O despertador tocou às seis da manhã, como sempre. Mas naquela terça-feira, o som parecia mais áspero, como se arrancasse minha alma da cama junto com o corpo. Levantei em silêncio, tomei banho, vesti meu terninho preto impecável e prendi o cabelo com precisão cirúrgica. Cada gesto meu era um escudo. Cada movimento, uma armadura.
Olhei meu celular.
Três chamadas perdidas de Hugo.
E uma mensagem:
“Helena, me desculpa. Por favor, me deixa te explicar.”
Apaguei sem responder. Sem hesitar.
A caminho do escritório, mais uma notificação.
“Eu sei que ontem foi um desastre, mas você precisa saber que eu não concordo com nada do que meus pais disseram.”
Bloqueei as notificações.
Não era orgulho. Era autopreservação.
Cheguei ao meu escritório antes de todos. Liguei o computador, mergulhei nos processos que estavam sobre minha mesa e passei as primeiras horas do dia como uma máquina de raciocínio. Racional, focada, invencível.
Era isso que eu sabia ser.
No intervalo do café, mais uma mensagem de número desconhecido. Eu sabia que era ele. Hugo tentando me alcançar por qualquer brecha.
“Helena, se você me bloquear de todas as formas, vou aparecer pessoalmente. Me diga que está bem. Só isso.”
Pensei em responder. Mas o que eu diria?
“Estou bem, obrigada por me deixar ser humilhada pela sua mãe”?
Não. Melhor o silêncio. O silêncio sempre protegeu mais do que palavras.
Durante o almoço, enquanto meus colegas conversavam sobre um novo projeto jurídico, fingi interesse. Sorri aqui e ali. Por dentro, uma revolta silenciosa queimava. Não era só raiva. Era a decepção. Era o gosto amargo de ter, mais uma vez, acreditado em algo que não existia.
Ao final da tarde, outra ligação. Não atendi.
Outra mensagem:
“Você me faz querer ser melhor. Não desiste de mim.”
Mas eu já tinha desistido. Não de Hugo. De acreditar que alguém como ele — nascido em berço de ouro, cercado por ambições e acordos de família — pudesse ter coragem de me escolher, apesar de tudo.
Cheguei em casa exausta. Tirei os sapatos, soltei os cabelos e deixei o vestido escorregar pelo chão. Me olhei no espelho da sala.
A advogada respeitada.
A órfã esquecida.
A mulher ferida.
Eu era tudo isso.
E, mais uma vez, estava sozinha.
O celular vibrava no criado-mudo. Hugo não desistia. Mas eu... já tinha desistido por nós dois.
E então desliguei o aparelho. E apaguei a luz.
Dois meses se passaram.
Parece que finalmente Hugo parou de insistir, com certeza Cibele Albuquerque tinha retornado ao Brasil.
Mais como não pode viver fugindo de imprevistos, olha eu aqui novamente, me deparando com uma situação desagradável.
O salão principal do luxuoso hotel em São Paulo estava lotado. Homens e mulheres da elite desfilavam em trajes impecáveis, como se cada passo valesse uma assinatura de contrato. Era uma noite de poder, alianças e negócios. A Convenção Internacional de Investimentos reunia as famílias mais influentes do país, além de empresários renomados e advogados de prestígio.
Eu estava ali por mérito próprio.
Vestia um elegante vestido preto, com um corte impecável que transmitia seriedade e força. Minha postura era firme, meu olhar decidido. Estava ali para representar um dos meus clientes mais importantes — um contrato milionário que poderia elevar minha carreira a um novo patamar.
Mas nem o brilho do sucesso foi suficiente para apagar o desconforto que senti assim que pisei no salão.
De longe, meus olhos pousaram sobre uma figura que meu coração reconheceu antes mesmo da razão processar.
Hugo Xavier.
Ele estava ao lado de Cibele Albuquerque, deslumbrante em um vestido vermelho que parecia ter sido feito para fazer qualquer mulher se sentir invisível ao lado dela. O sorriso de Hugo era o mesmo — aquele maldito sorriso que um dia me fez acreditar em promessas vazias. O braço dele repousava casualmente sobre a cintura de Cibele, como se o passado entre nós nunca tivesse existido. Como se eu não passasse de mais uma sombra no caminho dele.
