Capítulo 4 – A Conexão
A chuva voltou a cair com força naquela noite, batendo contra os vidros da cobertura como se tentasse invadir o refúgio de escuridão e silêncio que Damian chamava de lar. Mas ele não escutava. Estava sentado em frente à parede coberta de imagens, como um padre diante de seus santos — só que os olhos que o encaravam dali eram os de Evelyn.
As mãos dele estavam fechadas em punhos sobre os joelhos. O rosto sério, pensativo. Os olhos fixos em uma foto específica: Evelyn sorrindo, tirada há meses, quando ele ainda era apenas um espectador distante.
Agora ela o havia tocado. Olhado. Confrontado.
E por isso, estava ainda mais vulnerável.
Damian se levantou, caminhou até o bar, serviu-se de uísque e ficou em pé diante da janela. A cidade lá embaixo era um cemitério de luzes. E ele, um fantasma entre os vivos.
1999 – Interior do Rio de Janeiro
A casa tinha cheiro de mofo e sangue. A mãe gritava no quarto dos fundos. O pai, bêbado, quebrava garrafas na sala. Damian tinha nove anos e sabia exatamente o que viria a seguir. Como em todas as outras noites.
Mas naquela noite foi diferente.
Ele não correu. Não se escondeu.
Ficou de pé no corredor escuro, encarando o pai quando ele surgiu com a cinta na mão, olhos vermelhos de álcool e raiva.
— Vai correr, viado? Vai chorar pra mamãe?
Damian não respondeu. O olhar dele era frio. Incomum para um garoto da idade dele.
O pai veio com tudo. A cinta estalou no ar.
Mas Damian se moveu antes. Pegou o ferro de passar roupas e bateu com toda a força no rosto do homem. Uma. Duas. Três vezes. Até o som do mundo desaparecer.
Quando a mãe saiu do quarto e viu o marido caído, o rosto desfigurado e o pequeno Damian coberto de sangue, ela apenas o abraçou. Não chorou. Só disse:
— Agora você é um Costa de verdade.
Damian voltou à realidade com o tilintar do gelo no copo. A lembrança vinha cada vez mais frequente desde que conhecera Evelyn. Ela o fazia lembrar de quem ele era. Ou melhor, de quem ele teve que se tornar.
Ele cresceu em um lar onde o amor era um campo de batalha, onde sobrevivência era mais importante do que afeto. Aos quatorze, já era parte de uma rede de execuções silenciosas para políticos e empresários. Aos dezesseis, sua ficha estava mais limpa que seu instinto.
Porque Damian não deixava rastros.
Mas agora… ele estava deixando um. E se chamava Evelyn.
Evelyn revirava suas fotos antigas em casa, tentando organizar seus arquivos. Mas não conseguia se concentrar. A conversa com Damian ecoava em sua cabeça como um feitiço sussurrado. E aquilo a irritava.
— Que merda você tá fazendo, Evelyn? — murmurou para si mesma.
Mas parte dela sabia. Ela estava entrando num jogo perigoso. E o pior: queria ver até onde aquilo podia ir.
Pegou uma das fotos reveladas recentemente, uma em que Damian aparecia ao fundo, desfocado. Ela só percebeu sua presença depois. O rosto mal visível, mas a silhueta inconfundível. E isso fez seu coração bater mais forte — não de medo, mas de excitação.
Sentia-se observada. Ameaçada. E viva.
Quis negar isso, mas seria mentira.
Decidiu sair. Não queria mais ficar cercada pelas próprias dúvidas. Pegou o casaco e foi até o café 24h na esquina, onde costumava escrever anotações para projetos fotográficos.
Ao entrar, viu que o lugar estava quase vazio. Exceto por ele.
Damian estava sentado no fundo, como se já a esperasse.
Ela travou por um segundo. Quis voltar. Mas seus pés avançaram sozinhos.
— Você me segue agora em lugares públicos também? — ela perguntou, sentando-se à mesa sem ser convidada.
— Talvez — respondeu ele, e pela primeira vez, sorriu com sinceridade. — Ou talvez eu só conheça seus hábitos melhor do que você imagina.
— Isso é doentio, sabia?
— Eu prefiro dizer... necessário.
Ela o encarou por um momento. Aquele rosto parecia esculpido em pedra. Belo, mas impenetrável.
— Quem era você antes disso tudo, Damian?
Ele recostou-se na cadeira, olhando para o teto como se buscasse a resposta lá em cima.
— Um garoto que aprendeu cedo demais que o amor é uma arma. E que às vezes, pra sobreviver, você precisa ser mais cruel do que quem quer te destruir.
Evelyn sentiu um nó na garganta. Não era dó. Era reconhecimento. Ela também sabia o que era crescer em meio ao silêncio pesado dos lares quebrados.
— E agora? O que você quer ser?
Damian a fitou nos olhos. Sem sorrisos, sem máscaras.
— Seu. Só isso.
Ela desviou o olhar, o coração acelerado. Era assustador. Mas havia uma verdade crua naquela resposta que a fazia se sentir nua.
— Você acha que pode simplesmente me escolher e me ter?
— Já escolhi. Ter você é só uma questão de tempo.
O silêncio entre eles era quase palpável.
— E se eu não quiser?
Ele se inclinou, os olhos ardendo.
— Então eu vou ter que te convencer.
Evelyn se levantou. O peito arfando. Mas não de medo. De raiva. De confusão. De desejo.
— Isso é errado, Damian. Você sabe disso.
Ele assentiu.
— Mas é real.
Ela saiu do café sem olhar para trás. O coração uma tempestade.
Damian ficou ali. Sozinho.
E pela primeira vez em muito tempo… sorriu de verdade.
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Atualizado até capítulo 30
Comments
Gloria Katia Baffa
História maravilhosa cheio de mistério
2025-04-16
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