiam pedaços do rosto dela — medo, dor, força.
Era como olhar para si mesma.
— Impactante, não é?
A voz veio ao lado dela. Um homem, jovem, de barba por fazer e olhos claros. Tinha um crachá no pescoço.
— Sou curador da galeria. Essa é uma das obras da série "Fragmentadas". Artistas anônimos, enviados por fotógrafos independentes.
— Eu sou fotógrafa — disse ela, num impulso.
— Sério? Talvez você conheça a autora dessa imagem, então. Isabela Duarte.
O nome acertou Evelyn como uma lâmina.
— O quê?
— Isabela Duarte. Enviou essas fotos há três anos. Depois... sumiu. Nunca mais tivemos contato.
Evelyn se aproximou da foto. Era ela. Isabela. A mesma das cartas. A mesma do dossiê. Os mesmos traços, o mesmo olhar ferido.
— Tem mais dessas? — perguntou, a voz quase falhando.
— Temos o acervo digital. Se quiser, posso te mostrar.
Evelyn assentiu.
No computador, o curador abriu a pasta.
Fotos. Muitas.
Isabela em vários momentos: sozinha em ambientes fechados, com marcas nos braços, chorando diante do espelho, fotos borradas de Damian ao fundo — sempre distante, sempre sombrio.
Mas uma delas parou o coração de Evelyn.
A última imagem da pasta.
Isabela caída no chão. Sangue ao redor. Uma arma perto da mão. E uma mensagem escrita na parede com algo escuro, talvez tinta. Ou sangue.
> “Ele me quebrou.”
Evelyn se afastou.
O curador a encarou, confuso.
— Você conhecia ela?
Ela não respondeu. Saiu da galeria quase tropeçando nos próprios passos. O mundo girava.
Damian havia mentido.
Isabela não se matou por fraqueza.
Ela havia deixado uma mensagem.
Ela havia gritado a verdade em silêncio.
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No carro, Evelyn não voltou para casa. Mandou o motorista seguir até o prédio onde a amiga Clara trabalhava. Precisava ver um rosto familiar. Alguém que ainda pertencesse ao "antes".
Quando chegou, o prédio estava cercado por viaturas.
— O que aconteceu? — perguntou ao porteiro.
— Encontraram um corpo no depósito, senhora. Mulher. Funcionária do prédio. Estão dizendo que foi assassinato.
Evelyn congelou.
Correu até a entrada. Forçou passagem. Um policial tentou detê-la, mas ela gritou:
— Meu nome é Evelyn Ferreira. Minha amiga trabalha aqui. Clara Ribeiro. Por favor...
O policial a olhou com pena.
— Senhorita... me desculpe.
Ela não precisou ouvir mais.
Seu corpo travou. As pernas perderam a força. Ela caiu de joelhos.
Clara estava morta.
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Horas depois, no apartamento seguro, Evelyn encarava Damian como se estivesse vendo um estranho.
— Você sabia — disse ela.
— Não.
— Sabia sim. Você vigiava tudo. Tinha câmeras, rastreadores. Você sabia.
— Eu não sabia. Se soubesse, teria impedido.
— Você prometeu protegê-la também.
— Eu prometi proteger você.
Ela se levantou num salto.
— Ela morreu por minha causa! Por estar perto de mim!
Damian se aproximou, mas ela recuou.
— Você criou isso. Você me colocou nesse mundo. E agora está me arrastando pro fundo junto com você!
— Clara era inocente. E é por isso que vão pagar.
— Eles? Ou você?
Damian fechou os olhos. Por um instante, ele pareceu quebrar.
— Eu não matei Clara.
— Mas poderia, não é?
Silêncio.
— Poderia... se ela ameaçasse o seu controle sobre mim.
— Não.
— Então me diz que você nunca pensou nisso. Que você não quis, por um segundo que fosse, que ela sumisse pra que eu ficasse só com você.
Damian não respondeu.
E isso foi pior do que qualquer palavra.
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Na madrugada, Evelyn chorou sozinha no banheiro. Mas não chorou apenas por Clara.
Chorou por si mesma.
Por estar presa a alguém que ela queria odiar.
Por ainda desejar os braços que talvez tivessem sangue demais pra segurar alguém.
Quando voltou para o quarto, encontrou a cama arrumada, um novo bilhete sobre o travesseiro.
> “Ela foi sua última âncora.
Agora, você está inteira comigo.
Eu vou destruir todos eles.
Por você.
— D.”
Evelyn rasgou o bilhete.
Mas não conseguiu se desfazer do sentimento.
O luto pela amiga se misturava ao nojo de si mesma.
Ela queria fugir.
Mas onde quer que fosse, Damian a encontraria.
E agora, com Clara morta... talvez ela nem quisesse mais fugir.
Talvez ela quisesse vingança.
E ele era a única arma que ela tinha.
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Atualizado até capítulo 30
Comments
Gloria Katia Baffa
Se foi ele ou outras pessoas sabiam como fazer ela se sentir
2025-04-16
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