Meu coração apertou por um instante. Mas meu rosto... permaneceu impassível.
Eu já tinha superado aquilo. Ou, pelo menos, era o que eu repetia para mim mesma sempre que o nome dele surgia na minha mente.
Com passos firmes, atravessei o salão. Cumprimentei conhecidos, troquei sorrisos educados, mantive a cabeça erguida. Mas o ar ao meu redor parecia mais denso. Era como se olhares invisíveis me atravessassem pelas costas, como se o passado estivesse ali, me observando. Me testando.
Mas eu não iria recuar.
Nem por ele. Nem por ninguém.
Me retirei discretamente do salão, sentindo a tensão crescer no peito. Já havia cumprimentado os nomes que importavam, entregado sorrisos diplomáticos e apertos de mão firmes. Mas, por dentro, algo latejava — uma inquietação difícil de conter.
Nesse momento Hugo vê Helena.
Assim que meus olhos encontraram Helena atravessando o salão, meu mundo parou por um instante.
Ela estava deslumbrante.
O vestido preto realçava suas curvas com elegância, o cabelo preso em um coque sofisticado deixava seu rosto ainda mais imponente. Ela parecia uma deusa em meio àquela multidão de rostos fabricados. E, ao mesmo tempo, parecia inalcançável.
Cibele, ao meu lado, falava algo para minha mãe e para Eunice, mas eu não ouvia. Meu foco estava em Helena. O coração acelerou. A culpa, como um peso nos ombros, reapareceu com força total.
Ela me viu.
Mas fingiu que não.
Seu olhar passou por mim como se eu fosse invisível. E aquilo doeu mais do que qualquer palavra dita naquela noite em que minha mãe a humilhou.
Me levantei, deixando Cibele e os outros na mesa com uma desculpa qualquer, e atravessei o salão até ela.
— Helena — chamei, com um sorriso contido, tentando esconder a tensão no peito.
Ela virou o rosto, me encarando com frieza. Mas estava ainda mais linda de perto.
— Está… maravilhosa esta noite — elogiei, sincero.
— Obrigada — respondeu, com a expressão neutra de quem havia aprendido a não deixar sentimentos transparecer.
Engoli em seco.
— Eu preciso dizer… me desculpa. Pelo que minha mãe e meu pai fizeram com você naquela noite. Eu me arrependo profundamente de não ter te defendido como você merecia. Eu… fui fraco.
Ela soltou uma risada curta, sem humor.
— Não, Hugo. Você foi exatamente quem sempre foi. E está tudo bem. Aquela noite serviu como um ótimo aprendizado. Me fez mais forte, mais atenta. Me lembrou que confiar demais em alguém pode custar caro.
— Eu nunca quis te machucar — murmurei.
— Mas machucou. — Ela me olhou nos olhos com uma calma cortante. — Mas já passou. Ficou no passado.
— Helena, escuta… sobre a Cibele… aquilo não é o que parece. Eu e ela estamos apenas cumprindo um acordo profissional entre as famílias. Eu não a amo. Nunca amei.
Ela respirou fundo, e eu juro que por um segundo vi algo brilhar nos olhos dela. Mas logo sumiu.
— Desejo sorte a vocês dois. Espero que esse acordo profissional funcione — disse, em tom educado. — De verdade.
— Por favor, me escuta... — insisti, querendo dizer mais, querer gritar o que eu sentia.
Mas ela já dava um passo para o lado, prestes a se afastar.
— Não há mais nada a ser dito, Hugo. Eu superei. E agora você precisa fazer o mesmo.
E antes que eu pudesse tocá-la, segurá-la, implorar por uma segunda chance… ela virou as costas e se afastou com a mesma postura firme e elegante de sempre.
Deixando para trás a única mulher que, de verdade, me fez querer ser alguém melhor.
E agora… era tarde demais.
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Atualizado até capítulo 61
Comments
Júlia Caires
é Hugo, vc vacilou muito e ela está certíssima
2025-04-04
1
Rogéria Santos
Esse Hugo é um fraco
2025-04-18
1