Capítulo 10

Não demorou para que minha ascensão começasse a incomodar.

Por fora, tudo ainda parecia controlado. As reuniões continuavam, os contratos escusos fluíam como rios subterrâneos, e meu nome era mencionado com respeito — ou, no mínimo, com cautela. Mas por dentro… eu sentia. A tensão estava no ar. Nas entrelinhas. Nos olhares que demoravam um segundo a mais. Nos sorrisos que não alcançavam os olhos.

Minha influência crescia, e com ela, crescia também o número dos que desejavam me ver cair.

Foi durante uma reunião com um grupo de investidores russos — homens perigosos, influentes, arrogantes — que senti o primeiro movimento sutil de traição. Um dos tradutores repassou informações erradas de forma proposital, tentando fazer parecer que eu havia autorizado cláusulas que nunca foram discutidas.

Mas eu percebi. E rebati na hora, em russo fluente.

O silêncio que se seguiu foi cortante.

Quando saí da sala, Lorenzo veio até mim com um sorriso tenso.

— Desde quando você fala russo?

— Desde antes de me envolver com criminosos internacionais — respondi, seca.

Ele sorriu, mas os olhos... estavam mais atentos do que nunca.

Foi nessa mesma semana que recebi um aviso discreto de Giovanni. Ele me chamou para conversar fora do ambiente da empresa — o que por si só já era incomum.

Nos encontramos num restaurante discreto, onde ninguém da família costumava ir. Assim que nos sentamos, ele foi direto:

— Você está incomodando pessoas que não perdoam afrontas. Inclusive dentro da nossa casa.

— Você está me ameaçando, Giovanni?

— Estou te alertando.

Houve um silêncio pesado entre nós. Eu não confiava nele — e ele também não confiava em mim. Mas ali, pela primeira vez, senti algo diferente. Não era lealdade… talvez fosse respeito. Ou, talvez, o início de uma aliança silenciosa.

Dias depois, fui convocada por Vittorio.

Sempre que ele chamava, era porque algo grave estava acontecendo.

A sala estava escura, como se a penumbra fizesse parte da decoração. Ele estava sentado à sua mesa, os dedos entrelaçados, os olhos mergulhados em pensamentos que jamais seriam ditos em voz alta.

— Sente-se, Helena.

Obedeci. A tensão no ar era quase palpável.

— Está ficando poderosa demais — disse ele, sem rodeios. — E isso faz de você um alvo. Lá fora… e aqui dentro.

— Eu imaginava.

— Mas não é só isso que me preocupa.

Ele levantou os olhos e me encarou. Pela primeira vez, vi algo diferente em seu olhar. Não era ameaça. Era receio.

— Você não nasceu nesse mundo. Não foi criada nele. Seu instinto é afiado, mas ainda não sabe o quanto alguns de nós podem ser cruéis. Nem todos jogam com regras. Alguns… nem jogam. Eles eliminam.

— Está dizendo que vão tentar me matar?

Ele respirou fundo.

— Estou dizendo que já pensam nisso. E que eu não quero perder você.

Minhas defesas vacilaram por um instante.

Vittorio Moretti temendo por mim? Isso não era comum.

— E por que, Vittorio? Por que se importa?

— Porque você está mudando as peças. Movendo o tabuleiro. E talvez… só talvez… seja você quem pode transformar o futuro dessa família. Mas ainda não é hora. Ainda não é seguro.

Me levantei devagar.

— Eu agradeço sua preocupação. Mas se eles vierem atrás de mim, vão descobrir rápido que não sou uma peça fácil de derrubar.

Ele sorriu pela primeira vez naquela conversa.

— Você não é uma peça, Helena. Está se tornando a rainha.

Saí dali com o coração acelerado. Não de medo. De clareza.

Eu estava em guerra.

E agora... tinha inimigos à espreita.

Mas também tinha aliados que jamais imaginei.

E talvez, só talvez, estivesse chegando a hora de virar o jogo — não apenas para mim, mas para toda a estrutura dos Morette.

A noite caía densa sobre a Villa Moretti. As janelas altas refletiam a escuridão que envolvia Milão, e o som distante do vento entre os ciprestes parecia sussurrar.

Vittorio Moretti estava sentado à cabeceira da longa mesa de carvalho maciço na sala de reuniões da mansão. Com um gesto silencioso, ordenou que os seguranças fechassem as portas. Apenas os membros mais próximos da família estavam presentes: Lorenzo, Giovanni, Isabella e Alessandro. O ambiente era silencioso, carregado de expectativa.

— Chegou a hora — disse Vittorio, sua voz grave cortando o ar como uma lâmina. — Não podemos mais manter Helena Vasconcellos no escuro. Ela precisa saber quem é de verdade.

Lorenzo franziu o cenho, mas não disse nada de imediato. Foi Giovanni quem falou primeiro.

— Você tem certeza disso? Uma revelação dessas pode mudar tudo.

— Exatamente por isso devemos contar — respondeu Vittorio, olhando firme para cada um deles. — Do jeito que Helena está crescendo dentro da organização… se continuar acreditando que é apenas uma forasteira, o risco de ela nos trair aumenta a cada passo. Mas se souber que carrega o sangue Moretti… será diferente.

Alessandro cruzou os braços.

— Ela tem talento, é verdade. Mas também tem um senso de justiça que pode ser perigoso.

— E por isso mesmo precisamos fazê-la sentir que pertence — completou Isabella, com o olhar astuto.

Vittorio assentiu.

— O pai biológico de Helena era meu primo, sempre foi fiel a organização. Um homem inteligente, ambicioso, mas que se envolveu com pessoas erradas, acabou sendo traído e morto.

Houve um silêncio breve, quase respeitoso.

— Helena é uma Moretti de sangue. E merece saber disso — concluiu Vittorio. — Se quisermos garantir sua lealdade, temos que dar a ela o que lhe é de direito: seu nome, sua história… e sua posição.

Lorenzo se recostou na cadeira, pensativo.

— Isso vai mudar tudo. Inclusive entre nós.

— Que mude — disse Vittorio, com firmeza. — Já passou da hora.

Todos na sala assentiram, mesmo que com expressões tensas. Não havia volta.

Helena precisava saber.

E a partir daquele momento, os Moretti deixariam de vê-la como uma aliada perigosa… para vê-la como aquilo que sempre foi:

Uma herdeira do império, que Vittorio prometeu a Leandro meu pai e a minha mãe Ester, que cuidaria de mim, pois os dois morreram defendendo a organização.

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