O jantar naquela noite tinha um clima estranho.
A Villa Moretti estava silenciosa demais, e os olhares em minha direção carregavam algo diferente — uma mistura de expectativa e tensão. Até Isabella estava mais contida, e Lorenzo, sempre tão seguro, evitava me encarar por muito tempo. Foi quando Vittorio, com sua imponência habitual, ergueu a taça de vinho, mas não para brindar.
— Helena — disse ele, com a voz grave e firme —, chegou a hora de você saber quem é.
Meu coração deu um salto no peito. Soltei os talheres devagar, tentando disfarçar a inquietação que se apoderava de mim.
— Do que está falando?
Ele pousou a taça sobre a mesa, entrelaçou as mãos e me olhou como nunca antes havia feito. Seus olhos não tinham dureza… tinham dor. E peso. Muito peso.
— Estou falando sobre o sangue que corre nas suas veias — continuou ele. — Sobre a verdade que foi escondida de você a vida inteira.
A sala ficou em silêncio absoluto. Nem mesmo os talheres tocavam os pratos. Eu sentia que o mundo estava prestes a desmoronar sob meus pés.
— O seu pai se chamava Leandro Moretti — disse Vittorio. — Era meu primo. Um homem leal, brilhante, destinado a grandes coisas dentro da nossa família. Ele foi enviado ao Brasil para comandar as operações da organização por lá.
Meus olhos se arregalaram, mas não consegui dizer uma palavra.
— Lá, ele conheceu uma mulher chamada Ester — continuou. — Ela era forte, determinada… e por algum tempo, eles viveram em segredo. Ninguém sabia, nem mesmo eu. Mas ela ficou grávida. De você.
Meu corpo ficou paralisado. A respiração travou em meu peito.
— Quando soubemos, Leandro já estava marcado. Traído por alguém próximo, assassinado antes mesmo que pudesse voltar à Itália. E Ester… sozinha, desesperada… sabia que também seria alvo. Ela estava certa.
Vittorio abaixou levemente o olhar.
— Para proteger você, ela te deixou em um abrigo. Era a única chance. Uma semana depois, Ester também foi morta, mais antes de morrer ela me escreveu uma carta, pedindo que eu a protegesse.
Senti meu corpo tremer. As palavras ecoavam dentro de mim como trovões. Eu abri a boca, mas nenhum som saiu. Apenas lágrimas. Elas escorreram silenciosamente pelo meu rosto. Era a primeira vez que eu ouvia alguém falar sobre meus pais. A primeira vez que eu tinha nomes. Uma história. Um passado.
— Eu tentei encontrá-la, Helena. Quando descobri o que havia acontecido, mais só te encontrei depois de cinco anos.
— Meus pais, eu sempre tive vontade de ver pelo menos uma foto deles.
— Quando te encontrei, pedi a Matilde que te tirasse do abrigo e cuidasse de você, sempre tentei dar toda assistência a você.
— Você conheceu Matilde?
— Sim, o marido dela trabalhava para a organização.
— Leandro... Ester... — sussurrei, como se apenas pronunciar os nomes pudesse torná-los reais.
Vittorio se levantou e veio até mim. Colocou a mão sobre meu ombro com firmeza e respeito.
— Você é uma Moretti, Helena. De sangue. De origem. E agora... de direito.
A sala permaneceu em silêncio, respeitando minha dor. As lágrimas continuavam caindo, e dessa vez, eu não as escondi. Porque ali, naquele instante, eu deixava de ser a mulher perdida no mundo tentando sobreviver…
E me tornava algo que jamais imaginei: herdeira de uma linhagem de poder, marcada por dor, silêncio e sangue.
Mas acima de tudo, eu era filha.
E isso, pela primeira vez na vida, tinha um significado
Depois de longos minutos em silêncio, ainda com os olhos marejados e a garganta apertada, eu levantei o olhar para Vittorio. O nome dos meus pais ainda ecoava na minha mente como um sussurro antigo, agora trazido à tona com força de tempestade.
— Vittorio… — minha voz saiu baixa, mas firme — quem matou meus pais?
Ele respirou fundo, afastando-se um pouco, como se a resposta pesasse mais do que o próprio silêncio.
— Ainda não sabemos com certeza — respondeu, olhando para a lareira apagada no fundo da sala. — Temos pistas, nomes suspeitos… mas nada que eu considere prova definitiva. A investigação nunca parou. Há muitos anos seguimos rastros, conexões… e agora que você está aqui, talvez as peças comecem a se encaixar.
— Você suspeita de alguém?
Ele me olhou. Havia algo ali — um segredo, talvez um nome na ponta da língua que ele hesitava em revelar.
— Sim. Mas enquanto eu não tiver certeza absoluta, não arriscarei uma acusação. Nem contra os nossos… e nem contra os de fora.
Fechei os punhos sobre a mesa. Senti uma raiva silenciosa subir por dentro, queimando devagar, como brasas escondidas sob a pele.
— Eu quero saber tudo — falei, com a voz carregada de dor e fúria. — Cada pista. Cada suspeito. Cada pedaço de papel que possa me levar até quem tirou meus pais de mim.
Vittorio me observou em silêncio, como quem reconhece uma centelha que só os Moretti são capazes de carregar no sangue.
— Você terá acesso ao que já sabemos — respondeu. — Mas, Helena… isso pode te levar a lugares escuros. Lugares sem volta.
— Eu já estou nesses lugares, Vittorio — sussurrei. — Se eu descobrir quem matou meus pais… eu vou me vingar. Com as próprias mãos, se for preciso.
A firmeza da minha voz fez Lorenzo desviar o olhar e Giovanni levantar levemente as sobrancelhas. Ninguém ali duvidava da minha determinação. E, pela primeira vez, nem eu.
— Você é uma Moretti — Vittorio repetiu, como uma confirmação. — E os Moretti… não esquecem. Nunca.
Assenti. Eu sentia isso pulsando dentro de mim agora, com uma clareza cruel.
A dor que sempre me acompanhou… finalmente tinha um nome.
E essa dor, a partir de hoje, seria minha arma.
A empregada surgiu com uma caixa pequena nas mãos, e entregou para Vitorio.
Ele abriu a caixa e tirou uma foto, do pai de Helena e entregou a ela.
— Esse era o Leandro, seu pai, de sua mãe não tenho fotos, infelizmente.
Helena pegou a foto de seu pai, um homem moreno, alto muito bonito. Ela levou a foto sobre o peito, apertou, e novamente lágrimas começaram a surgir.
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Atualizado até capítulo 61
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